Baiano, que não escuta axé e nem sabe tocar instrumentos. Esse é Cristóvão Borges, treinador do Vasco há seis meses e que tem representado Ricardo Gomes — que se recupera de um AVC — à beira do campo com eficiência. Fã do cantor jamaicano Bob Marley, ele também propagou o amor e o respeito entre as pessoas em São Januário e ajudou a resgatar o orgulho dos torcedores, que, para Cristóvão, vale mais do que qualquer título. A três dias de estrear na Libertadores, o treinador ainda administra um grupo chateado por não receber salários e trabalha duro para realizar um sonho que deixa no ar: ser campeão da Libertadores.
MARCA BRASIL: Qual é a sensação de comandar o Vasco emumano tão importante para o clube?
Cristóvão Borges: Tem sido especial e diferente. Primeiro por causa da circunstância em que assumi o time. Teve o problema com o Ricardo Gomes, algo inesperado. Minha adaptação foi complicada, pois a gente vinha da conquista da Copa do Brasil e estava bem no Brasileiro. Era necessário dar continuidade ao trabalho. Felizmente, tudo foi acontecendo e ficamos a dois pontos do campeão. Vivi muitas emoções.
MB: O que mudou na sua vida desde agosto do ano passado, quando Ricardo Gomes sofreu um AVC?
CB: Muita coisa. Tenho mais exposição, dou mais entrevistas e apareço nos jornais. Tudo isso não acontecia antes de eu assumir o time. Inclusive mudou a relação até com os amigos. Sou reconhecido nos lugares que vou. Mesmo com a rivalidade com o Flamengo, o Vasco fez tantas coisas admiráveis no ano passado que continuo recebendo parabéns dos flamenguistas pelo trabalho que tenho feito. É uma coisa muito bacana e legal, que me motiva.
MB: Como Cristóvão Borges é em casa?
CB: Uma cara tranquilo. A rotina mudou com essa maratona de trabalho, mas procuro descansar porque tenho pouco tempo para isso. Gosto de dar atenção para a minha família, de sair. O lazer ficou mais restrito, mas gosto muito de praia, de teatro e de música. Vou a muitos shows. Tenho lido pouco e isso me incomoda. Estou me adaptando a essa nova rotina de comandar um time e ainda tem a Libertadores para aumentar a correria. Mas está tudo bem.
MB: Ney Franco gosta de compor músicas, Parreira adora pintura e fotografia E você, qual é o seu hobby?
CB: Sou baiano, de uma terra musical e não sei tocar instrumentos (risos). Não sou de axé. Adoro MPB, rock e gosto de tudo o que se aproxime desses estilos. Até reggae eu escuto. Adoro Bob Marley e suas canções pregando o amor entre as pessoas. Mas meu grande hobby mesmo é a praia. Tenho o joelho operado e me machucava muito nas peladas. Também sempre perdia a cabeça com discussões. Acabei descobrindo o futevôlei. Não brigo com os amigos, não me machuco e me divirto.
MB: Nos seus tempos de jogador, como eram os duelos com Roberto Dinamite? O presidente do Vasco tinha facilidade em campo?
CB: Atuava como apoiador quando enfrentei o Dinamite. Portanto, não chegamos a atuar na mesma zona do campo. Se tivesse mais recuado, não teria dado espaço e chegaria junto (risos), embora o Roberto tenha sido um jogador muito decisivo. Na época, imagino que foi difícil para ele passar pelo Tadeu, que jogava com o Edinho na zaga do Fluminense. Sempre conversamos, mas esse assunto nunca vem à tona.
MB: Como surgiu a parceira com Ricardo Gomes?
CB: A gente se conhece há muitos anos. Ele era dos juniores e eu já estava nos profissionais. Sou cinco anos mais velho que o Ricardo e, por causa disso, a gente não era tão próximo. Em 1989, na Copa América, ficamos mais juntos na seleção brasileira. Quando ele voltou para o Brasil, já como treinador, foi convidado para dar uma palestra em um curso de técnicos. Eu estava lá acompanhando. Conversamos e resolvemos trabalhar juntos. Em 1999, apareceu a chance de comandar o Vitória e estamos juntos desde então. Somente na época do Bordeaux (2005 a 2007) ele ficou sozinho, pois já existia uma comissão técnica fixa lá.
MB: Qual foi a maior dificuldade de substituir Ricardo Gomes?
CB: Tudo foi complicado. Não planejamos aquilo. Além das questões profissionais, somos amigos e ele estava correndo o risco de morrer. Foi terrível. Ao mesmo tempo, tínhamos uma partida pela frente três dias depois. Foi difícil assimilar tudo. O clube precisava de mim e de uma resposta positiva. O que me deixou menos desconfortável era saber que poderia contar com o grupo. Graças a Deus as coisas foram acontecendo.
MB: Você teve noção do que estava para acontecer na sua vida?
CB: Nenhuma noção. Sabia que tinha de dar um jeito rápido para que as coisas não perdessem o rumo. Era o mais importante ali. Estava claro para mim que tudo tinha de girar em torno dos jogadores. Era esse o caminho e seguimos.
MB: Em algum momento você achou que o Vasco iria contratar outro técnico?
CB: O que aconteceu foi tão pesado, que nem cheguei a pensar nisso. Vivi uma emergência que eu tinha de resolver. Mas para frente vi pela imprensa um monte de pessoas se oferecendo para trabalhar no Vasco. É normal, mas não fiquei preocupado. Caiu uma missão no meu colo e eu tinha de dar conta.
MB: Depois de tudo, você se imagina voltando a ser auxiliar técnico novamente?
CB: Eu me pergunto isso desde o ano passado. Tento direcionar e focar no que tenho de fazer. Procurar o que é importante no futebol. Em 2011, estava claro que as coisas precisavam continuar funcionando bem. Isso ocorrendo, as coisas boas iriam vir. Nunca parei para pensar e não sei responder a essa pergunta (risos). Seria uma situação diferente. No entanto, sendo com o Ricardo, não teria problema algum.
MB: O que significa comandar o Vasco em uma competição tão importante como a Libertadores?
CB: Estou muito motivado. É a minha primeira experiência e é legal fazer parte do retorno do Vasco à competição. O time volta em sintonia com a torcida e isso era tudo o que a gente desejava. O que nos ajudou em 2011 estamos trazendo para este ano. Vimos os vascaínos juntos em Bangu e isso mexeu muito comigo. Gosto muito mesmo dessa parceria, sou fã e vou seguir nessa onda.
MB: Depois de tanto trabalho, hoje você já teve um reconhecimento financeiro por parte da diretoria?
CB: O reconhecimento veio com a renovação do meu contrato. O meu salário foi reajustado e estou muito satisfeito.
MB: Está sendo difícil administrar o grupo que está com os salários atrasados e não tem se concentrado antes dos jogos?
CB: Fui jogador. Sei que o tratamento nessas horas tem de ser verdadeiro e direto. Estamos vivendo isso. A gente conversa aberto, sem historinhas e tem uma relação aberta. Se você é assim com os atletas, eles vão ser assim com você. Tem de ser desse jeito. Diferente disso não vai funcionar.
MB: Qual é o seu grande sonho agora?
CB: Tenho um grande sonho, mas não gostaria de revelá-lo (risos). Estou trabalhando para realizá-lo. Tudo o que está acontecendo é muito importante para mim. Canso de falar para os jogadores que, no futebol, a gente aproveita as oportunidades e não se dá chance. Estou agarrado a este momento que estamos vivendo e quero que dure para sempre. Estou trabalhando muito para ficar marcado para sempre.
MB: Você completou um ano no Vasco nesta semana. Voltar a trabalhar com Ricardo Gomes seria o melhor presente?
CB: Espero que isso aconteça ainda este ano. Acho que a parceria vai ser diferente depois de tudo o que passamos. Eu não vejo a hora de estar na área técnica com o Ricardo novamente ao meu lado.
Fonte: Marca Brasil