Donizete: 'Fui mais decisivo no Vasco, substituindo Edmundo que é um ídolo'
Domingo, 13/11/2011 - 11:23
A fala mansa, a preocupação com os filhos e a tranquilidade da casa na Barra da Tijuca parecem apenas um disfarce da identidade secreta de um jogador que participou de duas das maiores conquistas da história de Botafogo e Vasco, que se enfrentam neste domingo, às 19h (de Brasília), no Engenhão. Donizete virou Pantera por seu desempenho feroz em campo, onde foi campeão brasileiro em 1995 e da Libertadores em 1998. E marca desta época está por todos os cantos: seja na estátua que tem na sala de sua casa, nas miniaturas em cima da mesa, no quadro na parede ou na recém-feira tatuagem no braço, fruto dos dois meses que passou no México recentemente.
Atacante carismático, com comemoração característica, engatinhando como o felino que o apelida, Donizete lembra com carinho as conquistas que teve em suas passagens pelos dois clubes. Se fica em cima do muro para apostar num resultado para o clássico, não hesita em apontar onde é mais idolatrado.
- Fui mais decisivo no Vasco, substituindo Edmundo que é um ídolo e me deu essa oportunidade. O cara havia quebrado todos os recordes (no Brasileiro de 1997) e não foi fácil entrar em seu lugar - disse Donizete.
O Pantera só perde o sorriso ao falar sobre Seleção Brasileira, mesmo tendo sido responsável por uma vitória histórica sobre a Argentina (1 a 0), que quebrou um jejum de 19 anos sem vencer na casa dos hermanos, em sua estreia com a amarelinha. Não ter sido convocado para a Copa do Mundo de 1998, na França, deixa Donizete irritado, principalmente por não ter sido lembrado mesmo após o corte do também atacante Romário. No lugar do Baixinho, Zagallo levou o volante Emerson.
Apesar da grande frustração, ele deixa para trás a mágoa e mira apenas no futuro. Aos 43 anos, luta para conseguir dar o pontapé na carreira de treinador. Donizete já fez alguns cursos e pretende começar a fazer trabalhos na base para adquirir mais experiência. O objetivo é estar em um grande clube antes de completar 45 anos. Mas sofre com a dificuldade para encontrar esta chance e alfineta os clubes onde foi ídolo:
- Acho mais fácil o Flamengo me abrir as portas do que Vasco e Botafogo.
Confira abaixo a íntegra do bate-papo:
Como você vê o clássico deste domingo entre Vasco e Botafogo?
Essa briga é muito bonita. Como torcedor, nunca vi os dois times chegarem numa disputa tão importante como essa. Na minha época, era um ou outro. Quem ganhar, vai dar um grande pulo para o campeonato. Acho o Vasco hoje com mais vantagem, pois está na frente, com o time mais certo e não perde jogos fáceis em casa. Não que o Botafogo esteja perdendo, mas não pode ser derrotado por um time pequeno como o Figueirense, por melhor que seja a campanha, numa reta final.
Além de Vasco e Botafogo, Flamengo e Fluminense também brigam pelo topo. Você, que viveu o futebol carioca durante muitos anos, imaginava que os quatro fossem chegar disputando juntos o título do Brasileiro?
Nunca imaginei ver os quatro assim. É um sonho, coisa de Deus. Vejo o Fluminense crescendo. Se ganhar do América-MG na próxima rodada, vai ter muita força. Está ganhando dentro e fora de casa e isso faz diferença.
E o palpite para este clássico? Aposta em alguém?
Olha, o clássico é complicado. Gostaria de ver um empate para ninguém ficar triste comigo. Vou ficar em cima do muro (risos).
Você foi ídolo das duas torcidas. Em qual dos clubes se sentiu mais importante?
Essa é uma pergunta difícil, pois tudo tem sua época. No Botafogo, não fui tão ídolo porque o Túlio estava me ofuscando. No Vasco, fui o cara que puxou o time, junto com companheiros, e a torcida hoje reconhece mais. Fiz gols nas finais da Libertadores, fui mais decisivo no Vasco, substituindo Edmundo que é um ídolo e me deu essa oportunidade. O cara havia quebrado todos os recordes e não foi fácil entrar em seu lugar.
Você guarda lembranças destes momentos de idolatria?
Não tenho mais absolutamente nada. Eu dei tudo. Chegavam amigos aqui na minha casa e pediam bandeira, chuteira, camisa short... Alguns até choravam de joelhos. E eu acabava dando mesmo. Dei até as que estavam penduradas em quadros. O importante é estar no coração de quem ama.
No Botafogo você conquistou o Brasileiro. No Vasco, a Libertadores. Qual destes dois títulos, históricos para os clubes, você mais comemorou?
Sempre falei com meus filhos que a emoção de um título é a mesma. Ser campeão é f... Sempre puxei fila, fui de cabeça, nunca fiquei atrás. Foram duas conquistas importantes, marcantes para os dois clubes. O Botafogo nunca havia sido campeão brasileiro. Quando chegamos ao Rio, tinha gente pendurada na asa do avião, achei até que fosse tombar. Com o Vasco, na Libertadores, foi a mesma coisa. Desfilamos em carro de bombeiro, eu com a bandeira enrolada no corpo. São dois amores que não vou esquecer nunca na minha vida. Coincidentemente, os dois alvinegros.
Qual a sua lembrança dos clássicos que disputou por Botafogo e Vasco?
Fiz gols nos dois, vibrei nos dois, sou profissional, faço a felicidade de quem me paga. Comigo não tem essa palhaçada. Em 1995, o Túlio fez um e eu fiz outro, tirando do Carlos Germano. O Botafogo venceu por 2 a 0 na reta final para ser campeão brasileiro. Depois, no Vasco, não marquei no (estádio) Mané Garrincha, mas fui bem (sofreu o pênalti na vitória por 1 a 0, em 1998). Mas fiz gols também no Maracanã (os dois na vitória por 2 a 1, pelo Brasileiro de 1999).
Você jogou com o Túlio no Botafogo e formou dupla de ataque com Luizão na Libertadores de 1998. Quem foi o seu melhor parceiro?
Tinha que perguntar para eles, eu ajudei os dois (risos). Fui campeão com ambos. Falam que fui melhor com o Túlio, porque havia voltado do México recentemente e formamos a dupla dinâmica. O Túlio encaixou melhor comigo. O Luizão saía mais da área, parecia comigo, era guerreiro. O Túlio ficava mais na área e consertava meus erros.
O Túlio, certamente, era mais extrovertido do que o Luizão. Isso fazia diferença em campo?
O Túlio, para mim, é o cara mais alto astral do futebol brasileiro, nunca vi cair, nunca vi triste. Nos jogos mais difíceis, ele falava que ia ganhar, sempre com o astral positivo, passava confiança.
Na questão da confiança, o Loco Abreu parece ser semelhante ao Túlio. Como espectador, dá para comparar?
É difícil dizer que é igual. O Túlio era mais centroavante que o Loco, mais completo, inteligente. Já me falaram que o Loco é uma pessoa espetacular.
Para chegar aos mil gols, o Túlio aceitou jogar no Bonsucesso. O que você achou da decisão do ex-companheiro de ataque?
Torço muito para que ele consiga chegar aos mil gols. Até porque, ele fez muitos gols mesmo. Não brincava não, era um goleador nato. Acho que deve apelar mesmo (para o Bonsucesso). O Túlio está em um momento no qual os grandes não vão querer contratá-lo. Ele está seguindo um objetivo, não vai atrás de dinheiro para ficar mais rico. Ele joga em um time federado e vai fazer os gols. É um sonho.
Hoje em dia, quem seria o sucessor do Pantera no Botafogo e no Vasco?
Achava o Jobson parecido comigo. Hoje, vejo o Elkeson com o mesmo estilo. Ele cai pelos dois lados, chuta forte. No Vasco, tem o Leandro, que fica no banco. Ele é guerreiro também. Só acho mais habilidoso do que eu.
Mas na família também há herdeiros. Seu filho, que joga no Flamengo, é chamado de Panterinha...
Tenho dois garotos tentando a carreira de jogador. O Bruno está no time sub-20 do Chivas Guadalajara. O Renan (de 16 anos) é o camisa 10 do juvenil do Flamengo, a mesma do Zico, que é um ídolo de todo mundo. Se um vascaíno ou botafoguense disser que o Zico não é ídolo, é mentira. Ele foi o Pelé branco.
Como foi a saída do Renan do Vasco? Por que eles não tentaram jogar nos clubes onde você foi ídolo?
Foi num momento financeiro ruim. Não tinha como ir lá todo dias, então pedi para deixar ele ficar lá em São Januário. Não deixaram. No Flamengo, ele foi tratado com carinho. O ônibus do clube passa aqui na frente da minha casa. Eu sabia que daria a volta por cima. Não estava mal, mas hoje estou bem. Na época, não tinha como me dedicar e dar essa atenção a ele. Não podia pagar um motorista e jamais deixaria ele ir sozinho.
Depois de passar por momentos difíceis, o que você pretende fazer? Vai voltar a trabalhar com o futebol?
Meu sonho é ser treinador. Já fiz cursos. Voltei do México agora, há dois meses, e quero fazer o da Fifa, o que me falta mesmo é oportunidade. É difícil para todo mundo parar. Ou você encerra a carreira encaminhado, como aconteceu com o Caio, que virou comentarista, ou fica vegetando. Ninguém abre as portas. Já pedi ao Vasco e ao Botafogo um estágio, mas acho mais fácil conseguir no Flamengo do que com eles. Só não magoa, porque isso acontece com todo mundo. Depois que parei, joguei partidas beneficentes e me dediquei aos filhos. Agora, decidi que quero ser treinador e em dois anos estar na primeira divisão, quando tiver 45 anos de idade.
Você já falou das suas conquistas por Vasco e Botafogo. Olhando para trás, ainda há alguma mágoa que o perturba até hoje?
Fico muito magoado. Em 1998, fui eleito o melhor jogador da América. Disputei quase todos os jogos de preparação, mas no último minuto fiquei fora. Conquistei quase tudo na vida e queria ir para a Copa do Mundo. Por estar no Vasco, sendo jogador de ponta, deveria ter ido. Na primeira convocação, veio imprensa toda aqui, falavam que eu ia, era o xodó. Depois o Romário foi cortado e o Zagallo levou Emerson. O que tem o Emerson com o Romário? Depois, encontrei o Zagallo num almoço recentemente e ele veio me dizer que se arrependia por não ter me levado. Aquilo me irritou ainda mais. Na época, caí de produção, fiquei triste, achei trairagem.
Já que pretende seguir a carreira de treinador, o que você acha do trabalho de Caio Júnior e Cristóvão à frente de Botafogo e Vasco?
O Caio Júnior tem uma qualidade espetacular, seus erros e acertos, mas está sempre disputando. O treinador tem que ter a equipe e os caras entenderem os seus objetivos. Sempre fui campeão com grupos que abraçaram a ideia do treinador. Com o Cristóvão, no Vasco, não mudou nada em relação ao Ricardo Gomes, pois as ideias são as mesmas, mas esse caso grave de saúde ajudou o elenco a ficar mais forte.
Por falar em Ricardo Gomes, você acompanhou o drama do treinador, que passou mal em campo, durante o clássico entre Vasco e Flamengo, pelo Brasileiro?
Estava no México quando aconteceu. Sempre fui fã do Ricardo Gomes quando ele jogava no Fluminense. Eu estava começando no Volta Redonda e vi aquele time do Fluminense, que foi um dos melhores que acompanhei na minha carreira. Não o conheci, mas joguei no Benfica com o Valdo, que só falava bem dele. Com tanto traíra por aí, é preciso torcer por um profissional como ele. O Brasil todo acompanhou a sua recuperação. A gente pede a Deus para que ele volte rapidamente.
Para finalizar, uma pergunta que você já ouviu muitas vezes: de onde vem o apelido Pantera?
O apelido vem do México. Sempre fui lutador. Comigo, não tinha bola perdida. Como sou pretinho, me chamaram de pantera negra. Foi lá que comecei a comemorar com o andar da pantera. Isso faz parte do futebol, essa é palhaçada legal. O torcedor sai de casa irritado, você comemora desse jeito e o cara acha sensacional, vibra com isso. Não gosto quando ela é agressiva, mas imitar um bicho, uma personalidade, isso tem que existir sempre. Futebol é alegria, é do povo.