Vendido pelo Vasco para a Inter de Milão com 18 anos, Alberoni relembra carreira
Terça-feira, 16/04/2024 - 14:02
Em meados de 2002, pouco tempo depois de completar 18 anos, uma das grandes promessas do Vasco no início do século 21 deixava o clube para ganhar o mundo. Na época, uma proposta da Inter de Milão, clube que tinha Ronaldo Fenômeno, tirou Alberoni de São Januário.

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Qual jovem recusaria uma abordagem do poderoso clube italiano? O sonho de jogar na Europa e a oferta da Inter, que prometeu pagar 100 vezes mais o que o volante recebia no Vasco, fizeram o jogador trocar o Brasil pela Itália. Ele não vingou como todos esperavam.

A falta de orientação nos primeiros anos como atleta profissional acabou prejudicando a carreira de Alberoni, que rodou o mundo e, mais tarde, em 2006, realizou o sonho de defender o Vasco profissionalmente. Foram 14 clubes em 11 anos. O ge achou o ex-volante, que hoje gere projetos sociais em Niterói e atua como empresário de jogadores.



De Chico a Alberoni

Francisco Terra Alberoni, cria da geração 1984 do Vasco, tinha como vantagem o fato de ter passaporte italiano. Isso o projetava desde cedo para fora do Brasil e acabou norteando sua carreira. A começar pela "mudança" de nome. Chico virou Alberoni nos primeiros anos de base.

- Meu apelido sempre foi Chico e virou Alberoni pela possibilidade de transferência para fora do país. Quem me conhece da infância me chama de Chico, quem me conheceu depois me chama de Alberoni. A mudança aconteceu na minha primeira convocação para a seleção de base. O estafe da CBF falou: "Você agora não é mais Chico, é Alberoni" - disse o ex-atleta ao ge, e completou:

- Eu só fui entender depois que, por eu ter o passaporte e fazer parte da comunidade europeia, o nome fazia mais sentido para esse mercado. E, em caso de transferência, eu não ocuparia a vaga de um estrangeiro e teria mais chance de ter espaço. Depois disso, todas as notícias e transmissões já eram como Alberoni. Eu gostei, porque sou um cara muito família e acabei levando o nome da minha família.

De Chico a Alberoni: mudança de nome preparou saída do jogador do Vasco


E foi na seleção brasileira que o jovem jogador do Vasco aumentou o status de joia. Aos 17 anos, era titular da Seleção da categoria e uma das maiores promessas ao lado de Diego, do Santos. Com a camisa vascaína, sua geração acumulou títulos nos torneios de base. Morais, Wescley, Coutinho e Anderson eram outros nomes daquela "leva" que criou altas expectativas.

- Ficamos quatro anos sem perder. Os resultados fizeram a gente ter credibilidade no clube e me fizeram chegar às seleções de base. A Seleção talvez me fez ser uma promessa maior não só no Vasco, mas no futebol carioca e até brasileiro.

- Minha posição nunca foi de se destacar muito. Eu era volante, cabeça de área, mas gostava de sair, chegar na frente, chutar. E são poucos volantes canhotos. Fui campeão do Sul-Americano em 2001, fui para o Mundial depois, e acho que foi a chance de eu ratificar esse rótulo de promessa do Vasco. Fiz três gols nesse Sul-Americano e voltei para o Vasco mais valorizado. Comecei a virar realidade. Minha experiência internacional com a Seleção foi muito boa e me deu projeção.



Arrivederci, Vasco!

Enquanto os colegas subiram para o time profissional e passaram a jogar com o então técnico Antônio Lopes, Alberoni deixou o Vasco antes de estrear pela equipe principal. De origem humilde e ansioso para realizar o sonho da família, aceitou proposta da Inter de Milão, que não cumpriu a palavra.

- Eu não tinha empresário na época, talvez tenha faltado uma orientação. Foi uma decisão minha e da minha família. As pessoas devem achar que eu era problemático (risos). Poderia ter sido diferente, mas não me arrependo das minhas escolhas. Dificilmente um jovem não aceitaria ir para a Inter de Milão naquela época. A proposta era de cerca de 5 mil euros por mês - isso dava quase R$ 20 mil na época. Eu ganhava um salário no Vasco (o salário mínimo em 2002 era de R$ 200). Quando cheguei lá não foi o combinado.

- Eu morava com dois australianos, um brasileiro e dois nigerianos, um deles era o Oba Oba Martins. Eu recebi uma correspondência e era meu contrato. Era um contrato de quatro anos, ganhando como se fosse o salário mínimo italiano, que era de 700 euros. Eu comecei a ficar desesperado. Em Milão, frio, a Coca-Cola cara, o cartão pra ligar pra namorada caro, custo de vida muito alto. Eu tinha uma estrutura familiar, mas mais do que isso, me chateou não terem cumprido a proposta. Foi tudo nas escuras. A sorte é que isso não me afetava dentro de campo.



Alberoni treinava no time B da Inter. A qualidade técnica do volante, cria do futebol brasileiro, o fez atuar e corresponder como camisa 10 quando o treinador precisava. Na equipe principal, ele via e bebia da fonte de Crespo, Batistuta, Materazzi, Di Biagio, Toldo... Ele e o nigeriano Oba Oba Martins eram sempre utilizamos pelo técnico Héctor Cúper.

- Eu dei o azar de o Adriano e o Ronaldo terem ido embora. Não tinha nenhum brasileiro na minha época, e isso ajuda muito na transição. Fiquei um ano nessa situação e falei: "Não dá, vou voltar". Estava muito desiludido com italiano, não acreditava mais em ninguém.

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Treino com Messi e seis clubes em dois anos

Ao sair da Inter, Alberoni passou a viver como cigano. Entre 2004 e 2006, passou por três países e seis clubes diferentes: Bahia, Barcelona B (Espanha) - onde treinou com Messi -, Independiente (Argentina) - onde treinou com Agüero -, Paraná, Avaí e UD Leiria (Portugal). Pouco jogou no período.

- Voltei para o Brasil, fiz o vínculo com meu primeiro empresário, que ficou comigo durante anos. Ele teve uma desavença com o presidente do Bahia na época, eu fiquei lá poucos meses e fui para o Barcelona. Eles me conheciam por causa da seleção brasileira e nem pensaram duas vezes quando meu agente me ofereceu lá.

- Acabou que deu outro problema, e ele não foi lá assinar o contrato no tempo certo. Eu fiz uma parte da pré-temporada com o Messi, ele estava na transição para o profissional. Na época, eu dei um ultimato "maluco" que se o contrato não fosse assinado até tal data eu iria para o Independiente, da Argentina, que fez uma proposta para a minha família. Acho que faltou esse planejamento de carreira para mim. Leiria, Independiente e Barcelona eu fui, mas não joguei porque sempre deu algum problema extracampo. Não cumpriram o combinado.



No DVD do Romário

Em 2006, Alberoni voltou ao Vasco para realizar o sonho de defender o clube do coração profissionalmente. Foi treinado por Renato Gaúcho e conviveu com Romário, com quem acabou criando um vínculo eterno por causa de um passe.

- Estou no livro e no DVD dos mil gols do Romário. Ele menciona todas as assistências, e eu dei um passe para ele no Carioca de 2006, contra o América, no Estádio Edson Passos. Mais um sonho realizado, eu era criança e via o Romário jogar. Depois joguei com ele.



Finalista da Copa do Brasil de 2006 e disputando o Brasileirão, o Vasco precisou rodar o elenco ao longo da temporada. Alberoni era reserva, mas jogou muitas vezes.

- O ano de 2006 foi a realização de mais um sonho. Era o Renato Gaúcho se firmando ainda como treinador, um cara sensacional, um dos poucos que sabe falar a língua do atleta. Eu tive muita oportunidade de jogar por causa do calendário. Fiz um gol pelo profissional, que na verdade não foi muito meu. Eu fui cruzar, a bola bateu e entrou. Ninguém comemorou, eu saí comemorando e na súmula foi pra mim (risos).

O gol em questão ainda está marcado no Vasco. Isso porque Alberoni garantiu a última vitória do clube sobre o Grêmio jogando no Rio Grande do Sul (vídeo abaixo). Desde maio de 2006, a equipe carioca não vence o Tricolor no Sul.

Os gols de Grêmio 1x2 Vasco, pelo Brasileirão de 2006


No ano seguinte, Alberoni deixou o Vasco e voltou a rodar por vários lugares. Defendeu Las Palmas (Espanha), Botafogo, Novo Hamburgo, Duque de Caxias, Slavia (Bulgária) e ASA, quando encerrou a carreira com 28 anos em 2012. Ele tinha acertado com o River-PI, que chegou a anunciar sua contratação para a temporada 2013, mas sentiu dores no joelho direito após um amistoso e decidiu parar de jogar profissionalmente.

O Vasco, no entanto, não deixou a vida da ex-promessa. Alberoni frequenta os jogos do clube desde os tempos em que ainda vestia a camisa vascaína.

- Quando não era relacionado ia para a torcida e ficava balançando bandeira. O Renato Gaúcho até brincou sobre essa situação. Numa roda, ele perguntou: "Quem foi o jogador que estava que nem maluco no jogo ontem?". Todo mundo sabia que era eu, eu que ficava mais chateado quando a gente perdia. Se o Renato tivesse me aproveitado mais, a gente poderia ter tido melhores resultados. Ele ia ter um vascaíno de verdade correndo, dando a cara, ia suar sangue (risos). Ainda frequento estádio, vou para São Januário, Maracanã, estou direto na Sambarreira, eu vivo bastante o Vasco.

Formação e projetos sociais

Fora dos gramados, jovem e sem ter feito fortuna como jogador, Alberoni usou a experiência no campo para bancar o curso de Administração. Atuando no time da faculdade, ele usufruiu do Bolsa Atleta. Ao se formar, atuou seis anos na indústria farmacêutica e depois voltou ao futebol.



Hoje, junto com dois sócios, tem uma empresa de agenciamento de atletas, a Vision. Mas tem como ocupação principal ajudar outros garotos que sonham com a vida de atleta.

- Hoje, eu tenho um projeto social em Niterói, o Visão de Jogo, e sou gestor de outro projeto social aqui na cidade, o NASCE (Núcleo Avançado de Sustentabilidade, Cultura e Esporte). Meu maior desafio é conseguir impactar e transformar vidas através do esporte. Sou nascido e criado no Largo da Batalha, um bairro humilde de Niterói, e vejo que a vulnerabilidade das crianças está cada vez maior. O esporte me ajudou e continua me ajudando. Valores como disciplina, organização, responsabilidade... A palavra mais importante para quem quer se tornar atleta é renúncia, abrir mão de uma coisa para conquistar outra - destacou Alberoni.

- Além disso, eu conheço todos os continentes, falo três línguas, vivi experiências que não viveria se não fosse o futebol. Sou zero frustrado em ter sido uma das maiores promessas do futebol brasileiro e hoje ter que ralar o dia todo para pagar as contas e ainda ficar apertado. Falo para os pais que os filhos deles precisam estar ali não para se tornarem um Ronaldinho Gaúcho, mas para serem seres humanos dignos, com valores. Se ele não for um jogador profissional bem sucedido, ele pode ser um bom médico, advogado, jornalista e ser feliz - concluiu a ex-joia do Vasco.

Fonte: ge