Vasconha diversifica produtos e aguarda liberação do porte de cannabis pelo STF
Sexta-feira, 26/05/2023 - 03:51
Movimento criado em 1998, mas impulsionado no ano passado, após o streamer Casemiro ter popularizado o boné, a Vasconha une duas missões: o apoio ao Vasco e a luta pela descriminalização da maconha. É por causa do segundo que os integrantes do grupo estão de olho na pauta da semana do STF. Nesta quinta (25) será retomado o julgamento da ação de inconstitucionalidade do artigo 28 da lei antidrogas, o que pode descriminalizar o porte pessoal da erva. Além da causa política, o grupo torce por uma regulamentação que permita a massificação e diversificação de seus produtos, hoje vendidos na internet.

— É um primeiro passo para uma coisa maior. O processo é lento, mas esse ponto inicial tem que ser dado —afirma Vinicius Santos, um dos diretores da Vasconha, que acompanha a ação no STF desde o seu início, em 2015. — Entendemos a responsabilidade que a gente tem, a voz que a gente tem hoje em dia. Queremos abraçar essa causa.

Apesar de fundado por usuários da planta, a Vasconha cresceu e conta hoje até com torcedores que não fumam. Mas o ponto em comum é a causa e o entendimento de que usar maconha não deveria resultar em prisão. Em dias de eventos, ou jogos, os líderes do movimento pedem para que as pessoas tenham consciência na hora de fumar, respeitando a possível presença de crianças, ou de outras pessoas que não gostam da fumaça.

Enquanto a descriminalização não é aprovada, a Vasconha vem diversificando seu cardápio de produtos. No ano passado, o streamer Casemiro usou um boné do movimento em uma de suas transmissões, e a partir daí a marca caiu nas graças de vascaínos e de outros torcedores pelo país. Hoje, a Vasconha tem CNPJ e vende camisa, bonés e outros adereços.

Mas produtos "cannábicos" também passaram a fazer parte do cardápio. Atualmente, a Vasconha vende piteiras de vidro, e neste mês uma ação promocional lançou uma seda personalizada. Como os produtos são vendidos originalmente para consumo de tabaco legalizado, não são proibidos. Mas Vinicius Santos diz que um mercado regulamentado da maconha poderia abrir as portas para muitas oportunidades e atividades econômicas.

— Hoje funcionamos como uma empresa de fato, temos departamentos, pagamos impostos, crescemos muito. Não nos enxergam mais como meia dúzia de maconheiros. Além do proibicionismo ser péssimo do ponto de vista social, a legalização abriria uma grande porta. Hoje precisamos pisar em ovos, para evitar processos, não cair em acusação de apologias. É um sonho, uma oportunidade econômica, o mercado ser regulamentado. Quem sabe um dia não abrimos uma coffee shop do lado de São Januário ?

'Acabamos tendo que nos privar de liberdade de certa forma'

Se a descriminalização for aprovada, Santos admite que observará primeiro como as coisas vão funcionar na prática, como a polícia e autoridades judiciais irão se portar, e como será a adaptação e a compreensão sobre o processo. Atualmente, ele, que critica a seletividade dos processos criminais por tráfico, diz que prefere evitar fumar nas ruas.

— Gostaria de ter mais espaço para usar sem problemas. Se é uma questão de saúde, não pode ser resolvido numa delegacia. A gente que fuma tem que ficar se escondendo. Não quero ir para delegacia assinar um termo por causa de maconha. Por isso, acabamos tendo que nos privar de liberdade de certa forma — explica Santos, que destaca que sua condição social não é a mesma da realidade de muitos brasileiros. — A gente sabe que se um morador de Ipanema for pego com 2g de maconha, ele pode passa como usuário, mas não sei se um negro na periferia vai ter o mesmo tratamento.

Torcedor do Vasco e entusiasta da Vasconha, o radialista Lucas Abreu acrescenta outro prejuízo derivado da proibição da erva: a falta de controle sobre a procedência do produto, o que gera uma preocupação a mais. Como homem branco, ele diz que não é o principal impactado pela criminalização do porte. No entanto, defende a causa não só pelos efeitos ao seu consumo, mas por uma mudança política.

— Evitar fumar em público a gente sempre evita. Tem lugares que precisamos ficar mais preocupados, em outros precisa ser escondido, mas o meu corpo e meu espaço não são o alvo nem o campo dessa guerra. -- afirmou o radialista, que faz uso social, em contextos de "curtição e relaxamento". — A proibição não impede em termos práticos o meu consumo nem o de ninguém, é apenas uma ferramenta de perpetuação da desigualdade e racismo no país. O uso nas ruas a gente sabe bem onde é tranquilo e onde não é, sabemos de todo o preconceito e opressão que a desculpa do combate às drogas causa em determinados territórios.

Como o GLOBO mostrou, muitos condenados por tráfico de drogas no país, mesmo com quantidades irrisórias de drogas, são moradores de favelas e áreas periféricas. Uma pesquisa do Ipea revelou que 68% dos condenados por esse crime são negros. Já outro estudo, publicado nesta semana, calculou que de 27 a 48% dos condenados por tráfico de maconha se enquadrariam nos limites de porte pessoal, caso a descriminalização seja aprovada com parâmetros de quantidades como na legislação internacional.



Fonte: O Globo