Ramón Díaz: 'Em nível institucional, de clube, é muito maior o Corinthians do que Vasco'
Ramón Díaz: "O Corinthians é muito maior que o Vasco" | Abre Aspas
Ramón Angel Díaz recentemente completou 65 anos colecionando histórias de um andarilho da bola. O futebol proporcionou ao argentino nascido em La Rioja vivenciar a cultura de 11 países diferentes e fazer fortuna como jogador e treinador.
Itália, Arábia Saudita, Japão, Egito, França, Emirados Árabes, Paraguai, México, Inglaterra e Brasil, além da Argentina, estão no mapa do ex-centroavante de sucesso - que disputou a Copa do Mundo de 1982 sob batuta de César Luis Menotti, Maradona e Mario Kempes - e agora técnico multicampeão.
Atualmente no comando do Corinthians, Ramón é avesso às entrevistas, adota um estilo mais pacato de um homem que foge dos holofotes que a profissão aponta para ele. Os 46 anos como profissional do futebol o moldaram a falar pouco.
"Gosto da tranquilidade, porque eu sei que o futebol tem muitas pressões. As pessoas querem resultados rápidos, querem que seu time jogue bem"
— Ramón Díaz.
– Eu tenho uma fazenda, faço pecuária, gosto da produção, gosto da carne, do churrasco. Gosto da tranquilidade, porque eu sei que o futebol tem muitas pressões. As pessoas querem resultados rápidos, querem que seu time jogue bem, o jornalismo analisa você taticamente quando você muda, se você muda certo... está bem, mas quando se equivoca, é parte do jogo. Eu gosto da tranquilidade e eu gosto muito de apreciar a família, porque é muito tempo de trabalho e pouco com a família. Quando eu tenho, aproveito – disse Ramón.
Apesar das poucas palavras e de abrir pouco a vida pessoal, Ramón Díaz tem opiniões fortes e muito bem alinhadas com a sua experiência de vida particular e profissional. Quando perguntado sobre política, por exemplo, não se esquiva:
– Eu sou da Argentina e quero que a Argentina esteja bem. No Brasil você pode ter o que quiser, tem de tudo. Eu me surpreendo porque no Brasil e em São Paulo tem de tudo, e na Argentina nos custa ter alguma coisa. É um grande país, mas temos que mudar a mentalidade. Sua forma de trabalhar, sua forma de ver o progresso, de ver que a indústria cresça, que as coisas sejam justas para todos, que todos produzamos para que todos possam viver melhor. Mas o Brasil e a Argentina são potências.
Ramón Díaz vê Corinthians acima do Vasco e abre o jogo sobre fuga do Z-4 | Abre Aspas
Ficha técnica
- Nome completo: Ramón Angel Díaz.
- Nascimento: 29/08/1959 (65 anos).
- Profissão: técnico de futebol.
- Carreira como jogador: River Plate, Napoli, Avellino, Fiorentina, Inter de Milão, Monaco, Yokohama Marinos e seleção da Argentina.
- Principais títulos: Campeonato Argentino (1979 e 1981); Série A da Itália (1988/89); Copa da França (1990/91); Mundial sub-20 (1979).
- Carreira como treinador: River Plate, San Lorenzo, Oxford United, América-MEX, Independiente, Seleção do Paraguai, Al-Hilal, Al-Ittihad, Pyramids, Libertad, Al-Nasr, Vasco e Corinthians.
- Principais títulos: Libertadores (1996); Campeonato Argentino (1996, 1997, 1999 e 2007); Supercopa Sul-Americana (1997); Campeonato Saudita (2016/17 e 2021/22), Copa do Rei (2017 e 2022/23), Supercopa Lusai (2022) e Copa Saudita (2017).
Em sua primeira entrevista exclusiva a um veículo de imprensa do Brasil, Ramón Díaz revelou uma das certezas que carrega desde a chegada ao futebol brasileiro. Segundo ele, o "Corinthians é muito maior que o Vasco. Muito maior".
"Em nível institucional, de clube, é muito maior o Corinthians do que Vasco. Muito maior. Alguns por aí não vão gostar do que digo. Bom, a realidade é essa"
— Ramón Díaz.
– Minha intenção é ficar, mais do que o contrato, minha intenção é ficar, porque eu gostaria de lutar com o Corinthians não contra o rebaixamento. Pelo que vejo, o Corinthians é um dos clubes mais importantes e precisa lutar lá em cima, precisa lutar pelo Brasileirão, precisa competir a esse nível. Times desta categoria não podem lutar contra o rebaixamento, não podem, não existe.
Abre Aspas: Ramón Díaz
ge: Qual derrota foi mais dolorida, para o Flamengo ou para o Racing?
– Eu tenho a sensação de que quando um torcedor perde um clássico é terrível. É difícil para o torcedor. Por quê? Porque tenho um amigo do Flamengo que me tira sarro, que me diz que é fácil ganhar. Existe essa rivalidade, por isso os clássicos sempre querem ganhar. Quando se perde é complicado, porque a gente tem essa paixão, sabe o que é um clássico. Por isso, aproveitamos a vitória sobre o Palmeiras. Vejo que a torcida está contente, está feliz. É diferente, é diferente, os clássicos tem que ganhar. Algumas coisas podem ir mal, mas tem que ganhar.
Treinar o Corinthians é muito complicado, mas em um momento em que o clube não ganha títulos há cinco temporadas e está brigando contra o rebaixamento, se torna ainda mais difícil. Qual é a primeira atitude que um técnico toma quando chega a um clube nessa situação?
– O primeiro é ter claro os objetivos e a forma que você tem que jogar. Como você tem que jogar, como você tem que... não relaxar. Eu, por exemplo, em São Paulo conheço dois ou três restaurantes, o CT e a minha casa. Não conheço nada mais. Não conheço outra coisa. Não nos deu tempo de desfrutar do Corinthians, de São Paulo, uma grande cidade, uma das melhores do mundo. É incrível como vive a gente, como está, como é o Brasil realmente, é uma potência enorme São Paulo, em nível econômico, industrial. Eu gosto muito. É tanto compromisso que temos que trabalhar para sair rápido desta situação dramática... Quando há situações dramáticas você tem que realmente dar sua máxima energia para que possa sair desta situação. E é isso que estamos fazendo.
Como avalia a estrutura do Corinthians?
– Este CT é um lugar incrível, tem tudo. Temos restaurante, temos os melhores campos. Eu, como treinador, trabalhei em campos muito ruins. Mas este CT tem quatro, cinco campos incríveis. Tem o hotel, tem as pessoas que trabalham, tem o restaurante, tem as pessoas que te tratam bem, que te fazem sentir confortável. Há uma união muito forte no CT. Há uma união muito forte entre o ambiente futebolístico e o que é Corinthians. Transmite tranquilidade e que é um grande clube. Falando com o Memphis, com o Carrillo, estão felizes porque é um clube incrível. Nós gostamos disso, que estejam felizes para poder jogar bem.
O Memphis parece já ter conseguido aproveitar um pouquinho de São Paulo. Ele foi num museu essa semana, já foi em restaurantes. O senhor, então, quase nada de São Paulo?
– Sim, ele está desfrutando mais do que eu. Mas, bom, eu entendo porque também tem que aliviar um pouco a mente e manter a tranquilidade, aproveitar. Por isso, quando ganhamos do Palmeiras, eu disse aos meus colegas: temos de aproveitar o momento. Quando você ganha, você tem que aproveitar. Quando você perde, você tem que aceitar os erros e melhorar, tratar de melhorar rapidamente para que não te volte a acontecer.
O senhor, antes de começar a entrevista, estava falando que aproveitou com a família um tempo, né? E comemorou junto com a família. Como que o senhor gosta de aproveitar esses tempos livres? Faz um "assado" em casa?
– Não, não, a minha mulher gosta de ir a restaurantes, gosta de sair para comer. E estes dias a levei duas vezes, então foi surpreendida, está contente (risos). Minha mulher esteve 15 anos na Europa, na Itália, e é muito boa cozinheira. Cozinha muito bem massa, comida italiana...
E o que mais o senhor gosta de fazer quando está com a família? Ouvir uma música, alguma coisa culturalmente, se ligar à Argentina de alguma forma? O que o senhor faz para também deixar a cabeça um pouco mais tranquila?
– Eu tenho uma fazenda, faço pecuária, gosto da produção, gosto da carne, do churrasco. Gosto da tranquilidade. Porque eu sei que o futebol tem muitas pressões. As pessoas querem resultados rápidos, querem que seu time jogue bem, o jornalismo analisa você taticamente quando você muda, se você muda certo... Está bem, mas quando se equivoca, é parte do jogo. Eu gosto da tranquilidade e eu gosto muito de apreciar a família porque é muito tempo de trabalho e pouco com a família. Quando eu tenho, aproveito.
O senhor falou da cobrança por resultados em pouco tempo de trabalho. Isso é só no Brasil ou é em todo lugar do mundo? Aqui é pior ou em todo lugar é assim?
– Em todo lugar é a mesma coisa. Aqui eu acho que são um pouco mais exigentes. São mais exigentes os jornalistas, a torcida. Um pouco mais exigentes porque têm essa mentalidade de jogar bem o futebol. Em outros países exigem resultado como aqui, mas... bom, eu tive a sorte de sempre estar em equipes para lutar por títulos. Vou contar algo a vocês: nesses últimos seis anos, ganhei seis campeonatos. Joguei o Mundial de Clubes, que ganhamos contra o Flamengo e perdi contra o Real Madrid. E depois, nesses dois últimos anos, joguei contra o rebaixamento. Então, é completamente diferente lutar pelo campeonato e lutar contra o rebaixamento. Mas estou feliz, é uma pressão diferente, uma exigência diferente. Tem que ter uma mentalidade forte para poder superar este momento tão difícil. E saber que você pode solucionar um problema de uma instituição que te contrata é uma satisfação.
Na Arábia Saudita existe algum tipo de pressão por parte da torcida, da imprensa...?
– Quando você está em um time grande, querem ganhar. E ainda mais se fazem um investimento importante, aí querem que o treinador demonstre sua capacidade, o que é capaz para conseguir o resultado.
O senhor gostou da experiência de morar lá?
– Sim, me encantou. Gostei porque era o melhor clube. Em quatro ou cinco anos ganhamos tudo o que tínhamos que ganhar. Chegamos a duas semifinais da Ásia, Mundial de Clubes, campeonatos nacionais... uma linda história.
O que tem de melhor e de pior de viver na Arábia? O que o senhor mais gostou e o que o senhor não gostou?
– O que eu gostei é que era um grande clube. Mas o que não gostei... A religião muçulmana é muito dura, tem que se adaptar, não se pode beber, a mulher não pode dirigir, anda toda coberta. Mas agora está mudando, mudou muito. Está crescendo enormemente (o país), está mudando tudo muito rápido. E é um grande país. Tenho uma boa relação com os árabes, com o rei, com os clubes. Cada vez que acontece algo, podemos chamá-lo. Estou feliz por isso. Hoje estou feliz porque estou no Corinthians.
Essa proposta da Arábia Saudita não mexeu com o senhor de alguma forma, com o seu filho?
– Não, não, não mexeu. Nós estávamos para jogar a semifinal com o Racing. Chega uma proposta e você sabe que tem um compromisso. Se não tivesse um compromisso com o Corinthians, eu iria. Mas como eu me comprometi com o clube, eu disse que não. Era uma oferta muito importante, por três anos. Muito dinheiro, mas não olhei para isso. Olhei que eu tinha um compromisso com o Corinthians e quero terminar bem com este clube, que é grande, tem um grande público, é incrível. É um dos melhores clubes, por isso eu gosto. Quero que o time saia do rebaixamento, jogue bem, que a torcida aproveite o bom futebol. Eu gosto do bom futebol. Espero que sejamos capazes de dar. Vamos jogar melhor, com mais tranquilidade vamos jogar muito melhor.
Seu contrato vai até o fim de 2025. Já planeja a próxima temporada?
– Nós, treinadores, mais do que os contratos, são os objetivos que temos. Eu tenho contrato até 2025. Mas eu gostaria, se tenho que ficar, que o clube esteja contente comigo. Se está contente com o trabalho, com o que fizemos. Tem que ser um acordo mútuo. Porque se não há acordo, se não é para o projeto avançar, é melhor mudar. Tem que haver um acordo. Tem que ser como o trabalho que estamos fazendo, vamos os dois ao mesmo tempo. O treinador, os jogadores e os dirigentes, vamos sofrendo todos juntos, para poder sair desta situação. É a forma de crescer.
– Gostaria de armar algo sólido, competitivo, que possamos competir com os grandes, porque aqui há grandes equipes: Flamengo, Palmeiras, Internacional. Há todos os times que têm um poder econômico, que são fortes, que têm que competir. Aqui é o único lugar do mundo que rebaixam quatro. Na Argentina, há 30 (clubes na primeira divisão) e caem dois. Aqui, de 20, caem quatro. É incrível a pressão que existe. Eu vi no ano passado que o Santos, um grande time, um grande clube, teve que ir para a Série B. Por isso, tem que ter muita atenção, não relaxar. Porque quem relaxa... temos que manter um equilíbrio, uma tranquilidade, mas ser intensos.
O senhor fala que tem que haver um interesse mútuo. Isso só vai ser avaliado com o clube ao final do campeonato ou hoje já existe esse interesse?
– Minha intenção é ficar, mais do que o contrato, minha intenção é ficar, porque eu gostaria de lutar com o Corinthians não para o rebaixamento. Pelo que vejo, o Corinthians é um dos clubes mais importantes e precisa lutar lá em cima, precisa lutar pelo Brasileirão, precisa competir a esse nível. Times desta categoria não podem lutar contra o rebaixamento, não podem, não existe. Com o aproveitamento do período que estamos, estaríamos no nono lugar. Tem que ter um bom começo para lutar e competir com os grandes times: Flamengo, Botafogo, Palmeiras. Tem muitos times grandes para lutar. É um campeonato lindo. Para mim, é um dos campeonatos mais difíceis do mundo.
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Em vários momentos da nossa conversa o senhor já falou de pressão, e essa pressão parte de nós, jornalistas, parte da torcida, parte da própria diretoria, que quer resultados positivos... Depois de tanto tempo no futebol, o senhor poderia estar na sua fazenda agora, curtindo com a família, relaxando. O senhor é movido por essa pressão, é algo que gosta de vivenciar no futebol?
– Eu gosto, nasci para isso, eu gosto dessa pressão, desses desafios. Como você disse, eu poderia estar em casa, na minha fazenda, mais tranquilo. Mas eu peguei o Corinthians com 12 pontos. É um desafio. E eu gosto dos desafios. Este é o segundo ano lutando contra o rebaixamento, mas eu gosto de lutar mais acima, eu gosto de lutar pelo campeonato, eu gosto de lutar por coisas importantes. Estou muito feliz com o que faço e minha família me acompanha. Se não me acompanhasse, já teria deixado (o futebol).
E como é a relação com o seu filho, por vocês trabalharem juntos? Há um alinhamento para ter um dia a dia saudável de trabalho e também não acabar levando o trabalho para casa?
– O bom é que já estamos há 12 anos trabalhando juntos, muitas conquistas. Às vezes há discussões. Porque é normal que haja discussões, seja na tática ou no trabalho. Somos muito exigentes com nós mesmos. Podemos nos equivocar e nos equivocamos muitas vezes. Neste campeonato, nos equivocamos muitas vezes, mas estamos aqui para melhorar. A relação é muito boa. Eu tenho uma comissão técnica muito jovem, mas com muita experiência. Sabem o que quero, o que pretendemos, sabe onde estamos, sabe que tem que conseguir os resultados rápido para poder ter tranquilidade, para que o time possa jogar melhor.
– E tudo isso é a base de trabalho, a base de organização. Nós temos uma organização muito boa de trabalho, com o diretor (Fabinho Soldado) e com o presidente, nos ajuda muito a ter essa grande organização. Há muita gente que trabalha para que o time funcione bem, tenha tranquilidade, fisioterapeuta, há muitos médicos, há muitos fisiologistas, há editor de vídeos, há três preparadores físicos, há muita gente que trabalha para que tenha um bom funcionamento e uma boa organização. A base de tudo é uma boa organização e um bom trabalho para que tudo funcione.
Chamou atenção depois da eliminação contra o Racing, ainda lá na Argentina, quando o senhor disse que o trabalho é excelente. Foi corajoso dizer isso depois de ser eliminado, com o torcedor naquela angústia, lamentação. Por que o senhor considera o trabalho excelente?
– Ali não era o momento de dizer que era excelente. Porque depois de uma eliminação, a torcida está com muita raiva, com desejo de matar, não era o momento. Mas desde que chegamos nós fomos a duas semifinais. Não pudemos ganhar, estou de acordo, mas chegamos a duas semifinais, estamos saindo (da luta contra o rebaixamento). Eu acho que estamos fazendo um bom trabalho.
– O que o clube nos pediu, estamos fazendo, que é tirar o Corinthians do rebaixamento. Vou contar algo: quando chegamos aqui, os torcedores vieram nos visitar duas vezes. E a única coisa que nos pediam era: não podemos cair. E eu lhes disse: mantenha a tranquilidade que vamos trabalhar para que o time funcione, consiga pontos. Eles não estavam tão tranquilos, mas depois começaram a ficar um pouco mais tranquilos.
Este é seu segundo ano lutando contra o rebaixamento no Brasileirão. Ano passado foi pelo Vasco, esse ano é no Corinthians. O que o senhor encontrou de semelhança com o cenário de 2023 e o que tem de diferente agora?
– Quando chegamos, as duas situações eram iguais. Acho que o caso do Vasco foi mais dramático. Por quê? Não jogavam no seu estádio (São Januário). Estava suspenso por três rodadas. E eu queria jogar no estádio, tínhamos que jogar porque para os outros times gerava muito mais pressão. Jogávamos no Maracanã, era um ambiente mais aberto. Na última rodada, no último minuto, porque Deus nos ajudou, Serginho fez o gol de cabeça, e o Santos não conseguiu ganhar.
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– Aqui, a situação é a mesma, mas conseguimos o resultado mais rápido. A qualidade dos jogadores realmente é muito maior no Corinthians do que no Vasco. Em nível institucional, de clube, é muito maior o Corinthians do que o Vasco. Muito maior. Alguns por aí não vão gostar do que digo, bom, a realidade é essa. O Corinthians tem um grande clube. Pelo que falamos com o diretor e o presidente, está planejando para ser um grande time, que conquiste coisas importantes, lá em cima.
Toda essa grandeza do Corinthians tem um aspecto positivo, mas também gera ainda mais cobrança, mais pressão, e este ano, especificamente, foi de muita turbulência, antes mesmo de o senhor chegar. Turbulência política, na parte administrativa... isso chega ao futebol?
– Não. Claro que, de política, não posso falar porque cheguei há três meses. Mas notei que o presidente, o diretor e todos os outros trabalham para que o CT seja fechado. Ouvimos no restaurante, na rua, na televisão... Não posso falar de política, mas o clube tenta que o CT seja algo fechado para que possamos ter tranquilidade, treinar, trabalhar. Mas sei que no passado o Corinthians já viveu momentos complicados institucionalmente, futebolisticamente, por isso chegou a esta situação. E hoje eu acho que se mantém um pouco mais tranquilo. Apesar que o jornalismo pressiona muito (risos)
Essa pressão dos jornalistas, o senhor sente nas entrevistas? Ou o senhor acompanha também, lê as reportagens, o que é dito na televisão? Como que sente essa pressão?
– Não, a pressão existe... Existe pelos resultados, como foi a minha pressão maior. Eu faço isso com o meu corpo técnico, porque quando o time não joga bem, não tem uma boa saída.... No outro dia o Palmeiras nos pressionou muito e nós arriscamos muito. Muita pressão e eles poderiam ter nos convertido dois gols rápidos, aos cinco minutos. Não é isso que tem que nos dar como time. Não tem que acontecer, temos que competir, que fazer uma boa saída, que seja bem dinâmico. Erro nosso porque usamos uma tática que não foi a melhor.
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– Não se sentiram cômodos os jogadores e tiveram dificuldade em sair. Vocês viram que nos primeiros 10 minutos, o Palmeiras poderia ter vencido por 2 a 0. Hugo foi extraordinário, que também temos um arqueiro que, quando o time precisa, está presente. Como estão presentes os nossos atacantes, quando o time precisa, resolve. Há coisas que me dão satisfação porque o Hugo chegou, quando nós chegamos, três dias, quatro dias, uma semana. Chegou, e eu o primeiro que disse, você joga. Você joga, você tem que jogar, você tem que atacar, você tem que demonstrar. E foi um bom acerto.
– Outra coisa, defender os nossos atacantes. Romero, Yuri, muito questionados por muito tempo que não faziam gol. Nós defendemos, nós trabalhamos. Muita confiança. E foram os que, por um momento, fizeram um gol importante. Romero fez um gol importante. Yuri também. Por sorte que temos nós, que tem Corinthians, que tem os fãs, que estão convertendo o gol. Algumas virtudes temos para poder servir.
O senhor recuperou também os laterais, que não estavam, talvez, no nível que hoje estão, né? Matheuzinho melhorou muito, Matheus Bidu. Gostaria que falasse sobre esse trabalho também de resgatar os jogadores que já estavam aqui. Lógico que chegaram reforços, mas o senhor potencializou o jogo de alguns atletas que já estavam aqui.
– Sim, sabia que eles estavam fora do time. Mas jogávamos a cada três dias e eles precisavam de confiança, tranquilidade. Trabalhávamos taticamente. Temos que melhorar ainda. Mas responderam muito bem, assumiram a responsabilidade e estão competindo entre eles. Fagner, Hugo. Temos dois laterais em cada lado que estão competindo e todos querem jogar. Todos querem ser protagonistas.
O senhor usa bastante jovens da base nos treinos, mas talvez pelo momento do Corinthians seja mais complicado essa transição para o profissional, para colocar em jogos mais essa garotada. Como que funciona esse processo de aproveitar jovens da base? A gente fala que talvez o Breno Bidon pudesse ser mais utilizado, por exemplo, apesar de eu achar que o senhor usa bastante. Mas como que funciona usar jogadores da base num momento complicado como esse? Participam dos treinos, mas para levar para jogos é um pouco diferente. Como que pensa isso?
– Nós também gostamos de fazer competição e também de trabalhar com jovens que cresçam rápido. Porque a base de todo clube são as divisões inferiores. Porque é onde se pode gerar economicamente, se pode vender, tem que fazer um bom trabalho. O Corinthians não está competindo bem em divisões inferiores. Pelo que vejo na televisão, não está em nível internacional, não compete na Libertadores. Isso, pouco a pouco, vai melhorando. Tem que melhorar. Porque toda a base de um grande clube está nas inferiores. Porque... Vou dar um exemplo. Wesley era da base, deu um grande resultado econômico (foi vendido ao Al-Nassr, da Arábia Saudita, por R$ 110 milhões) e o clube conseguiu trazer quatro jogadores de grande nível. Essas são as partes econômicas que servem, trabalhando bem pela situação.
O senhor acredita que no ano que vem, alguns desses jogadores que observa nos treinamentos hoje, podem ser integrados ao elenco profissional?
– Sim, temos três ou quatro jogadores que estamos vendo se podem incorporar, porque são a base do futuro do que é o Corinthians. Mas tem que continuar trabalhando, tem que competir, tem que competir bem para que o jogador possa crescer. O jogador jovem pode crescer vindo conosco. Porque ele vem taticamente, a pressão é distinta. Jogar contra um profissional... Um defensor jovem tem que marcar Yuri, Memphis, Romero... Você diz, onde estou? Tenho que me preparar, tenho que... E isso nós estamos ajudando para que cresça um pouco mais.
O senhor puxava bastante a orelha do Wesley, mesmo em pouco tempo que trabalhou com ele aqui. Trabalhar com um jogador brasileiro é um pouco mais difícil, principalmente, talvez, os jovens. O senhor trabalhou com jogadores de todas as nacionalidades, mas o brasileiro tem algo específico que você tem que saber lidar, o jeito de falar, alguma coisa... Óbvio que o talento é indiscutível, mas no trato, é diferente, é mais complicado trabalhar com o brasileiro?
– Eu creio que o trato com os jogadores é em todos os lugares o mesmo, em todos os lugares. Mas tem que dar confiança, trabalhar. Há momentos que eu vejo que há muito para fazer, muito para trabalhar. Por quê? Porque há atacantes que recepcionam mal, se perfilam mal, aceleram o tempo de definição. Eu sou muito exigente da metade do campo para frente. Muitíssimo, muito exigente com os atacantes. Com o Yuri, com o Romero, com o Memphis, com o Garro, com o Pedro, com todos. Eu sou muito exigente porque uma chance você tem que acertar.
– Não poder ter cinco chances para se tornar um bolo. Não! São profissionais, já tem que estar preparado, tem que ter a mentalidade e a capacidade e treinar e trabalhar para que quando você tiver uma definição você tenha que fazer um bolo. Vou contar-lhe uma história muito linda. Estávamos na Argentina, eu fui para a Europa, ao Napoli. No primeiro ano, fiz três gols. Sabe quando me mandaram para fora? Eu tive que ir a outro clube, aí eu entendi que para um atacante a exigência é muito grande. Digo, se eu não mudo, eu vou ter que voltar aqui. E daí eu fiquei 15 anos, saí campeão, saí goleador. Mas porque tem que mudar, o atacante tem que mudar.
A gente falava da diferença do atleta brasileiro para de outras nacionalidades, para o argentino. O que dá para a gente apontar de distinção?
– Sim, são diferentes. Aqui no Brasil, o primeiro que quer o futebolista, o jogador, é que jogue futebol. Na Argentina é um pouco mais dramático. Que seja agressivo, que seja forçado. É completamente diferente. Aqui tem muita qualidade. Muitíssima qualidade. E tem que trabalhar para que façam o esforço. A pressão, pressionar. É difícil. Temos um clima complicado, muito calor. E outra coisa que é complicada aqui no Brasil, se joga cada três dias.
– Eu não alcancei a tomar uma cerveja, um vinho e já temos que jogar outra vez. Então o tempo é muito exigente, muito apertado. No outro dia, falando com o Carlinhos, disse que já joguei todas as partidas de um ano em dois meses. É o que se joga na Arábia em um ano. A relação é diferente. Muito diferente. E o trato também é muito diferente.
E como era a vida como jogador? Aproveitava, desfrutava bastante a vida, como era?
– Um goleador. Fazia gol. Mas sabia que tinha uma chance e tinha que fazer gol. Salvo esse primeiro ano que fui à Itália ao Napoli. Quis entregar-lhe nada mais, mas depois comecei a converter, comecei a falar em italiano. Comecei a me adaptar para os treinamentos diferentes. Mas depende de si mesmo, querer crescer, ter desafios, continuar crescendo. O que tenho de bom no treinador é uma coisa: que todos os números 9 que tive ao longo da minha carreira foram goleadores. Todos. Cavenaghi, Sala, Saviola, todos. Na Arábia, nos seis campeonatos, tivemos os goleadores da equipe. E aqui, com o Yuri, estamos lutando.
O nível dos atletas, o senhor vê igual hoje no Brasil e na Argentina ou há diferença? O senhor falou do nível de competitividade entre os campeonatos, mas falando especificamente dos jogadores, o senhor vê algum desses países mais à frente, mais avançado?
– A Argentina, por aí, tem menos qualidade, mas tem muito mais agressividade, é mais forte fisicamente, taticamente é muito prolixo. Por isso, competem. Por aí, eu acho que o Brasil, devido a algumas lições e alguns problemas de Neymar, de Vini Jr, às vezes alguns jogadores que são indispensáveis não podem jogar. Então, o nível baixa um pouco, mas sempre são competitivos para classificar ao Mundial.
Recentemente, em uma entrevista, o senhor foi perguntado sobre um dia voltar ao River e falou que não quer mais dirigir times argentinos, não quer voltar ao futebol argentino. Por que?
– Eu gosto também que o argentino, o treinador argentino, saia. Saia para o estrangeiro. Demonstrar sua capacidade, seu trabalho. Eu também gostei que agora eles vieram para o Brasil, técnicos estrangeiros. Que não é fácil, porque temos que competir com muitos treinadores que são muito capazes, muito inteligentes. E nós temos que demonstrar nossa capacidade. Existe uma competição. Existe que não pode cometer erros, tem que ganhar, tem que jogar bem.
Mas não agora. Se depois de acabar o seu contrato com o Corinthians, o River ligasse, o senhor conseguiria dizer não para um clube no qual tem tanta história?
– Eu acho que já fiz o que tinha que fazer. Não digo que não, mas eu gosto do Brasil, quis vir para o Brasil. Eu gosto do Brasil. Eu gosto da competição que existe. Eu gosto do entorno. Cada estádio que eu vou, é repleto. Muita gente. Muita... Muita pressão. Eu gosto do futebol brasileiro. Eu gosto da paixão que existe.
O senhor teve uma rivalidade grande com Maurício Macri, que até se tornou presidente da Argentina. O senhor se encontra com o Milei [atual presidente] frequentemente. Qual é a relação do senhor com a política? O senhor gosta de se envolver na política argentina? Como o senhor vê o país hoje?
– Eu sou da Argentina e quero que a Argentina esteja bem. No Brasil você pode ter o que quiser, tem de tudo. Eu me surpreendo porque no Brasil e em São Paulo tem de tudo, e na Argentina nos custa ter alguma coisa. É um grande país, mas temos que mudar a mentalidade. Sua forma de trabalhar, sua forma de ver o progresso, de ver que a indústria cresça, que as coisas sejam justas para todos, que todos produzamos para que todos possam viver melhor. Mas o Brasil e a Argentina são potências.
Mas não ficou claro pra mim. Aquela foto foi só um momento que o senhor teve ou há uma relação de amizade com o presidente Milei?
– Não, eu o conheci agora. Eu o conheci agora. Ele me chamou, queria me conhecer. Porque estava fora de país, queria conhecer. Fui e conversamos. Tivemos quase duas horas falando de futebol, de política, de como está o país, ter uma relação muito boa com o Brasil. Por quê? Porque aqui são 250 milhões de pessoas que têm o que comer, que têm trabalho. E essa relação, se há uma aliança entre o Brasil e a Argentina, a América do Sul pode ser uma potência. Se estão separados, já é mais difícil. Mas se o Brasil e a Argentina pudessem fazer uma aliança comercial, de trabalho, de organização, de tudo, a América do Sul poderia ser uma grande potência. Não devemos enviar nada aos europeus.
Ramón Díaz explica paixão pela pecuária e revela amizade com Javier Milei | Abre Aspas
A gente falou muito do futebol brasileiro, e para encerrar a entrevista eu queria que contasse nesse período que o senhor está no Brasil, o que tem gostado também da nossa cultura. E aí pode ser da música, da gastronomia, da vida, pode ser de São Paulo, do Rio de Janeiro...
– São Paulo me encanta, me encanta quando vamos a um restaurante e todos pedem para tirar foto, falar de futebol, o que te está servindo. Sou do Corinthians. Tem muita paixão, como tem na Argentina também. Tem muita paixão e isso eu gosto. Que essa paixão existe para que os clubes sigam crescendo, cada vez melhor.
Já que o senhor gosta tanto do Brasil, já acha o Pelé o maior de todos os tempos?
– No outro dia, eu comecei a ver no YouTube... Pelé. Estive duas horas olhando como cabeceava, como jogava na esquerda, como jogava na direita, os gols que ele fazia. Depois estive vendo duas horas Neymar. São grandes jogadores. Tem que ser feliz porque nasceram em um país que realmente gosta do futebol. Temos que ser agradecidos, os brasileiros e os argentinos, por ter tido o Messi e o Maradona. E aqui, por ter a Pelé, o Neymar, o Ronaldo.
Ramón Díaz cita diferença entre Brasil e Argentina e evita eleger melhor jogador de todos
– Temos milhões de jogadores que no mundo são reconhecidos futebolisticamente porque eles fizeram grandes coisas, grandes resultados, grandes pontos. Muito inteligente para se mover, para se definir, como cabeceia. Digam-me vocês o que, neste último período, Cristiano Ronaldo, que foi o europeu que competia com os sul-americanos. Mas depois, quase sempre, foram os sul-americanos que deram esse ressalto de grande qualidade.
Obrigado, Ramón.
– Muito obrigado pela entrevista, obrigado por me convidar. Quero mandar um salve a toda torcida do Corinthians, que seguramente o melhor está por vir. Vamos continuar crescendo, vamos continuar trabalhando. Gosto muito de onde estou. Vou continuar errando, mas também vou acertar alguns. Muito obrigado.
Fonte: ge