Em entrevista, Dinamite faz balanço dos seus 3 anos e meio à frente do Vasco

Terça-feira, 21/02/2012 - 11:35

Não há prêmio para Presidente do Ano, mas, se houvesse, o de 2011 seria dele. A ótima temporada do Vasco, com o título da Copa do Brasil e as vistosas campanhas no Brasileirão e na Sul-Americana, tudo em meio ao drama envolvendo a saúde do técnico do time, aprovou o comando de Roberto Dinamite, que, agora, só tem um desafio maior do que vencer a Libertadores: superar a saudade do ano que passou...

Em 2002, o então presidente do Vasco. Eurico Miranda, durante um jogo contra a Ponte Preta, pelo Campeonato Brasileiro, supostamente teria dado ordens para expulsar o então opositor político e ídolo do clube Roberto Dinamite do Estádio de São Januário. Seguranças obrigaram Roberto e seu filho a se retirarem da tribuna de honra, de onde assistiriam à partida. Hoje, dez anos depois, o ídolo expulso não esqueceu o acontecido, mas muitas coisas mudaram. Em 2008, tirou Eurico do comando após eleição conturbada, e viu de perto o Vasco cair para a Série B do Campeonato Brasileiro naquele ano. Juntou forças para reerguê-lo e hoje se tornou a referência na reestruturação do clube, que, depois de 11 anos, está de volta à Copa Libertadores da América, prêmio para um ano brilhante em 2011.

Já tinha em mente uma carreira política após a aposentadoria dos gramados?

Pensava em estar dentro do segmento como diretor de futebol, num contato mais com os jogadores do que propriamente com a parte administrativa. Quando encerrei a carreira, pensei nessa questão de ser o elo entre a direção do clube e os jogadores no dia a dia. Na época, cheguei a tentar, mas acabou não acontecendo no do Vasco. Vivi 20 anos dentro do clube e pensar alguma coisa fora dele era algo que na minha cabeça não entrava. Não me via trabalhando com o futebol em algum outro local. Mais tarde surgiu a oportunidade na parte política, dentro de uma linha com a qual eu me identificava.

Administrou algo antes do Vasco?

Não. eu nunca tive nenhuma experiência administrativa antes do Vasco.

E como vem sendo a experiência?

Na minha visão administrativa é importante você ter uma equipe com pessoas competentes para delegar processos. Não é porque você é o "chefe" que você vai resolver tudo sozinho, precisa de bons parceiros, e é assim que me baseio nessa administração dentro do Club de Regatas Vasco da Gama. Isso mudou até uma característica que se tinha em antigos mandatos. Lógico que o regime é presidencialista, a última decisão é minha, mas é importante ouvir os outros. Aos poucos, fui conhecendo mais a forma como administrar, a estrutura do clube. Então, hoje eu quero participar até mais, porque no primeiro momento foi muita coisa e não dava nem tempo de assimilar. Agora estou ainda mais por dentro de tudo que está acontecendo. Todo bom trabalho é fruto de resultado e com o sucesso atual do Vasco isso facilita.

Como foi montar essa equipe para auxiliar você?

No meio do caminho pessoas da equipe da chapa eleitoral saíram porque entendiam os processos de outra forma. Não é tão simples estar dentro de um processo novo, assumindo o lugar de uma adminsitração que já estava há muito tempo. E difícil remodelar tudo e ao mesmo tempo conviver com a vaidade de algumas pessoas, seu ego, seu jeito de ser. Ter de administrar isso também é uma das situaçõeos mais difíceis, mas acho que estamos indo bem. Por vezes, um ou outro foge à regra, sabe que é democraticamente aberto para se opinar e falar, mas sobre outras coisas é preciso falar diretamente e não abrir para fora do clube. As pessoas com idéias diferentes estão saindo, e eu respeito.

Não acha que existe ou existiu um receio das pessoas que o vêem agora em uma posição administrativa?

Concordo e até entendo. Por isso sou bem democrático nesse sentido. Eu não sou economista, como o vice-presidente de finanças (Roberto Machado da Rocha), que já foi secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, que é vascaíno e está dentro da área dele. Ou o responsável pelo marketing ou diretor de futebol. Rodrigo Caetano mesmo (que deixou o Vasco e se transferiu para o Fluminense em Janeiro) é uma pessoa que ganhou muito nome dentro do clube. Conquistou seu espaço e até mesmo o torcedor. O espírito é justamente esse: viver o crescimento do clube em conjunto.

Como foi o início e como foi superar os próprios erros?

Eu sabia que para ganhar a eleição meu nome era muito forte e a forma de conquistar o espaço era pelo meu nome. As pessoas que estavam envolvidas sabiam disso e em um segundo momento sabiam da importância de incorporar a visão, pensar no coletivo, assim como eu era no futebol dentro de campo. Erramos? Acertamos? Vamos procurar melhorar. O próprio Rodrigo Caetano errou bastante em contratações, mas acertou para caramba também, a prova foi o ano do Vasco em 2011. Vai entrar dinheiro? Vai sair? Quem sabe é o setor de finanças. Mas eu dou a palavra final.

Você assumiu e encontrou muitos problemas. Como está hoje?

Financeiramente, hoje está muito melhor do que em 2008. Neste ano de 2012 vai estar muito melhor, mas não quer dizer que estaremos respirando tranquilamente. Eu acredito que o próximo presidente vai estar rindo à toa. Temos compromissos com a área trabalhista, ações com ex-jogadores já encaminhadas, coisas de antigos jogadores. E aí não é coisa pequena. No entanto, eu tive de colocar ordem nisso que foi arrumado em mandatos anteriores. Mas graças a Deus estamos conseguindo.

Foi muito difícil pegar esses detalhes?

Foi. Bastante. Principalmente porque não tínhamos isso em mãos. Durante o primeiro ano fomos organizando, buscamos com o passar do tempo os acordos e as soluções para cada caso. Hoje temos um corpo jurídico trabalhando nisso. A gente sempre faz uma reunião quinzenal em que os problemas e as possíveis soluções chegam para mim. Qualquer coisa que chegue que eu tenha que examinar e tem relação com a parte financeira, eu não assino nada que não tenha o aval dos setores jurídico e financeiro. É a consciência do que posso fazer e o que as pessoas fazem melhor do que eu. O objetivo é equilíbrio, errar o menos possível. Sinceramente, torço mesmo é para pagar premiação os atletas (risos).

Qual a principal lição até o momento?

Com a minha experiência até agora eu aprendi que o presidente tem a palavra final, mas ele tem de estar dentro de um processo coletivo. É isso que eu vejo dentro do clube. Eu, como presidente, não posso acertar e errar sozinho. Ter a sensibilidade de mudar o que está errado e melhorar o que está certo. Mais de uma cabeça para pensar é muito mais válido do que apenas uma. Se o financeiro libera, o marketing acha interessante, interessa ao clube, com certeza o conjunto da obra vai fazer diferença na nossa avaliação.

Quando assumiu, houve uma preparação ou foi no dia a dia?

Eu vivi futebol 20 anos, via o comportamento das pessoas, não era só jogador de entrar em campo e ir embora. Eu acho que não tem muito mistério, se você tem a sua casa, tem as suas coisas, apesar do outro lá (Eurico Miranda, ex-presidente do Vasco) vir falar que eu não administrava nem a minha casa... Mas está certo. Na minha casa quem manda mesmo é minha mulher, ela é que comanda tudo lá (risos). O que eu vejo disso tudo é, diferença do processo, é que eu nunca me impus falando: sou o presidente e quero que seja assim e vai ser do meu jeito. Eu não quero nem saber se era assim antes, eu entendi que era necessário trabalhar coletivamente e ter pessoas a meu lado para tocar um clube com a grandeza do Vasco, que tem mais de 500 funcionários. Eu participo e sei das coisas, mas realmente tem coisas que são dos setores. Às vezes dou pitaco, mas é claro que há os responsáveis. Se eu tenho um diretor de tal setor, eu tenho de cobrar dele.

Foi difícil superar problemas antigos?

Se eu começar a falar da outra administração, vai aparecer mais gente cobrando (risos). Fizemos acordo com Júnior Baiano, Viola, Euller, Mauro Galvão. Desculpe a expressão, mas só p$#! Haja dinheiro! O Vasco ainda não saldou todas as suas dívidas, temos tudo organizado para pagar esses valores mensalmente graças a acordos com esses jogadores. Coisas que eram 200 mil antigamente, hoje são milhões de reais. Hoje estamos respirando melhor também graças aos patrocinadores, temos parceiros como a Eletrobras. Mas às vezes temos problemas contratuais por conta de impostos não pagos no passado. A Penalty deve estar rindo à toa: é só fazer material que hoje o nome do Vasco vende. A marca Vasco da Gama está sendo reconhecida e valorizada no mercado. Você respira ao sair de contratos anteriormente absurdos como aquele da manga da camisa (Habib’s). Era surreal para um clube da grandeza do Vasco. Hoje todos os contratos estão sendo valorizados, queremos enriquecer a marca e valorizar os espaços na camisa. Com os contratos de 2011, se nós não tivéssemos pendências de outras administrações, estaríamos cobrindo tudo.

Aceitaria sair se recebesse o convite de um outro clube?

Não! Nem pensar.

Nem da Portuguesa?

É diferente. Em São Paulo, eu joguei seis meses pela Portuguesa. Lá, me receberam superbem, tenho ótima relação, posso até falar alguma coisa se me perguntarem, mas entrar em uma diretoria, não. Mas o clube está bem. voltou para a Primeira Divisão, não precisa do Roberto (risos). Até porque a minha posição de presidente do Vasco foi muito mais por pedidos do torcedor do que por querer ser ou ter essa ambição. Na minha cabeça não passava isso. Entendi isso como retribuição ao que o Vasco me proporcionou. Foi o clube que me projetou, fez parte da minha formação, junto com meu pai e minha mãe. Eu olho isso com muita gratidão. Amanhã vou estar saindo do Vasco. Se eu puder e conquistar mais títulos, vai ser muito legal, mas jamais vou falar que eu ganhei. Foi o Vasco que ganhou. Encontrei alguns torcedores rivais dizendo que torceram pelo Vasco na reta final do Brasileiro, e pela minha administração, falando que consegui recuperar o Vasco. Já ouvi até gente falando "Pô, vem ser presidente do meu clube!" (risos). Hoje eu sou presidente, amanhã vai passar, será outro. É um desgaste enorme, não é fácil mas está valendo muito a pena. Se hoje parássemos aqui, o presidente que assumisse amanhã encontraria um clube muito melhor, teria muito mais tranqüilidade na parte administrativa. Não adianta também o sucesso administrativo e tomando porrada dentro de campo. O momento está muito legal.

Alívio em conquistar a Copa do Brasil do ano passado?

Joguei 20 anos e eu nunca vi uma chegada daquelas no aeroporto. Tinha gente para caramba na rua, comemorando o título do Vasco. Ver a emoção do torcedor isso não tem preço. Meu objetivo é dar tranquilidade para os jogadores trabalharem. Eu já não faço mais gol, agora é cuidar para que o clube não seja prejudicado e dar condição total para eles fazerem o deles.

Dava para imaginar a repercussão do zagueiro Dedé?

Não dava para projetar isso. Num primeiro momento, ele não teve oportunidade. De repente o cara está para ir embora e ele entra em campo e conquista o espaço. Quando a torcida grita "É o melhor zagueiro do Brasil" influencia muito ele, ele se garante. Foi um desafio enorme da parte dele. Dedé valia 10, hoje vale 100 (proporcionalmente). Quando Neymar renovou até 2014 com o Santos, ele disse: "Presidente, quero ficar até 2015!”. Ele apostou ficar no Vasco, jogar uma Libertadores, apostando também na Seleção. Quando um jogador diz que quer ficar, a gente faz de tudo para isso acontecer.

Dá muitos conselhos aos jogadores?

Conselho é difícil, mas a gente dá um toque. Entrar na vida pessoal dos caras, acho que ninguém tem esse direito. O clube tem uma linha, a gente busca isso, mas já falei para alguns: irmão, descanse, você é novinho, mas a gente precisa de você bem" (risos). Como vou falar para não sair para ir para casa? (risos). Agente tenta explicar que tem de se dedicar mesmo. O próprio Ricardo Gomes tem participação direta nesse processo, os jogadores o respeitam muito.

O Vasco soube trabalhar a situação de Ricardo Gomes quando sofreu o AVC?

Ricardo Gomes, no tempo curto que teve, fez sem dúvida muito pelo Vasco. É parceiro, soube conquistar os jogadores. A situação foi desesperadora, mas sempre no momento mais difícil da vida o importante é buscar as coisas positivas e acho que nem ele imaginava o quanto é tão querido. Em qualquer lugar que eu vou falam dele, dão cartãozinho, medalhinha, fazem de de tudo para ele melhorar, ficar 100%. O trabalho do Cristóvão é a continuidade do dele, eles são amigos. Normalmente o auxiliar quer logo pegar a vaga do técnico, mas em momento algum existiu isso. Eu nunca ouvi Cristóvão questionar a posição dele, ele é amigo mesmo. Tê-los no Vasco foi a coisa mais acertada que eu fiz na minha gestão até hoje. Acredito no trabalho, acredito na competência, mas acredito em algo especial a energia que vem para a gente. Não "usamos" a situação do Ricardo, não é isso. Sempre que ia à casa dele, tinha sempre um ou dois jogadores. Ele é muito querido. Ambiente de amizade faz toda a diferença.

Amizade no futebol faz realmente diferença?

O time do Vasco de 74 foi campeãobrasileiro em cima do Cruzeiro, que era bom para caramba. Mas nosso time estava muito unido e isso fez a diferença. A turma de hoje é bem superior, torço muito para Diego Souza jogar para ca#%$%, ele faz a diferença. Alecssandro entra em campo, modifica o jogo, tem estrela, faz o gol decisivo. Ele fez na final da Copa do Brasil, é indiscutível, tem estrela, isso não se joga de lado. Eu acredito no trabalho, estrutura, mas não basta, tem a união.

Como é lidar com a cobrança?

Os jogadores também cobram da direção e nós estamos dando a tranquilidade para eles trabalharem. Coração, carinho, respeito... Tudo junto. Senão você pode ter um baita profissional, mas se não tem identificação a coisa desanda, isso é fruto de trabalho. Rodrigo Caetano fez muito bem para o Vasco, ele cobrou bastante e esteve sempre antenado. A cobrança vai sempre existir, mas espero que seja com a gente ganhando sempre (risos).

Muitos dizem que você foi um jogador iluminado. O presidente Dinamite também é?

Eu me considero uma pessoa iluminada. Se eu for voltar no tempo, observar a minha história... Para ser jogador de futebol eu tive de ser uma pessoa iluminada. Passei por diversas operações e quem me viu durante a infância considerou um milagre eu jogar futebol. Recebo ligações, mensagens no meu celular. Dia desses mesmo meu compadre Marinho, pessoa simples, me falou que sou iluminado e que mereço. Eu posso errar, mas jamais vão ver que prejudiquei alguém ou que fiz alguma maldade. No que eu posso ajudar, eu ajudo. Eu sou assim. Tem pessoas que eu nem conheço que me mndam mensagem, mas eu guardo. São coisas que não têm explicação. O cara me mandou algumas frases. Parece coisa pequena mas estou lendo isso todo dia.

Quem mandou essa mensagem? Você conhece?

Rodney. Não conheço, mas eu leio todos os dias. Eu sou um cara simples, me considero uma pessoa comum, mas essas coisas me tocam.

É muito religioso?

Acredito em Deus e acredito nos homens. Quando eu acordo de manhã, rezo. Acredito que estamos de passagem. Jamais projetaria o que vivi e o que estou vivendo. Se eu o trato bem, você vai me tratar bem: se eu o trato mal, você vai me tratar mal. E eu levo essa lição comigo. Meu pai e minha mãe me ensinaram isso. Eles já são falecidos há muito tempo, mas acredito que eles estejam acompanhando esse processo. Não pode é ficar esperando cair do céu, tem de trabalhar, se dedicar. É o que falo para os meus filhos. Eu não gosto nem de falar muito disso, mas quando o ex-presidente (Eurico Miranda) me expulsou da tribuna, senti que era uma atitude errada. Acabei me tomando presidente...

Eternizado como jogador e caminhando para também ser como presidente?

Quando eu ia pensar em ser jogador e ainda por cima presidente do Vasco? Nossa! É possível sonhar. Se você quer conquistar seus sonhos, acredite nisso. Mas não passe por cima de ninguém. Em nenhum momento pensei: vou me eterninar..." P#$#@ nenhuma! Quero estar campeão hoje, amanhã campeão também. Daqui a 20 anos o torcedor vai falar: "Pô, legal, aquele cara ajudou o Vasco a conquistar alguns títulos." Quero é chegar ao fim dessa etapa com dever cumprido. Eu vivo o Vasco, e me dedico plenamente. O que eu sou foi o Vasco que me proporcionou. Eu quero fazer de tudo para o torcedor ser feliz. Se ele for feliz, eu também serei.



Fonte: Revista FUT!