Nesta sexta-feira os jogadores da categoria infantil do Vasco não tiveram treino. Assim, restou a alguns deles subir na laje de uma pensão na Rua Ferreira de Araújo e soltar pipa. O tempo livre é decorrência de uma tragédia, a morte de Wendel Junio Venâncio da Silva, de 14 anos, durante um treino na última quinta, quando realizava um teste com o time infantil do Vasco em Itaguaí (RJ). Por isso, as brincadeiras dividiam espaço com a apreensão de meninos da mesma idade e que têm como objetivo vencer num clube que garante projeção, mas que, segundo alguns relatos, está longe de dar boas condições àqueles que buscam vencer na carreira de jogador de futebol.
X. tem 14 anos e conviveu com Wendel nos três dias em que o menino de São João Nepomuceno (MG) esteve realizando testes no Vasco. Nascido num município da Região Serrana do Rio de Janeiro e há dois anos no clube, ele diz que não testemunhou a cena da convulsão do menino no gramado e sem assistência especializada. Assim, em meio à relutância de falar sobre o assunto, admitiu que o episódio assustou todos que vivem uma realidade semelhante.
- Estive com o Wendel algumas vezes, era gente boa. Não sei direito o que aconteceu, mas é claro que fiquei assustado. Ele buscava realizar o mesmo sonho que eu - disse X., para em seguida recolher a pipa caída na rua e retornar para a pensão, onde outros colegas de equipe o esperavam.
Do outro lado da rua, a vila de número 26 foi a última moradia de Wendel. O alojamento é de propriedade de Renato Velasco, que aluga o espaço e também atua como uma espécie de pequeno empresário, investindo em jovens que sonham com a carreira no futebol. Na última segunda-feira, ele recebeu Wendel e outros dois amigos de São João Nepomuceno, que se hospedaram no local sob a responsabilidade da parente de um deles. Chegou a ver o menino brincando no quintal e testemunhou sua felicidade por estar perto do sonho de defender seu clube de coração.
- Ele tentou entrar em São Januário para assistir ao jogo do Vasco na Libertadores na última quarta-feira, mas, como estava tumultuado e não tinha vínculo com o clube, não conseguiu. Mesmo assim, ficou aqui de cima da ladeira olhando a torcida e disse: “Um dia eu vou jogar ali” - lembrou.
Se a fatalidade não tivesse ocorrido, Wendel talvez pudesse ser aprovado e iniciar carreira no Vasco. Então, poderia seguir em frente ou se decepcionar com a realidade vivida pelos jovens que vivem no alojamento de São Januário ou nas redondezas. Uma das queixas frequentes é em relação à comida fornecida pelo clube. Alguns relatam ser de péssima qualidade – bife de fígado na maioria das vezes –, o que os força a gastarem R$ 8 por um prato na Pensão Gama, que fica na Rua Ferreira de Araújo.
Enquanto o alojamento de CT de Itaguaí - que pertence ao empresário Pedrinho Vicençote - não fica pronto, os jogadores a partir dos 14 anos que têm vínculo com o Vasco são instalados em São Januário. Recentemente, a hospedaria mudou de lugar, já que o local antigo vem sendo reformado para abrigar a equipe profissional. Alguns atletas afirmam que o clube vem se esforçando, mas que ainda é possível encontrar baratas na cozinha.
'O clima está péssimo'
Para quem é do clube, não falta comida. Porém, para aqueles que estão em fase de teste, os relatos são de que muitas vezes não há alimentação. Como foi o caso de Wendel e do time infantil, que teve o treino da tarde da última quinta-feira cancelado porque não haveria almoço. O menino, inclusive, não teria tomado café da manhã em São Januário no dia de sua morte, embora o Vasco afirme que o jogador se alimentou antes de seguir para Itaguaí.
- Essa questão de comida ruim é relativa. Muitos meninos têm empresários conhecidos e estão acostumados com algo melhor. Mas a maioria dos garotos passou a vida inteira do Vasco e nunca reclamou - contestou Renato Velasco.
Recém-promovido aos juniores, Waldir passou da pensão de Rua Ferreira de Araújo ao alojamento de São Januário. Cada vez mais perto de ser admitido pelos profissionais, o volante confessou que a sexta-feira foi um dia marcante no Vasco, mas pelo lado negativo.
- O clima está péssimo. Todos estão muito abalados - resumiu.
Um outro integrante das categorias de base do Vasco, que pediu para não ser identificado, tenta enxergar um lado menos ruim nessa história:
- Agora a diretoria vai passar a olhar com mais atenção para o pessoal da base porque todo mundo escutou o Roberto prometendo isso depois desse acontecimento - disse, referindo-se ao presidente Roberto Dinamite.
Procurado para comentar o assunto, Humberto Rocha, gerente das categorias de base do Vasco, não quis se pronunciar.