Na noite de segunda-feira, era possível ver jogadores do Nacional caminhando pela orla da Barra da Tijuca. À noite, no hotel de frente para o mar, um grupo deles no lobby recebia a visita do alvinegro Loco Abreu. Hoje, lado a lado com argentinos do Arsenal, que ontem enfrentou o Fluminense, torravam no sol escaldante da praia. Em meio ao ambiente descontraído, mas não descompromissado, está um homem que, aos 35 anos, passa a carreira a limpo, embora não marque data para o fim. Alvaro Recoba foi considerado o mais promissor jogador uruguaio de sua geração, chegou a ser comparado a Maradona, viu uma pesquisa apontá-lo, entre 2001 e 2002, como o jogador mais bem pago do mundo, ganhando no Internazionale cerca de US$ 7,5 milhões por ano. Há dois anos, vive uma nova realidade no futebol uruguaio.
Recoba jogou uma Copa do Mundo, em 2002. Com 69 jogos pela seleção, não se pode dizer que seja um jogador malsucedido. Mas, frequentemente, perguntam a ele por que sua carreira não chegou ao patamar que muitos esperavam. Então, o que Recoba diria a um jovem promissor em início de carreira?
— Diria a ele para ser mais aberto do que eu fui. Nunca liguei para técnico, marketing, imprensa. Minha relação era com a bola, somente. Achava que devia jogar simplesmente pelo que fazia com a bola, não por dar tapinha nas costas de treinador, aparecer na mídia. Acho isso virtude. Mas, hoje, o futebol necessita destas outras coisas também — diz Recoba.
Ao lado do Fenômeno
As palavras do uruguaio não parecem esconder uma amargura com a própria história. A volta ao país, para um ídolo uruguaio, se dá cercada de números bem diferentes do futebol brasileiro. Não é o dinheiro que move Recoba hoje.
— Tenho um filho de oito anos e uma filha de 11. Quero produzir recordações bonitas para minha família. Nos últimos seis meses de 2011, quando fui campeão pelo Nacional, fiz gol em clássico e marquei no jogo final, contra o Liverpool, quando conquistamos o título. Isto fica na cabeça das crianças, que entram em campo comigo. E influi também a chance de competir, buscar títulos — diz Recoba. — Eu jogo porque ainda me divirto. E porque consigo fazer as coisas. Se quiser dar um passe de 40 metros, eu dou. Se quiser dar um chute, consigo. No dia em que meu corpo não permitir, eu paro. Agora, me sinto feliz.
Ele faz questão de distinguir seu momento do que foi vivido por ídolos brasileiros como Ronaldo, Adriano e Ronaldinho Gaúcho, que também voltaram ao país.
— A realidade dos clubes brasileiros e uruguaios é bem diferente. Temos dois grandes, Nacional e Peñarol. E com orçamentos bem menores do que no Brasil. Eu voltei para o Danubio. A adaptação custou tempo. São campos ruins, um futebol travado, duro. Tive a sorte de vir para o Nacional, e aí tudo mudou 100%. Tem mais gente nos jogos, disputamos copas internacionais. Eu gosto de competir.
Recoba elege os anos vividos no Internazionale como os melhores de sua carreira. Foi a uma semifinal de Liga dos Campeões, disputou competições de ponta. Na mesma época, jogou sua única Copa do Mundo. E jogou com Ronaldo:
— Joguei com Adriano, Julio Cesar, Maicon... e Ronaldo, que foi fenômeno de verdade. Hoje se fala em Pelé e Maradona, que jogaram há décadas. Daqui a 30 anos, quando falarem na história do futebol, falarão de Pelé, Maradona e também de Ronaldo. As pessoas demoram um tempo para perceber que se fez história.
Nacional: 16 Copa seguidas
Recoba viveu parte da entressafra do futebol uruguaio. Talvez por isso, sua trajetória em mundiais tenha ficado restrita ao torneio da Ásia. Hoje, com ambições que passam distante da seleção, fala com otimismo da geração que voltou a colocar o país na elite do futebol mundial. Mas não acredita que a qualidade atual seja superior à de sua época.
— É espetacular o que se vive. Mas os resultados são decisivos. Sempre tivemos jogadores bons. Houve um tempo em que ficar entre os quatro de uma Copa do Mundo era normal para nós. Depois, virou raridade. Agora, voltamos a conseguir isto, a ganhar uma Copa América. Isto deixa o jogador mais confiante. E esta é a diferença.
Quando pisar o gramado de São Januário, hoje, para mais uma Libertadores, Recoba terá a missão de capitanear um time que apostou alto em veteranos capazes de liderar um grupo que era cheio de jovens. Além de Recoba, chegaram o zagueiro Andrés Scotti, de 36 anos e que ainda está na seleção; e o também defensor argentino Diego Placente, de 34. Recoba faz questão de frear expectativas, mas acredita que a confiança que tomou de assalto o Uruguai possa ajudar.
— Não somos favoritos nem no jogo contra o Vasco, nem na Libertadores. Vamos enfrentar o time mais forte da chave. Mas este é um Nacional sólido como os times uruguaios são. E que tem experiência ao lado de jovens de qualidade, como Facundo Píriz (meia). Viemos com muita esperança — avisa.
Mais do que a experiência ou o renascimento uruguaio, pesa a incrível tradição copeira do Nacional. Tricampeão da Libertadores, o clube ganhou o Mundial em todas estas ocasiões. Além disso, ostenta uma marca difícil de igualar para um clube brasileiro: em 2012, jogará sua 16 Libertadores seguida.
Hoje, o time fará seu primeiro jogo oficial do ano, já que o campeonato uruguaio não começou. Num time experiente, o técnico é jovem: o argentino Marcelo Gallardo, de 36 anos, dois meses mais velho que Recoba. Dono de uma trajetória semelhante à de seu comandado, foi considerado um jovem promissor, mas sua carreira não atingiu o patamar esperado. Após se aposentar no ano passado, assumiu o comando do time e logo ganhou Apertura uruguaio.
— Sempre vamos pensar em ganhar. Não há como encarar um jogo de outra maneira — avisou Gallardo.
Fonte: Extra online