Com história semelhante à de São Januário, construção do Antônio Accioly foi bancada por torcedores
Quarta-feira, 31/07/2024 - 13:43
Historiador explica como torcida do Atlético-GO ajudou a reconstruir Estádio Antônio Accioly


Dentro dos muros que limitam um quarteirão no bairro de Campinas, em Goiânia, encontra-se um estádio organizado, limpo, com a pintura em dia e um campo muito bem cuidado. É neste lugar, apto a receber pouco mais de 12 mil pessoas, que o Vasco vai enfrentar o Atlético-GO nesta quarta-feira, às 21h30, pelo jogo de ida das oitavas de final da Copa do Brasil.



Conexão São Januário-Antônio Accioly

Apesar das cores rubro-negras do maior rival vascaíno, o Antônio Accioly tem muitas semelhanças com São Januário. A começar pelo sentimento de pertencimento dos bairros ao redor: em Campinas e na Barreira, todos são muito Atlético-GO e muito Vasco. Os clubes são responsáveis por movimentar a economia das comunidades que os cercam.

A conexão entre os dois estádios vai além: assim como aconteceu no Rio de Janeiro, foram os torcedores do Atlético-GO os responsáveis por construir e reconstruir o Antônio Accioly ao longo dos últimos 75 anos.



O "campo da Rua 24 de Outubro", até então utilizado pela comunidade de Campinas, foi doado pelo Governo de Goiás ao Atlético-GO em 1942, quatro anos depois do primeiro jogo do Dragão no local. O clube então cercou o estádio com um muro e o batizou de Antônio Accioly, com inauguração em 1947. A partir daí começou a intervenção dos torcedores.



Em 1950, os torcedores do Atlético-GO se mobilizaram para construir as primeiras arquibancadas de alvenaria, que comportavam 500 pessoas. Nos anos seguintes, foram realizadas mais campanhas para aumento da capacidade e outras melhorias.

- O bairro de Campinas reivindicou do Poder Público que doasse esta área para o Atlético porque o Atlético cumpria um papel de promover eventos esportivos e envolver a comunidade. Ainda nos anos 1940 teve a construção da torre, no estilo "Art déco", que é patrimônio histórico e cultural tombado até os dias de hoje. Depois veio outra grande mobilização dos torcedores para começar a construir as arquibancadas - explica ao ge o diretor de Patrimônio Histórico e Cultural do Atlético-GO, Paulo Winicius.



O momento mais crítico aconteceu no final dos anos 1990, quando a então diretoria do clube tentou vender o terreno do estádio para a construção de um shopping. Parte das arquibancadas e o campo do Antônio Accioly foram destruídos, mas a torcida novamente se juntou, impediu a concretização da venda na Justiça e o consequente fim do estádio.

- Mesmo sob resistência, os muros e uma das arquibancadas foram demolidos, o campo foi destruído e colocaram uma placa: "O shopping de Campinas vem aí". Os atleticanos resistiram, pediram o tombamento da fachada e fizeram diversas manifestações. O dirigente perdeu na Justiça, mas mesmo depois da saída dessa diretoria o estádio estava destruído. Aí começou uma nova mobilização, a torcida criou associações, promoveu eventos e até plantou pedaços do gramado. Conseguiu reconstruir o estádio, e o Atlético voltou a mandar jogos lá em 2005. Em 2006, voltou para a Primeira Divisão do Campeonato Goiano e, em 2007, foi campeão estadual - recorda Paulo.



A tranquilidade durou pouco. Em 2010, por causa de problemas financeiros, a então diretoria cogitou novamente a transformação do Antônio Accioly em um shopping. Novamente, a torcida se opôs e o estádio ficou fechado por oito anos até a reinauguração em 2018, com capacidade ampliada de cinco mil para 12 mil pessoas. Agora, o plano do clube é aumentar o espaço para receber mais de 20 mil torcedores.

- A partir do final de 2015 houve campanhas ininterruptas da torcida para reconstruir o estádio. Antes da grande reforma de 2018 já aconteciam pequenas obras para recuperar gramado, iluminação, cobertura, arquibancada que estava condenada desde 2010... Durante toda a história do Atlético, em todas reformas e ampliações, a torcida sempre se empenhou - comenta o historiador.



Empenho que vai de encontro ao da torcida do Vasco para construir São Januário. Em 1925, o clube carioca fez campanhas para que torcedores se tornassem sócios e levantou 685 contos e 895 mil réis para a compra do terreno e 2 mil contos de réis para a construção do estádio.



O roubo do busto de Antônio Accioly

Ao andar pelo estádio é possível encontrar uma escultura de dragão, além de diversas pinturas do mascote do Atlético-GO, várias menções aos quatro escudos usados pelo clube na história e o busto de Antônio Accioly, ex-dirigente rubro-negro que dá nome ao estádio. Mas o objeto nem sempre esteve ali. Ele foi reinaugurado em 2021 depois de ter sido roubado no período em que o local ficou abandonado, no início do século 21, e chegou a ser até ponto de venda de drogas.

- No século passado, teve uma época que o Atlético estava perdendo demais, e o pessoal começou a dizer que era a posição do busto. Quando a torcida se mobilizou para fazer um novo busto, houve um receio: "E se der azar?". Mas coincidiu com a época que o Atlético venceu o Fluminense aqui, fez uma boa campanha na Série A, depois goleou a LDU por 4 a 0 - destaca Paulo.



Antônio Accioly, avô do cantor Léo Jaime, era um cartorário do bairro de Campinas e participou do movimento de fundação do Atlético-GO. Até sua morte, em 1973, o histórico dirigente se envolveu em todas as campanhas de arrecadação de recursos para o clube.

- O Atlético sofreu muito depois da morte dele. É quando começam as péssimas gestões até o abandono do estádio no fim dos anos 1990 - pontua Paulo Winicius.



De santo para santo

Se o estádio do Vasco leva o nome de São Januário, em Goiânia é São Bento que caiu nas graças do torcedor do Atlético-GO. Em um dos muros do Antônio Accioly está pintada a medalha do santo ao lado de uma imagem de Nossa Senhora.



O símbolo de São Bento foi levado para um dos uniformes lançados pelo time nesta temporada. O santo virou padroeiro do Atlético-GO há cinco anos por causa de um clube que leva o nome dele.

Em 2019, para garantir o acesso à Série A, o Dragão precisava de uma vitória do São Bento, já rebaixado para a Terceira Divisão, em cima do América-MG, em Belo Horizonte. O milagre aconteceu: com a derrota do Coelho por 2 a 1, o Atlético-GO subiu depois de empatar com o Sport em casa. Desde então, cresceu a devoção dentro do clube rubro-negro pelo santo.

Nesta quarta-feira à noite, a atmosfera de um clube de bairro, o busto de Antônio Accioly, a pintura de São Bento poderão ser vivenciados pelos torcedores do Vasco que visitarão o Atlético-GO. Depois, na quarta que vem, é a vez de São Januário mostrar suas peculiaridades aos rubro-negros, no jogo que decidirá quem vai avançar às quartas de final da Copa do Brasil.


Fonte: ge