Clubes brasileiros voltam as atenções para jogadores africanos; congolês Mbanza atua no Sub-15 do Vasco
Quando Shola disse a seus amigos da Nigéria que jogaria no mesmo clube de David Luiz, ninguém acreditou. Talvez ele mesmo só tenha entendido quando topou com o ídolo no Ninho do Urubu, no dia em que os atletas do sub-20 do Flamengo - do qual ele faz parte - treinaram com os profissionais. Para garantir que todos soubessem a verdade, ele tirou uma foto com o zagueiro e publicou. A legenda: "Sonhos são mais bonitos que a realidade".
O nigeriano Ogundana Shola Elijah, de 18 anos, foi contratado pelo Flamengo em abril deste ano. Sua chegada ao futebol brasileiro reflete o movimento de alguns times para garimpar e lapidar joias do futebol africano desde a base.
Para os clubes, é uma possibilidade de ampliar os horizontes em um novo mercado e uma alternativa à captação cada vez mais difícil na América do Sul. Para os jovens, nosso futebol é um caminho para realizarem seus sonhos.
O ge apurou que seis jovens africanos atuam na base de clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, sendo eles Bragantino, Flamengo, São Paulo e Vasco. E esse número deve aumentar em breve.
O Palmeiras está prevendo a chegada de dois jogadores, e olheiros de outros times têm percorrido países da África para conhecer as academias de futebol e acompanhar competições em busca de repetir sucessos como do goleiro Onana, finalista da Champions com a Inter de Milão, ou de Sadio Mané, o craque senegalês ídolo do Liverpool e atualmente no Bayern de Munique.
Clubes e jogadores
Bragantino: João Vasco Djú, volante, 20 anos (Guiné-Bissau)
Flamengo: Ogundana Shola Elijah, atacante, 18 anos (Nigéria)
São Paulo: King Faisal, atacante, 18 anos (Gana); Clauvis Etienne, volante, 20 anos (Senegal) e Iba Ly, 20 anos, meia, (Senegal).
Vasco: Mbanza Silu, meia, 15 anos (Dupla nacionalidade: Brasil/Congo)
Nos passos de Vinicius Jr.
Em menos de um ano, observadores do Flamengo viajaram três vezes ao continente africano, mas o primeiro contato com Shola foi na Europa. O jogador defendia o Remo Stars, da Nigéria, na disputa da Viarregio Cup 2022, um torneio tradicional de base na Itália. Seu futebol chamou atenção e fez com que o Rubro-Negro enviasse um observador à Nigéria para continuar as avaliações.
Shola cresceu em um pequeno vilarejo no estado de Ekiti, onde a maioria da população é de origem Iorubá. Deu seus primeiros chutes na escola, sem grandes pretensões, mas jogava bem e resolveu investir na carreira, com o desejo de melhorar as condições de vida de sua família por meio do futebol, assim como muitos meninos do Brasil.
No fim de abril, o jogador assinou por um ano com o Flamengo, por empréstimo, com opção de compra ao fim do período. Ele ficou feliz ao saber que um de seus maiores ídolos no futebol, Vinicius Jr, foi formado na base do clube.
- Jogar neste grande clube é como seguir os passos do meu ídolo do futebol Vinicius Jr. Ele também começou aqui e foi descoberto pelo Real Madrid. Amo tudo sobre o Brasil desde criança assistindo a Ronaldo, Ronaldinho, Bebeto e outras estrelas no YouTube, então foi um sonho vir aqui - contou.
Assim como a referência Vini Jr., Shola atua nas pontas e nos treinamentos tem chamado atenção por sua velocidade, inteligência e sua capacidade no "um contra um".
- Tem características interessantes que a gente quer num extremo. Tem capacidade de trabalho e uma inteligência muito boa. Às vezes, sem explicar uma atividade em inglês, ele consegue entender e aplicar. Ele consegue agregar no duelo um contra um, chegada no último terço. Ele leva o perigo ao adversário, chances junto à baliza - contou o técnico do sub-20 B, Leonardo Cherede, à Fla TV.
O desenvolvimento do jogador é tratado com cautela pelo clube, passo a passo. Segundo o gerente geral da base, Luiz Carlos, a contratação de Shola partiu da necessidade que o clube detectou de ampliar a abrangência da captação para além da América do Sul.
O atacante tem trabalhado no Sub-20 B, já disputou alguns amistosos, mas não está no grupo que joga as principais competições, como o Brasileirão Sub-20, que está na fase de mata-mata.
- Inicialmente entendemos que ele está em período de adaptação, algo natural para qualquer estrangeiro, além de ser primeiro ano de Sub-20. Todos os atletas da categoria estão à disposição da equipe profissional, com ele não é diferente. No nosso processo de integração, temos gerado oportunidade para que o profissional conheça nossos atletas - afirmou Luiz Carlos.
Como parte do processo, eventualmente ele tem a oportunidade de treinar com o time principal do Flamengo, o que lhe deu a chance de conhecer David Luiz e os demais destaques da equipe.
- Cara, eu senti como se estivesse sonhando, porque sou fã do Arsenal e o vejo jogar de forma agressiva e brilhante, então conhecê-lo foi como um sonho que se tornou realidade - afirmou.
Shola veio para o Brasil sozinho, sem familiares, e está se ajustando aos poucos. Aprendeu algumas palavras em português, mas considera o idioma difícil. O Flamengo conta com profissionais, além do treinador Cherede, que falam inglês e ajudam na adaptação. Internamente, apontam a personalidade extrovertida do atacante como um fator positivo, que o ajuda a se integrar com os companheiros.
- O começo aqui no Brasil foi um pouco difícil para mim, mas agora estou tentando me encaixar e me adaptar à língua, comida, treinos e clima. Não tenho ninguém da minha família aqui no Brasil, então considero as pessoas aqui do Flamengo como minha família.
O clube já teve três atletas africanos no time profissional nas últimas décadas, o atacante é o primeiro a integrar a base. Mas ele quer mais.
Em busca de novos horizontes
Nunca foi tão desafiadora a missão de captar bons jogadores nos vizinhos da América do Sul. Clubes europeus têm seduzido jovens latinos cada vez mais cedo para sua base, com o objetivo de terminar a formação em suas dependências. A situação obriga os brasileiros a buscar alternativas, e o continente africano é uma delas.
No mês passado, o ge conversou com o coordenador de captação do Atlético-MG, Victor Aurélio Silva, enquanto ele estava acompanhando in loco uma competição de base em Senegal. Além dele, membros do setor de captação do Internacional também observavam jogadores na terra de Sadio Mané.
O Galo ainda não tem jogadores africanos, mas as travessias pelo Atlântico são uma possibilidade de, quem sabe, dar o troco nos europeus e chegar aos bons jogadores antes, conta o coordenador do Atlético.
- Direcionamos a observação no continente africano, em Senegal e Gana. Sabemos que é uma região rica em jogadores, tendo vários destas nacionalidades com destaque no futebol europeu. Queremos antecipar essa ida ao continente europeu, prospectando talentos para que futuramente eles vistam a camisa do Galo - afirmou Victor Aurélio Silva.
O Palmeiras deve ser o próximo clube da Série A a contratar jogadores africanos. João Paulo Sampaio, coordenador da base, afirmou ao ge que, em breve, chegarão dois jovens ao clube. Um deles vai ser integrado imediatamente ao elenco Sub-20, enquanto o outro passará por testes.
A busca do Palmeiras se deve à dificuldade com os sul-americanos. Segundo o dirigente, destaques disponíveis na Argentina e Uruguai são raros. O clube tentou outros atletas, todos de seleções de base, mas não teve sucesso. O que levou o clube a Gana, Senegal e Camarões.
- A gente migrou para ver africanos. Mandamos dois scouts para a África, foram para três países. Na América do Sul, a gente só não conseguiu trazer argentino ou uruguaio porque os que a gente quer já estão na Europa ou em um clube grande. E aí precisa de dinheiro e de comprar. Na base, normalmente a gente não compra, mas traz para empréstimo. Então a gente mudou o foco para a África - explicou.
A chegada dos novos jogadores é uma forma de aprofundar as avaliações, conhecer a cultura dos jovens e desenvolver os processos de adaptação para, quem sabe, reproduzir casos de sucesso da Europa.
Sonhos
É a ascensão de uma referência africana na Europa o que ajuda a manter vivo o sonho de João Vasco Dju, de 20 anos, de Guiné-Bissau. O jogador defende o Bragantino desde o ano passado e sonha repetir o sucesso de Camavinga, o angolano naturalizado francês que se destaca no Real Madrid.
O idioma não foi problema para a adaptação de Vasco, sua língua é o português e, timidamente, ele conta que gosta muito de ouvir o pagode brasileiro
Em campo, ele faz o que pode para conseguir seu lugar. Sua posição principal é de volante, mas também joga em outros setores do meio e na lateral esquerda.
- Nunca se sabe onde a sorte está. Posso ficar lá (Alverca, de Portugal) e jogar só na base . Só porque é Europa não quer dizer que vou ficar lá e chegar ao topo do futebol. Cheguei aqui e ganhei outra experiência, coisas que não vi lá (em Portugal). Vou pegar o que é melhor dos dois e vou acolher do melhor jeito para mim.
Vasco fez o caminho oposto de outros jogadores. Antes de chegar ao Bragantino, ele jogava no Alverca de Portugal, mas viu no futebol brasileiro uma possibilidade de dar saltos maiores lá na frente.
- Meu sonho é ser uma lenda, respeitado pelo meu país, como outros jogadores africanos. Quando chegar ao topo, vou fazer o que precisar para ajudar o meu país. Esse é o meu sonho.
Enquanto não chega ao topo que almeja, Vasco se agarra à letra do pagode a que mais se apegou ao chegar por essas bandas.
- Quem cultiva a semente do amor segue em frente e não se apavora. Se na vida encontrar dissabor, vai saber esperar a sua hora - canta, tímido.
Fonte: ge (texto), Twitter News Almirante (foto)