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Ex-vascaíno Beto relembra carreira e faz elogios a Eurico Miranda


Domingo, 25/12/2011 - 17:11

A história jamais foi manchete na imprensa. A cena: dois jogadores do Flamengo deixam a concentração na véspera de uma decisão contra o Vasco e rumam para o prédio vizinho. Passam a noite fora, tudo por conta de uma mulher. O ano? O ex-jogador Beto prefere não divulgar. Foi entre 1999 e 2001. E, segundo o ídolo rubro-negro, os fujões foram os destaques da decisão, vencida pelo time da Gávea. Essa foi apenas uma das histórias que o ex-meia contou ao GLOBOESPORTE.COM em sua cobertura no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

- Os nomes? Não falo. Eu não estava envolvido. A diretoria queria afastar os dois, mas não deixamos. Ia vazar ainda mais coisa que já tinha acontecido – contou.

Sob o olhar atento da esposa Marcela, de 28 anos, e do filho caçula, Pedro Henrique, de oito, Beto não fugiu de nenhum tema durante o bate-papo. Na ampla sala de seu apartamento, decorada com camisas do Flamengo e da Seleção Brasileira e fotos da carreira, o ex-jogador, de 36 anos, falou do atual momento da vida, do futuro e do pequeno buffet aberto pela amada, o Viva Eventos. E é justamente com a mulher que surgem as primeiras brincadeiras na entrevista. O casal chega a falar da relação, brinca com as idas e vindas e de como estão juntos há quase dez anos.

- A minha esposa tem uma empresa que está começando, um buffet. Ela está indo devagar, temos um contato, temos que divulgar mais com os amigos. Ela crescendo, eu cresço também, e será a minha vez de ficar deitado e ela trabalhando (risos) – brincou o jogador, elogiando o filho Pedro, que faz escolinha no Fluminense e, de acordo com Beto, tem futuro no futebol.

Mas a conversa com Beto não foi leve. Fama de boêmio, baladeiro... O ex-jogador falou de tudo. Revelou casos que ainda não tinham sido noticiados pela imprensa, contou como se sente frustrado por não ter disputado uma Copa do Mundo e de como os “bad boys” de hoje se comportam. Na opinião do ex-meia de Fluminense, Vasco, Botafogo e Napoli, muitas vezes os santos têm apenas a fachada. Na verdade são “lobos em pele de cordeiro”, como diz o ditado.

- Faz falta. Tem que ter um bad boy. Os santinhos só não adiantam. Às vezes, os caras têm aquela máscara de bom moço, mas por trás são os que mais fazem besteira. Por trás deles existe uma boa assessoria, que blinda todas as suas merdas. Acaba não saindo nada na imprensa. Nós fazíamos, falávamos... Às vezes, por trás, os caras fazem até mais do que nós.

De Ronaldinho Gaúcho a Adriano... De conselhos para Jobson, recentemente reintegrado ao Botafogo após problemas de disciplina durante o seu empréstimo ao Bahia, a ida à favela para salvar um amigo jogador. Beto não deixou perguntas sem respostas. E, no fim, a impressão que ficou é que o último dos “bad boys” deixou o futebol de forma prematura, em 2008, aos 33 anos.

Confira abaixo a entrevista completa do ex-jogador Beto:

GLOBOESPORTE.COM: Como está a vida?
BETO: Parei em 2008, no Vasco. Cheguei a jogar em 2009, em Florianópolis, e resolvi parar porque estava desanimado com o futebol. As pessoas te oferecem uma coisa e não cumprem no fim. Quando parei, conheci um pessoal da Holanda que queria que eu fizesse a intermediação de jogadores, mas não deu certo por conta da maneira que eles trabalhavam. Pediam um jogador, encontrávamos o atleta, e os negócios não se concretizavam. Acabei parando. Estou mais com a família, curtindo a vida, os meus filhos, a minha esposa, jogando minhas peladinhas. Além disso, eu tenho feito alguns jogos com o Zico, no projeto Zico 10. Temos feito esses jogos de inauguração das escolinhas do projeto. Estou querendo levar para o Mato Grosso - Cuiabá, que é a minha cidade, onde nasci. Quero conversar com o pessoal neste fim de ano, para mostrar como é feito, e levar pronto.

Foi convidado para participar do desenvolvimento da Copa do Mundo de 2014 em Cuiabá, que é uma das sedes do torneio?
Fiquei feliz por minha cidade ser uma sede da Copa. Estive lá recentemente para receber uma homenagem que fizeram para os atletas do estado. Como estou mais próximo das pessoas, quero levar esse projeto e mais algumas coisas para lá. Moro no Rio, mas tenho familiares em Cuiabá, amigos. Seria ótimo fazer algo pela cidade onde nasci, onde comecei a carreira. Quero ajudar essas pessoas mais próximas. Será uma honra grande.

Já pensou em seguir a carreira política?
Fui convidado, mas não fui pela minha esposa. Tive convite para me filiar ao PSC. Não sei se fizeram uma pesquisa e viram que eu tinha a chance de vencer, mas fizeram o convite. Uns três mil votos eu teria (risos). Não passaria em branco nas eleições do Rio de Janeiro. Não descarto essa possibilidade.

Treinador ou dirigente?
Isso não. Para intermediar a negociação de algum jogador, eu até vou. Tenho entrada nos clubes. Isso facilita. Topo fazer isso. Treinador, só fora do país. No Brasil, você toma duas porradas e cai fora. Não compensa fazer isso aqui.

Você saiu de Cuiabá para o Botafogo... Além disso, a sua carreira é cheia de boas histórias. Qual é a mais marcante?
Lembrança maior foi quando eu vim para o Botafogo trocado por 50 pares de chuteira. Foi tudo muito rápido. Cheguei em 93. Em 94, eu estava na equipe principal do Botafogo. Em 1995, na Seleção Brasileira, campeão brasileiro... Logo em seguida fui vendido para o Napoli. Tive uma boa passagem, apesar do pouco tempo. Com apenas três meses de Itália, eles renovaram por mais três anos. Disputei uma final de Copa Itália e depois fui para o Grêmio. Em seguida, a realização de um sonho que foi jogar no Flamengo, quando fui contratado em 1998. Joguei ao lado do Romário e foi ótimo. Fiquei de 1998 a 2001, mas em 2000 fui emprestado ao São Paulo. Retornei depois para ficar mais um ano no Flamengo. Não posso reclamar da vida, principalmente do futebol. Só tenho a agradecer.

Jogou com a camisa 10 no Napoli, que foi de Maradona. Como foi a experiência na Itália?
Foi bem bonita. O pessoal depositava uma esperança muito grande em mim. Assinei o contrato e voltei para o Brasil porque estávamos nos preparando para as Olimpíadas. Acabei me machucando e depois voltei ao clube. Tivemos um jogo de estreia, de apresentação dos jogadores, e eu era o mais esperado. Usava a camisa 10 e não estava 100% para jogar. Lembro que participei apenas de 15 minutos porque eles queriam me ver. Eu estava no banco, levantei, e a torcida começou a cantar a música dele (Maradona) para mim. Estive bem no Napoli, correspondi bem, e ficou marcado na vida do pessoal também.

Como é a atmosfera da cidade por conta do Maradona?
O nome dele lá é muito forte. A torcida napolitana, se não for a maior, é uma das maiores do país. Comparo com a do Flamengo em termos de torcida, de paixão, de incentivo. Eles só jogam contra quando percebem que o time está mal, que não está se dedicando. É o tempo todo jogando a favor.

Você disse que é flamenguista de coração. Pode falar um pouco desta paixão?
Com certeza é o time que eu torço. Sou Flamengo desde a infância. Sofro mais como torcedor, passo mal, me tranco no quarto para ver os jogos. Vejo os jogos com o meu filho, fico nervoso... Não perco um jogo do Flamengo e de outros clubes, mas principalmente do Flamengo.

E como vê o futebol de hoje? Os jogadores...
Hoje em dia nós vemos jogadores vestindo a camisa de grandes clubes, e eles não têm condições para isso. Os clubes viraram empresas. Um jogador veste a camisa de determinado clube e rapidamente está sendo vendido, ninguém sabe como. Antigamente, os atletas tinham bem mais qualidade do que hoje.

A passagem pelo Flamengo foi a mais marcante de sua carreira?
Foi um sonho realizado atuar ao lado do Baixinho. Sempre vi o Romário como um dos meus maiores ídolos do futebol. Dificilmente teremos um novo Romário. Essa é a verdade. Convivi com ele um bom tempo. Tive três anos de Flamengo, oito títulos. É muita coisa em pouco tempo. Tem jogador que passa cinco anos, seis, e não conquista tanta coisa. O que mais marcou foi o tricampeonato (2001), principalmente por ter sido em cima do Vasco, do jeito que as coisas estavam naquela partida. Foi emocionante. Estávamos dando como perdido, com o título indo embora.

Alguma boa história de bastidor daquela época?
Nós tivemos momentos difíceis, principalmente o atraso de salários. Ficávamos três ou quatro meses sem receber. Era difícil. Essas coisas marcam. Eu cobrava muito. Às vezes, nem por mim, mas por outros companheiros. Um mês nosso poderia significar dois ou três de outros. Isso atrapalhou um pouco o nosso desempenho.

Falando de histórias do Flamengo... Em uma oportunidade, em 2001, você e o Edilson teriam chegado alterados no aeroporto para um embarque da delegação. Lembra dessa história?
Foi em um jogo contra o Coritiba, fora de casa. As pessoas sabiam que essas histórias não eram verdadeiras. Nós éramos abertos, falávamos o que tínhamos que falar. Não tinha necessidade de esconder nada, porque éramos muito cobrados. Viajamos, vencemos o jogo, com um gol meu, e eu fui o melhor em campo. A resposta foi dada dentro de campo, com o meu trabalho. As pessoas falam até hoje daquele episódio, mas não aconteceu nada (na ocasião, Beto chegou atrasado, e o atacante Edilson perdeu o voo).

Você se recorda do episódio da saída do Romário do Flamengo, no fim de 1999? Estava envolvido na festa em que os jogadores estiveram no Sul?
Estava no elenco, mas fiquei no hotel. Tínhamos sido eliminados de uma competição e ia acontecer um jogo no Sul. Por conta daquele episódio, eu tive uma desavença com o Gilmar Rinaldi. Fomos desclassificados, e o time ia jogar em Porto Alegre. Depois do jogo, o Romário foi liberado, e todos sabiam. Estourou só para ele. Eu estava no quarto fazendo tratamento, e o telefone tocou por volta das duas da manhã. Era o (supervisor José) Chimelo achando que eu estava também no grupo. Quando eu atendi, ele disse que era engano. Tinha ido o Fábio Baiano, o Leandro Machado... O Índio, zagueiro que jogou no Flamengo, disse no dia seguinte que todos estavam na festa e queria saber porque eu não tinha ido. E aí deu aquela merda toda. Ninguém faz nada se não quiser. Todo mundo é maior de idade.

Essa fama de baladeiro, de gostar das noitadas, te incomodava?
Eu nunca escondi nada de ninguém. Era claro para os meus treinadores. Vou dar um exemplo: tínhamos dois períodos de treino, eu conversava com o treinador para ser liberado do treino da manhã porque compensaria no trabalho da tarde. Se fosse um físico, eu fazia. Funcionava assim. Eu dizia que tinha uns problemas para resolver e sempre fui honesto. Eu não queria dar motivo para falarem que eu cheguei atrasado e tal. A imprensa sempre martelava por conta da maneira que eu agia e o meu jeito também não ajudava. Eu não dava entrevistas. A imprensa escrevia o que ela queria, e eu falava o que eu queria. Fui levando dessa maneira.

Já aconteceu com você a perseguição que o Fred, do Fluminense, sofreu da torcida? E o disque-dentuço que “entregava” as noitadas de Ronaldinho no Flamengo?
Na nossa época não tinha muito isso, mas agora está demais. O jogador não pode ter uma vida como uma pessoa comum. O jogador é cobrado dentro de campo, fora de campo, e isso precisa mudar. Nós treinamos todos os dias debaixo de chuva, debaixo de sol, viajamos. Quando você tem um tempo de lazer, está liberado para sair, você não pode porque é perseguido. Isso não pode. Eu não aceitava naquela época, imagina agora. Cada um precisa ter o seu limite, o seu controle, e fazer da melhor maneira. Não pode deixar de trabalhar. Chegar no dia seguinte à farra e alegar uma dor, isso complica. Acho que é por isso que existem essas cobranças. Nós saíamos, mas no dia seguinte estávamos puxando fila nos treinos, estava lá correndo, suando a camisa. Não fui santinho, nunca escondi nada. Sou o que eu sou, fui o que eu fui. Já me esbaldei muito. Não deixo de fazer nada do que fazia quando jogava, mas hoje diminui um pouco porque tenho família.

Quando você diz “sou o que eu sou, fui o que eu fui”, o que quer dizer com isso?
Eu era um bad boy, era solteiro. Na rua, eu discutia com os torcedores. Dizia que eu era Flamengo, o outro dizia que era Vasco e a porrada comia. Hoje, isso não acontece. Tenho o carinho dos torcedores dos quatro grandes clubes do Rio. Aonde eu vou pode ter todas as torcidas que o carinho é grande. Sou grato porque o que eu fiz foi reconhecido. Os torcedores me conhecem bem. Se eu tivesse a cabeça que eu tenho hoje, eu teria muito mais.

O Adriano Imperador, que viveu problemas no passado, seria o Beto de antigamente?
Acho que não. Está pior do que eu. Falei para ele outro dia: “Vocês me engoliram”. Antigamente, nós fazíamos, mas aparecíamos, treinávamos. Hoje em dia, os caras nem aparecem, não dão satisfação de nada. A nossa vida particular hoje em dia ficou muito direcionada. Até mais do que o nosso trabalho. Se você está numa churrascaria com a família, tomando um chope, já vira alvo de críticas. A solução é montar um time de presidiários. Não sai, só dorme, come e descansa. Se for colocar no papel, o tempo que ficamos com a família em um ano é bem menor do que aquele que ficamos no clube treinando.

O mesmo Adriano admitiu em entrevista problemas com álcool. Já sofreu com isso em algum momento da sua carreira?
Eu sabia me controlar. Poderia até extrapolar um pouco, mas não excessivamente como o Adriano tem feito. Fico triste porque começou junto comigo, no Flamengo. É chato porque é um cara que eu aprendi a gostar.

É um dos seus amigos no futebol?
Conto nos dedos os amigos que eu fiz no futebol. Dificilmente frequento casa de jogador de futebol porque é muita fofoca. Procuro evitar. Prefiro ficar na minha casa. Se quiserem vir para cá, eles podem vir. Quando saem as manchetes, fotos na internet, nós percebemos que são as próprias pessoas que ele coloca em casa que divulgam essas fotos.

Quem são seus amigos no futebol?
Adriano, Ronaldinho Gaúcho, que eu vi começar no Grêmio, o Fernando (ex-zagueiro de Fla e Vasco). Mas nem vou muito à casa deles. O Adriano esteve no aniversário do meu filho. Estive com o Adriano quando ele voltou da Itália e queria parar. Ele se dizia decepcionado, mas na verdade ele estava decepcionado com ele mesmo. Na casa do Ronaldinho eu nunca fui. Já me chamaram, mas a festa lá é muito pesada (risos). Temos que dar uma segurada porque é fogo. Fora do futebol são poucos. Tenho o Tubarão, o Niltinho... O Tubarão se eu tivesse conhecido há mais tempo, eu estaria com uma doutrina melhor. Ele me cerca de tudo o que é lado. Se eu fizer algo errado, ele vem em cima. Conheço o Tubarão há muito tempo. Era segurança do Eurico (Miranda) no Vasco. Sabe de tudo o que eu vou fazer. É um cara que está sempre do meu lado.

Algum arrependimento na carreira?
Não sei dizer se foi arrependimento, mas a empolgação, as amizades. As amizades que eu tenho hoje são diferentes das que eu tinha antes. Isso fez com que eu mudasse, pensasse mais. Se eu tivesse a família de hoje, a cabeça de hoje, eu tinha tido muito mais história para contar no futebol. Deus me colocou onde me colocou e não foi à toa. Como o Romário diz: Deus o escolheu, e eu também fui escolhido a dedo. Onde eu passei fui ídolo, fui bem, e só tenho a agradecer.

Perdeu algo por conta dessas amizades?
Em 1998, eu estava de sobreaviso para a Copa. Como eu não tinha um empresário para me ajudar, não tinha cabeça, acabei me prejudicando por conta dessas amizades. Minha única frustração foi essa. Se eu tivesse tudo isso, eu teria disputado uma Copa. Teria ido a duas delas.

E por que você não tinha empresário?
Por opção. Fiquei decepcionado com um empresário que eu tive. Tive várias propostas que não se concretizaram. Blindavam as pessoas de chegar aqui e conversar comigo. Tive duas chances de ir para o Corinthians e não aconteceu. Tive uma chance de ir para o Porto, almocei com o Mourinho no Rio, e ele fez o contrato à mão. Ele voltou para Portugal, disse que estava 99% fechado e acabou não acontecendo porque o meu empresário brigou com ele. Antes, o meu empresário era o Léo Rabello, que foi um cara que me ajudou muito, me colocou em grandes clubes, como o Napoli e o Grêmio.

Como foi o contato com o José Mourinho?
Conheci o Mourinho naquele momento e só hoje eu vejo o trabalho dele. É um dos melhores do mundo da maneira como trabalha, como vê o jogo. Ele sabia de tudo de mim. Fiquei até surpreso. Ele vinha me acompanhando, e eu nem sabia. Ele disse que sabia da minha maneira, que não tinha problema. Disse que me ajudaria. Fez o contrato de quanto eu ia receber, saiu da reunião dizendo que estava tudo certo. No ano seguinte, o Carlos Alberto foi para lá e disse que o Mourinho falava muito de mim, que chegou a afirmar que queria ter trabalhado comigo, mas que não tinha acontecido. Fico feliz de um treinador como ele ter me reconhecido.

Mas que tipo de amizades prejudicaram a sua carreira?
Aquelas amizades que quando acabavam os treinos me chamavam para ir a um churrasco. Elas não perguntavam o que eu tinha para fazer. Hoje busco amizades produtivas. Não busco aqueles que querem me levar para furada ou para o fundo do poço.

Chegou perto do fundo do poço?
Não, isso não.

Mas já se meteu em alguma furada?
Já. Eu estava perdendo tudo por conta de farra, de sair demais. Para eles era bom estar ao meu lado. Eles pensavam: “estamos com o Beto”. Era um status estar ao meu lado, não pagavam entrada, não pagavam a conta. Tenho três amigos que são de verdade e estou construindo outras amizades. São pessoas que pensam no futuro. Quando acaba o futebol, você precisa fazer renda. Esses meus amigos sempre conversam comigo, eles têm os negócios dele. Sempre perguntam se eu quero participar dos negócios. E hoje nós temos que pensar dessa maneira.

Quando achou que poderia perder tudo?
No Flamengo, em 2000. Naquele momento eu achei que poderia perder tudo.

Já conviveu com pessoas ligadas ao crime organizado?
Não. Mas vai da cabeça de cada um. É ruim para nós? É. Você está indo a um lugar em que você sabe que tem drogas, armas... Só de ir lá, o pessoal já acha que você está envolvido. Eu nunca tive esse tipo de problema porque eu nunca gostei de ir. Na minha época do Flamengo, os jogadores foram, mas o mais esperado pelo dono da favela era eu. Mas eu não fui. No outro dia, eu recebi um telefonema de uma pessoa falando que tinha uma filmagem minha com outros jogadores e o dono da favela. Eu falei para ele: “Então temos duas filmagens, a sua e outra minha com a família em um restaurante. Vamos ver qual vai bater?”. Ele ameaçou de colocar no jornal, mas nada aconteceu. Falei com o pessoal do Flamengo que tinha acontecido isso, mas não rolou nada. Nunca esqueço essa história.

Algum companheiro já passou por essa situação?
Um exemplo é o Régis Pitbull, que jogou no Vasco. Ele foi pego na saída da Rocinha, e eu que tive que conversar com os caras (policiais) porque ele seria banido do futebol. Ele já tinha sido pego no doping por maconha. Eu falei com os caras que iam acabar com a vida dele, convenci que acabariam com ele. Ajudei para não sair na imprensa, não sair nada. Eu saí de casa de madrugada. O Régis foi pego com maconha dentro do carro e poderia ser enquadrado como traficante. Ele foi liberado na condição e hoje ele está internado em uma clínica de reabilitação. Um grande jogador, que tinha um ótimo futuro, mas perdeu tudo. Se eu não tivesse cabeça, eu não estaria onde estou e não teria o que eu tenho. Bem ou mal, eu sabia me resguardar. Mas muitos não sabem.

Você conviveu com o Eurico Miranda como rival e como “companheiro” quando defendeu o Vasco. O que pode falar das duas faces do dirigentes?
Se o Flamengo tivesse um dirigente como o Eurico, o Flamengo não estaria nessa situação. Teria mais torcedores, o seu estádio... Ele brigava pelo clube. Quando eu o enfrentei, ele provocou muito o Flamengo. Dizia que o nosso time era horrível. Aquele dia do tricampeonato, os jogadores do Vasco se aquecendo, ele dizia para os caras pararem porque o Vasco já era o campeão. Ele estava fumando um charuto e com aquele gol do Petkovic (aos 43 do segundo tepmo) eu nem sei onde ele colocou o charuto. Quando eu fui para o Vasco foi bem difícil. Ele peitou todo mundo e forçou a minha contratação. O tempo que eu estive lá eu nunca tive problema com ele e sempre fui muito bem tratado.

O Eurico foi o melhor dirigente que conheceu?
Foi, com certeza.

E o pior?
Os do Flamengo. Dirigentes eles não foram quase nada. Só fachada. Não preciso nem citar os nomes (nos tempos de Flamengo, Beto trabalhou com os seguintes presidentes: Kleber Leite e Edmundo Santos Silva).

E quem é o melhor dirigente da atualidade?
O trabalho que o Maurício Assumpção está fazendo no Botafogo é ótimo. Se tivéssemos esse trabalho naquela época, nós teríamos mais títulos. No Rio, o Maurício Assumpção é o melhor dirigente da atualidade. Eu o vejo centrado em metas para o clube. Em São Paulo também existem bons dirigentes.

Você comentou anteriormente que a rejeição era grande no Vasco. Como foi a sua chegada a São Januário?
A rejeição no Vasco era de 80% quando surgiu o meu nome. Quando fui ser apresentado oficialmente, os torcedores estavam na sede da torcida, que era próxima de São Januário, e eu passei lá antes de ir para a apresentação. Eram uns 40 e eu estava no meio deles. Só ouvia os gritos: “Nós te odiamos. Você é flamenguista. Não gostamos de você”. Eu só pedi para eles não me agredirem e não arranharem o meu carro. Eles entenderam e disseram que não gritariam o meu nome, que eu teria que conquistar a torcida. Eu disse que conquistaria o pessoal no dia a dia. No jogo de estreia, eu fui mais ou menos. No segundo jogo, eu joguei bem e ganhei os torcedores. Acabei caindo nas graças dos vascaínos.

Já passou por essa situação na sua carreira de ser recebido pela torcida antes de ser apresentado de forma oficial pelo clube?
Primeira vez que eu passei por isso para jogar em um clube. Nenhum jogador que saiu do Flamengo e foi para o Vasco passou por tal situação. Por que eu? Deve ter sido pela declaração de que preferia jogar no Madureira e não no Vasco e por ter vencido tudo em cima deles. Joguei pelo Vasco a final contra o Flamengo e fui vice. Uma pena... Eu podia ficar fora de todos os jogos, menos dos clássicos contra o Flamengo. A torcida poderia achar que eu estava fazendo corpo mole, pensariam que eu era flamenguista mesmo.

Teve um episódio que você apareceu com uma camisa do Flamengo no CT do Vasco. Você se recorda desta história?
Troquei de camisa com o zagueiro Fernando. No dia seguinte, eu peguei a camisa na rouparia para dar para uns amigos da PM que foram ao Vasco-Barra. Tiraram fotos e isso deu uma repercussão muito grande. Chegaram a afirmar que eu estava devendo alguma coisa e estava pagando com a camisa. Do outro lado, o Fernando com a camisa do Vasco. Os torcedores queriam pegar ele. Acaba o jogo, todo mundo troca de camisa. Chegaram a falar que nós tínhamos feito de propósito. Temos amigos vascaínos, flamenguistas, que pedem camisas e nós fazemos isso direto após as partidas.

Ainda no Vasco você teve o Romário como treinador. Como foi a experiência?
Como treinador ele é muito chato. É pior do que quando jogava. Ele só via você. Eram os mais experientes que tinham que falar. Quando você fazia algo errado, ele reclamava. Tenho viajado com ele atualmente, fiz uns dois jogos beneficentes com o Romário em Belém. Tem uma coisa nova nele que eu admiro que é o comprometimento. Está se comprometendo com tudo. Na época de treinar, ele não ia. Nós tínhamos que treinar por ele. Hoje, não. Quer dormir cedo, diz que não pode faltar aos compromissos, que não pode decepcionar as crianças.

Assim como você que deixou Cuiabá para atuar no Rio, o Botafogo teve outra revelação que é natural de Conceição do Araguaia, no Pará. Porém, no caso de Jobson, ele não soube aproveitar as oportunidades. Como vê o caso do jogador?
Vejo com muita tristeza. É um jogador com futuro brilhante. As amizades e a cabeça fraca fizeram com que ele voltasse ao mesmo erro. Teve uma chance, a segunda chance, a terceira... Ele está tendo outra oportunidade e acho que, depois dessa, se cair no mesmo buraco ele não tem como sair. Ele mesmo vai fechar o mercado para ele. As pessoas que cercam o Jobson é que o derrubam. As pessoas que me cercavam é que tentavam me derrubar, mas não conseguiam. Eu via que estava no caminho errado e mudava o rumo. Se eu fosse para o mesmo caminho, eu não teria o que eu tenho, o meu patrimônio. Agradeço aos meus amigos e à minha família.

Que conselho daria ao Jobson?
Afaste-se dessas pessoas e tente encontrar amigos que queiram ajudar. Coloque na balança quem quer te ajudar e quem quer te afundar. Não temos como discutir o futebol dele. Se ele tiver cabeça, ele vai longe.

Como você percebeu que estava se afundando?
Você começa a ter um desempenho ruim nos jogos. As pessoas começam a falar mal no jornal, na TV. As portas vão se fechando. Depois que as portas se fecham, elas dificilmente voltam a se abrir. Coloquei a cabeça no lugar e comecei a me afastar, vi que as coisas estavam andando. Estava nas convocações de 95, 96, 97. Parei de ser chamado. Não fui para 1999, 2000... Quando vi uma matéria no “Jornal Nacional” da Seleção Brasileira participando da Copa, eu estava em casa bebendo cerveja, jogando pelada com os amigos. Lembro que fiquei triste... No ano seguinte, eu fui para a Copa América de 1999 com o (Vanderlei) Luxemburgo. O Leonardo (hoje dirigente do PSG da França) pediu dispensa, eu fui convocado. O Edilson (ex-atacante) foi cortado pelas embaixadinhas, e o Ronaldinho (Gaúcho) foi chamado. A partir dali, as coisas começaram a abrir. É badalação toda hora. Liga para o fulano, levam quem querem e é tudo na tua conta. Hoje, nós saímos com a esposa, com amigos...

Conheceu o Ronaldinho no início da carreira. Imaginava que ele seria o melhor do mundo?
Quando eu cheguei ao Grêmio, os caras diziam que eu precisava ver um moleque da base. Diziam que o moleque era um fenômeno, só que estava com a Seleção. Quando ele chegou, vi que ele era chato, bom de bola. O futebol é assim. O Neymar disparou, e o Ganso ficou. Houve a época de Diego e Robinho. O Diego deslanchou na Alemanha, e o Robinho sumiu. Com o Ronaldinho era a mesma coisa. Ele não caiu.

É verdade que o Ronaldinho faz o sinal de reverência quando o encontra?
Sempre ajudei o Ronaldinho no início, e ele nunca esqueceu isso. Ele diz para eu falar nas entrevistas. Onde eu estou, ele me abraça, gosta de ficar com o meu filho. Ele me trata com o maior carinho. São coisas que ficam marcadas. São poucos amigos que eu tenho, e o Ronaldinho é um deles.

O que acha do Neymar?
Ele é diferenciado. Ainda não é parecido com o Ronaldinho daquela época. O Neymar joga demais, mas ainda tem uma diferença. O Neymar a cada dia está progredindo. Mas o que atrapalha um pouco é a pressão em cima dele, de que ele vai ter que resolver, vai fazer isso ou aquilo. Ele só tem 19 anos. Todos esperavam que ele fosse destruir na Copa América, mas não foi o que aconteceu no torneio. E isso gera críticas, rola aquela história de que joga bem no Santos e não no Brasil. Acontece como o Messi na Argentina e no Barcelona. Mas é preciso lembrar que ele não está cercado pelos mesmos jogadores.

Você foi companheiro do Túlio no Botafogo, na conquista do Brasileiro de 1995. Como vê a obsessão do atacante em chegar ao milésimo gol? O ajudou em quantos?
Falei para o Túlio que depois que ele começou a fazer a propaganda dos carros, ele vai chegar aos mil vendendo automóveis. Até amistoso de confraternização ele está contando os gols. Tenho participação em uns 20 gols do Túlio. Nos do Baixinho também (risos).

Fonte: GloboEsporte.com