A gratidão pelo Vasco se mantém até os dias de hoje. Porém, a realidade de Thiago Maciel e Cadu, 29 anos, agora é bem diferente. Revelada em São Januário, a dupla procura recuperar o lugar ao sol no cenário do futebol brasileiro e tem no Ypiranga, clube de Erechim-RS, uma nova chance. No interior gaúcho, ambos terão a oportunidade de resgatar a notoriedade que um dia conquistaram ao serem personagens de alguns capítulos importantes do Gigante da Colina.
Ao mesmo tempo, eles têm a responsabilidade de manter a equipe que defendem na elite gaúcha, uma tarefa que parece ser árdua, já que foram apenas três pontos somados nas sete primeiras rodadas da competição estadual.
Thiago Maciel nasceu em Santana do Livramento-RS, perto da fronteira do Uruguai. A ida para o Rio de Janeiro ocorreu por conta de um olheiro da Seleção Brasileira, que esteve no Rio Grande do Sul com uma das equipes da base do selecionado canarinho. No entanto, o lateral-direito demorou a estrear pelo time profissional do Vasco. Antes de isso acontecer, o clube emprestou o jogador duas vezes para que ganhasse bagagem para encarar o desafio de desfilar pelos gramados com a Cruz de Malta no peito.
- Cheguei ao Vasco em 1999, no juvenil, por intermédio do Nilson Gonçalves, que era supervisor do Vasco e da Seleção. Fiquei um mês fazendo testes até ser aprovado. Fui estrear no time profissional em 2004, contra o São Caetano, em São Januário. Joguei pelo Bragantino e pelo Olaria antes. Sempre acompanho os resultados do clube. Muita gente saiu, mas ainda tenho carinho pelo Vasco - revelou Thiago Maciel, dando a devida dimensão da importância vascaína na sua trajetória no futebol.
A história de Cadu é ainda mais intensa quando o assunto é o Vasco da Gama. Natural de Cuiabá-MT, o meia-atacante abriu mão da convivência com a família aos 12 anos com o objetivo de realizar o sonho do pai vascaíno: jogar pelo clube carioca. São Januário virou literalmente a sua casa.
- Fui para o Vasco em 1995. Um olheiro que foi me ver na minha cidade me fez o convite. Morei na concentração sem a minha família e fiquei no Vasco dos 12 anos até o profissional. Passei a infância toda sem a presença dos meus pais e parentes. Eles vinham de vez em quando fazer visita. Foi um desafio muito grande. Vim para uma cidade grande atrás de um sonho. Agradeço a Deus por tudo que me ofereceu - declarou Cadu, apegado na fé característica dos Atletas de Cristo.
Apesar de sempre terem sido coadjuvantes em suas participações com a camisa do Vasco, Thiago Maciel e Cadu têm histórias para contar que encherão de orgulho seus filhos e netos. Quem não se lembra do milésimo gol de Romário, contra o Sport, de pênalti, em 2007? O que poucos se recordam é que a bola só foi parar na marca fatal por conta de um cruzamento de Thiago Maciel. O lateral tentou colocar na área e encontrou a mão do zagueiro Durval, atualmente no Santos.
O orgulho ao falar do lance denota a importância de ter participado de alguma forma de um dos momentos mais marcantes de um dos principais jogadores de futebol de todos os tempos. A contribuição ao Baixinho rendeu até uma brincadeira entre os companheiros, que sugeriam que o craque oferecesse uma "ajudinha financeira" a Thiago.
- O maior momento da minha carreira foi ter participado diretamente do milésimo gol do Baixinho. Eu cruzei, e a bola bateu na mão Durval. Depois que acaba o jogo, você vê a dimensão do que era aquela marca. Foi o último momento especial da carreira dele. O ápice. O pessoal brincava que ele ia "molhar" minha mão, mas o Baixinho era mão de vaca - lembrou Thiago, num misto de nostalgia e gozação ao antigo e consagrado companheiro.
Outro momento guardado com carinho por Thiago Maciel ocorreu em 2004. Na luta contra o rebaixamento, o Vasco recebeu o Atlético-PR, que vinha concorrendo ao título daquele ano. Depois de uma semana de muita pressão, o Cruz-Maltino saiu vencedor e se livrou do fantasma da Segunda Divisão na época.
- Aquela semana foi braba. O Eurico era fogo e não admitia outro resultado que não fosse a vitória. Vencemos por 1 a 0. O gol foi do Henrique, após uma falta cobrada pelo Petkovic e sofrida por mim. Dei a minha parcela de ajuda para aquela fuga - lembrou.
Cadu fez parte de bons momentos da trajetória cruz-maltina. Ele esteve presente no último título estadual do clube, em 2003. E com participação decisiva. O segundo jogo da final contra o Fluminense ficou gravado na memória do torcedor carioca por conta do passe de letra de Léo Lima. Porém, não fosse toda a gana do "operário" Cadu, o lance possivelmente cairia no esquecimento, pois não resultaria no gol do título.
- O título de 2003 me traz recordações maravilhosas. Ter ganho aquela taça muito novo, no Maracanã, foi muito especial. Um marco pra mim. O Léo Lima teve aquele lance de muita inspiração. Porém, se eu não faço aquele esforço, a bola iria para fora. A jogada ficou bonita e acabou em gol do Souza. Devo muito ao Vasco pela oportunidade que me deu tão novo. Fui pra lá muito novo e conheço tudo em São Januário - ressaltou Cadu, também num tom saudosista e de total carinho pelas cores vascaínas.
Novos desafios
Depois que deixaram a Colina, Thiago Maciel e Cadu passaram por muitas experiências e provações. Ambos atuaram no exterior e tiveram de lidar com as dificuldades que os brasileiros costumam encarar quando se aventuram profissionalmente em outros países.
O lateral-direito foi parar na gelada Rússia e demonstrou capacidade de adaptação que poucos compatriotas têm. Enfrentou o frio, a dificuldade de um idioma quase que enigmático em comparação à língua portuguesa, e também foi alvo da estupidez de alguns racistas. Soube levar tudo como um grande aprendizado, sem ressentimentos.
- Fui para o Alania em 2005. Eles tinham opção de compra, mas não depositaram o dinheiro ao Vasco. Quando recebi a proposta, fiquei preocupado, pelo frio e pelo idioma. Mas me adaptei rapidamente. O time estava na Primeira Divisão e joguei contra os grandes de lá. Guardo a experiência com carinho. Sofri quando retornei em 2008, numa cidade perto da Sibéria. Eu pegava na bola e os caras imitavam um macaco. Mas tirei isso de letra, pois sei que isso faz parte do futebol. Isso não vai mudar tão cedo. Acontece até com o Roberto Carlos, que é ídolo mundial - revelou Thiago Maciel.
Cadu passou por Coreia do Sul, Portugal e Bélgica. Fez algum sucesso por onde passou, com títulos e artilharias. O fato de ter jogado com outros brasileiros amenizou a dificuldade de adaptação, principalmente no país asiático.
- Tive uma passagem na Coreia muito boa. Em seis meses lá, fui campeão. Joguei em vários estádios que fizeram parte da Copa do Mundo de 2002. Joguei com o Botti, o Fernandes e o Magno Alves, que me ajudaram muito. Fui emprestado para o futebol belga (Germinal Beerschot) e fui artilheiro e campeão. Fiz um bom trabalho. Coreano é um idioma mais complicado. Como tinha muitos brasileiros, a gente não exercia muito a língua. Peguei mais a linguagem do futebol - explicou Cadu.
Parceria refeita
A amizade se manteve ao longo dos anos, e o Ypiranga-RS se encarregou de reeditar a parceria nos campos. A sintonia fora dos gramados pode ajudar o clube de Erechim dentro das quatro linhas. É exatamente isso que ambos esperam.
- Quando eu cheguei ao Vasco, ele já estava lá. Ao longo dos anos, essa amizade só foi crescendo. Ele subiu primeiro. Mas sempre mantivemos contato. Eu frequentava a casa dele. Temos 29 anos e sonhamos voltar a vestir a camisa de um clube grande - disse Thiago Maciel.
Cadu também festeja o fato de poder voltar a jogar ao lado de um grande parceiro. Quase uma década longe do Brasil, o meia-atacante trata a situação como um brinde à amizade de longa data.
- É muita alegria voltar a jogar com ele aqui no Brasil depois de oito anos fora. A adaptação ficou mais fácil. A gente mora no mesmo prédio. Nossas famílias estão sempre por perto - frisou Cadu.
O jogador confia na recuperação do Ypiranga:
- Tivemos um começo de muita dificuldade. Esperamos sair desta má fase e queremos uma vaga na fase final do segundo turno. Acho que montamos uma boa equipe, que está buscando a sua melhor condição. Tenho a certeza de que vamos evoluir na competição.