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Árbitro do 'Chocolate' de 2000 critica Bassols e comissão de arbitragem


Terça-feira, 27/12/2011 - 20:42

O amarelo e o vermelho dos cartões agora aparecem nos sinais de trânsito. A correria em campo foi trocada pela prudência atrás do volante. Mas a convivência com a torcida, essa não mudou nada. A vida de Ubiraci Damásio estacionou no Rio de Janeiro desde que ele se aposentou em 2010. Há um ano e meio, o ex-árbitro trabalha como motorista e auxiliar administrativo no Detran. Ouve brincadeiras dos companheiros de trabalho sobre jogos que apitou e lembra com detalhes da maioria deles. Pênaltis, expulsões, gols e até mesmo um beijo recebido de um jogador no meio do campo (assista ao vídeo acima). Capítulos de uma história de 23 anos na arbitragem.

- Eu fiquei marcado como um ídolo. Não sou jogador, mas a torcida passa na rua e pede para tirar foto comigo. Até hoje. Se não tivesse a imposição da idade, acho que continuaria, pelo menos, até uns 50 anos (risos). Recebo sempre convites para apitar. Tenho feito jogos particulares em clubes e condomínios, fiz o showbol e também apito na liga da Zona da Mata em Minas Gerais. Não consigo parar - afirmou o ex-árbitro, hoje com 44 anos, dois filhos, Marcos Vinicius e João Vitor, e casado com Guacyra há 18 anos.

As viagens para manter vivo o gosto pela arbitragem se intercalam com o trabalho no Detran, onde também pretende implementar um projeto sócio-educativo voltado para os esportes, como futebol e atletismo. Na sede no Rocha, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, Ubiraci trabalha em um escritório pequeno, com mais três funcionários, e chefiado pelo diretor de transportes, Augusto Oliveira. Quando precisa sair para fazer a função de motorista, dirige um dos carros populares do departamento. Trabalha de segunda a sexta-feira, em horário comercial. Rotina bastante diferente da vivida em tempos de futebol.

- Não tenho o que reclamar. Faço a parte burocrática, levo os instrutores ao local do exame, trago os malotes com as provas. Até gosto. Mas eu tenho pedido para o meu chefe para não ir mais aos locais dos testes porque quando eu chego o pessoal todo me reconhece. Fica até difícil. Falam “Ah, você é o instrutor, deixa eu passar aí.” Eu não me meto nisso - disse.

Onde Ubiraci se mete, apenas para dar sua opinião, é na arbitragem brasileira. Para o ex-dono do apito, a qualidade dos profissionais caiu. A explicação para isso, segundo ele, está na formação dos árbitros.

- No Rio de Janeiro, estamos com péssimos árbitros. O problema é que não estão dando tempo para prepará-los. Eu fiquei seis anos no departamento amador para depois chegar ao profissional. Agora, estão chegando com dois anos e não têm experiência. O resultado é esse aí. Os diretores das comissões de arbitragem em todo o Brasil estão com essa mania de renovar. Não é assim. Tinham que pegar os rapazes no curso e colocar para apitar infantil, juvenil, juniores, para depois chegar no profissional. Aí teriam rodagem para isso. Não culpo os árbitros. Culpo as comissões - afirmou.

Ubiraci cita o exemplo do árbitro Péricles Bassols, criticado pela atuação no clássico entre Vasco e Flamengo pela última rodada do Brasileirão.

- Péricles é um bom garoto, mas podiam tê-lo lapidado um pouco mais. Ele apitou bem o jogo, mas faltou experiência, malandragem. Eu tive uma passagem parecida. Fui fazer um Bahia x São Caetano e um jogador falou: “Galinha do céu apita?”. Perguntei quem tinha dito aquilo e todo mundo começou a rir. Então expulsei o banco todo. Nenhum jogador de futebol é santo, eles xingam mesmo, e o árbitro não pode responder. Mas o jogador fala contigo e daqui a três minutos ele vai errar lá na frente, aí você pune. Tem recursos pra isso - disse Ubiraci, citando a expulsão do jogador Renato, do Flamengo, que afirmou ao sair de campo que o xingamento ao árbitro teria sido feito por Bernardo, do Vasco.




Beijo de jogador fez filhos brigarem na escola

Ubiraci Damásio ficou marcado por diversos capítulos de sua história. O mais curioso talvez tenha sido o do “jogador beijoqueiro”. Na final da Taça Rio de 2007, Cleberson, do Cabofriense, deu um beijo no árbitro quando viu que iria receber um cartão amarelo por ter cometido uma falta. O episódio é lembrado com bom humor, mas também com uma lembrança ruim sobre as provocações que os filhos tiveram que ouvir na escola.

- Não entendi até hoje, mas dei o cartão pela falta, não por isso. O que me marcou mais foi até pelos meus filhos. Eu fui chamado no colégio porque meu caçula, que tinha seis anos, bateu em um garoto que falou “seu pai é beijoqueiro, é viado”. O mais velho brigou também. Isso foi uma confusão. Quero um dia perguntar para o Cleberson por que ele fez isso. Torcedor fica me chamando de beijoqueiro na rua até hoje. Essa parte foi até legal. Lembro agora com bom humor. Mas na época não gostava de comentar porque eu achava que dois negros se beijarem era complicado (risos) – brincou.

Outro jogo que ficou marcado na carreira de Ubiraci foi o “clássico do chocolate” entre Flamengo e Vasco na final da Taça Guanabara de 2000. O Cruz-Maltino venceu por 5 a 1, mas o árbitro precisou expulsar seis jogadores devido ao clima tenso que foi criado antes da partida com as provocações de dirigentes.

- Foi um jogo muito difícil. O Rio parou para ver. A provocação passou para dentro de campo. Então, tive que expulsar seis. Os jogadores não queriam mais jogar, só trocar tapas. O Eurico (Miranda, então presidente do Vasco) os inflamou de uma maneira que levou para dentro do campo. Foi um momento que me marcou, com certeza - concluiu.



Frustração por não chegar ao quadro da Fifa

Ubiraci ainda tem muitas histórias no futebol. Um colega de arbitragem que “recebeu santo” em um avião, um desmaio falso para despistar e conseguir sair de um jogo em que depois soube que o capitão do time era dono de uma boca de fumo e até mesmo uma partida em que foi confundido com homossexual. Muitas engraçadas, que despertam risadas em qualquer um. Porém, há um momento triste em sua carreira. O ex-árbitro se emociona ao comentar o porquê de não ter conseguido entrar para o quadro da Fifa.

- Eu só consegui ser aspirante à Fifa. Só fui estudar depois de velho. Tinha muito mal a sexta, sétima série. Trabalhava em banca de jornal para ajudar a minha mãe. E, infelizmente, na arbitragem, tem que ter padrinho. Dá até lágrimas nos olhos, não gosto nem de falar sobre isso, mas o ser humano é capaz de tudo. Eu só não fiz besteira porque minha mãe pediu. Mas me sabotaram. Fiquei muito frustrado com o presidente da Federação do Rio na época, Eduardo Viana, porque ele ajudou A e não ajudou X. O mesmo problema que eu tive o outro também teve. Essa é a minha bronca também com o Armando Marques (então presidente da Comissão de Arbitragem da CBF). Fiquei chateado porque ele me disse que quando eu terminasse o segundo grau a vaga na Fifa era minha. Quando eu terminei, fui lá. Ele me mandou fazer uma redação e depois falou na minha cara que palavras o vento leva. Depois me acusou que eu fazia parte de quadrilha. Aquilo me chateou muito - lembrou.

Ubiraci, que hoje faz faculdade de Educação Física e um curso de comunicação com uma professora de português para aprimorar a oratória, acredita que houve também racismo contra ele. E conta um episódio em que o preconceito foi explícito.

- Até hoje um negro não chegou ao topo da arbitragem carioca. Em 1992, tínhamos dez árbitros negros no quadro. Eu pedi ao diretor, em público, para colocar um trio negro. Ele falou “Deus me livre, para que tanto crioulo? Já tem você.” Ele falou que só dois poderiam subir, oito tinham que cair. Tentei falar com a governadora Benedita da Silva na época, e os assessores dela não deixaram. Eu fiquei indignado. Queria levar esse caso à frente, mas me mandaram parar, porque assim eu ia encerrar a minha carreira - revelou.

Ubiraci também faz críticas a regulamentos e inovações da Fifa. Acredita que o uso de assistentes atrás do gol, ação na qual foi pioneiro no Brasil, precisa ser aprimorado e acha um absurdo os testes físicos da entidade. Além disso, é contra a utilização de microfones pelo árbitro. A explicação é simples e pode ser confundida com o motivo de sua paixão pelo esporte.

- Eu sou daquele tempo romântico. Tem que ter polêmica. Se não tiver, não tem graça. Se não tiver polêmica, acabou o futebol – finalizou.

Fonte: GloboEsporte.com