Na Copa do Mundo de 1974, a Holanda marcou o mundo com seus espetáculos e levou o futebol a um novo patamar, mesmo não conquistando o título. Liderada por Johan Cruyff em campo e comandada por Rinus Mitchell à beira dele, a Laranja Mecânica ainda é lembrada quase 50 anos depois e, inclusive, é referência para o trabalho orientado no sub-20 do Vasco.
Recém-campeão da Taça Guanabara da categoria, o técnico William Batista chegou ao Vasco no fim do ano passado tendo como grande referência o jogo de posição. Meses depois, já soma mais títulos do que derrotas com o time sub-20 e é um entusiasta do modelo que ele viu acontecer de perto no Barcelona de Josep Guardiola. Há 12 anos, ele interrompeu a carreira de jogador na intenção de colocar em prática como treinador aquilo que ele via acontecer na Europa.
- Um dos primeiros presentes que ganhei dos meus pais foi um agasalho da Laranja Mecânica, e eu perguntava ao meu pai o por que da Holanda. Ele me falava do carrossel holandês de Cruyff e de Rinus Mitchell. Isso me influenciou como criança e, aos 18 anos, vejo o auge do Barcelona de Guardiola. Vou jogar em Portugal, começo a despertar o interesse pelo modelo de jogo do Barcelona e o que influenciava. Era algo que eu queria sentir como jogador, mas as equipes que eu jogava não tinham a bola. Aí passo a querer ser treinador, tenho uma oportunidade com 20 anos no Sumaré, quando começo a organizar as ideias - contou William ao ge.
William Batista tem apenas 30 anos, mas despertou o interesse de Paulo Bracks no Vasco. O diretor esportivo trabalhou com o técnico no América-MG, clube em que o treinador ficou por quase três anos. O trabalho, muito bem avaliado, já rende frutos no Rio de Janeiro.
Em dezembro, um mês após ter sido contratado, William conquistou a Copa Xerém com o Vasco de forma invicta e com vitórias nos dois clássicos, contra Botafogo e Fluminense. Depois de ser eliminado na Copa São Paulo de Futebol Junior nos pênaltis, o time se recuperou no estadual, com oito vitórias em nove partidas e título antecipado da Taça Guanabara.
Números de William Batista no Vasco:
Copa Xerém: 3 jogos - 2 vitórias e 1 empate
Copinha: 4 jogos - 3 vitórias e 1 empate
Taça Guanabara: 9 jogos - 8 vitórias e 1 empate
Títulos: Copa Xerém e Taça Guanabara
A preocupação do treinador é com o desenvolvimento dos jogadores. Estar no Vasco era um dos grandes desejos de William, que quer ver esse processo acontecer junto às vitórias, aos títulos e a um jogo vistoso. Hoje, na sua visão, seu time é o mais competitivo do Campeonato Carioca.
- Quando cheguei percebi jogadores de muito talento, mas que precisavam entender como jogar como um time. O desafio foi transformar todo talento individual em jogar como equipe. O primeiro passo foi criar uma cultura de ter o prazer de jogar um pelo outro. Junto disso, eu trouxe muita coisa sobre o jogo de posição, e esse jogo só vai acontecer de maneira genuína se a equipe jogar de forma harmoniosa, sendo uma equipe que coopera o tempo todo. Evoluímos muito nos últimos meses, os conteúdos diários têm sido bem desenvolvidos e os jogadores têm desfrutado - contou o técnico.
- Vejo jogadores muito bons nas outras equipes, que jogam muito bem com a bola, têm capacidade de desequilíbrio individual grande. Mas que quando não têm a bola têm baixa tolerância ao esforço ou baixa resiliência em defender. É um ponto que a gente tem tirado vantagem, porque nosso time compete muito e é talentoso quando tem a bola. No Vasco, eu brinquei que nossos jogadores são rebeldes com a bola, uma coisa que gostei muito aqui, uma cultura diferente das que eu trabalhei. Nossos jogadores têm uma vontade enorme de serem melhores em tudo que fazem - completou.
No próximo sábado, o Vasco de William Batista vai receber a taça da primeira fase do estadual no clássico contra o Fluminense, às 10h, no Estádio Nivaldo Pereira. O time ainda tem outro jogo para cumprir tabela, contra o Resende, no dia 3 de junho, pela última rodada da Taça Guanabara.
Confira a entrevista com William Batista:
Chegada ao Vasco
- Eu dei um treino em 2020 no campo do Artsul, e a gente ia jogar contra o Vasco no dia seguinte. Comentei com minha comissão técnica que queria um dia trabalhar no Vasco e ainda brinquei: "Tomara que eu ganhe o jogo porque estarei mais próximo desse desejo acontecer". Quando recebi o contato e, de prontidão, já disse que gostaria pela história do clube, pela representatividade e pelo histórico de jogadores bons na base. Me cativava comandar jogadores do nível do Vasco e ver como minha equipe se comportaria. Tem sido uma aventura interessante, tenho desfrutado muito.
- No meu primeiro dia eu falei para os jogadores: pode tudo, errar, acertar, driblar, o que vocês quiserem, só não pode parar de correr. Falei: "Nada me tira da cabeça que a gente vai ser a equipe mais agressiva, intensa, a que mais ia jogar com a bola e, que quando perdesse, ia pressionar como uns animais para recuperar". Só tem uma maneira de ficar mais com a bola: pressionando rápido quando perde. Hoje a equipe representa todo esse discurso do dia a dia.
Jogo de posição
- Eu estive na Espanha em 2015, quando estruturo as ideias sobre o jogo de posição. Mais importante do que saber se movimentar é também saber quando ficar parado. Isso confundiu sobre ser um jogo estático, sem mobilidade. Mas quem fala que o jogo de posição não pode se movimentar não entendeu ainda. É um jogo onde existe liberdade, onde a posição da bola e o espaço são determinantes, e as decisões são tomadas de acordo com o contexto defensivo do adversário. A partir disso é um efeito dominó. Quem acompanha o nosso time percebe que existe muita mobilidade, movimento e uma relação muito forte com o nosso adversário e com o espaço.
Assimilação ao modelo
- Nós treinadores, em relação aos jogadores, somos grandes vendedores. Tem que existir respeito sobre o que um jogador pode oferecer dentro de um coletivo. Existe os jogadores que jogam em espaços menores, como tem no nosso time, os que jogam em espaços maiores como são nossos extremos no sub-20. Minha análise com a comissão técnica é o que cada jogador pode oferecer individual e coletivamente para a equipe. A partir daí desenvolvemos a percepção deles do jogo.
- Por exemplo: quando o extremo pressiona o zagueiro, o lateral é o homem livre; quando o meia pressiona o zagueiro, o volante é o homem livre; quando a linha adversária sobe muito, as costas da linha é momento de vantagem. São alguns critérios que ensinamos os jogadores a perceber. O desafio é potencializar o talento do jogador do Vasco, que o jogo esteja à disposição dos nossos jogadores e não o contrário. Acho que o jogo de posição é ferramenta para desenvolvimento e performance.
Números e títulos
- É um trabalho de muitos braços. Trago minhas ideias, a comissão técnica tem muita vontade de trabalhar no dia a dia, a diretoria também, e os jogadores têm sido fantásticos. Quem corre muito, se dedica e trabalha são eles, eles que são os protagonistas. Tem 12 clubes que querem ganhar a Taça Guanabara, mas só um vai conseguir, o mais competente. A competição premia a equipe mais consistente. A gente comemora cada vitória no vestiário como se fosse uma final. Nossa busca é representar bem o Vasco, gerar orgulho no torcedor, e o nosso jogador tem esse compromisso. Estamos felizes com os números, mas vamos em busca do Carioca.
Integração com o profissional
- O primeiro ponto para uma integração positiva é comunicação entre as partes. Hoje no Vasco a gente consegue trocar ideias sobre os jogadores. A base tem vitórias vistas por todos, mas tem as ocultas. Os títulos todo mundo vê e comemora, o desenvolvimento e integração são vitórias de dentro do clube. O trabalho é para que o garoto que chegou no futsal consiga ter uma boa transição e tudo que ele aprendeu no clube seja aproveitado no momento final. É um trabalho que o Brazil iniciou lá atrás e que rende frutos agora. Quem ganha é o Vasco.
Campeonato Carioca
- Nosso discurso é ser humilde e trabalhar muito, trabalhar mais do que todas as outras equipes. Os jogadores têm acredito que é isso que dá retorno e consistência. Sempre que entramos em campo buscamos vencer e ganhar títulos. A gente quer desenvolver nossos jogadores, mas queremos desenvolver ganhando.
Vasco fora do Brasileiro Sub-20
- Os jogos de bom nível ajudam a desenvolver a equipe, inegável que tem um déficit nisso e também existe para os clubes que não enfrentarão o Vasco. O Flamengo, por exemplo, teve a melhor campanha geral no Brasileiro, e vencemos eles por 2 a 0 no jogo decisivo da Taça Guanabara. Nossos jogadores tiveram grande minutagem nos últimos anos, o que diminui a falta que o Brasileiro possa fazer esse ano. A gente teve mais tempo para treinar, e treinos desenvolvem também. Além disso, o Carioca dá jogos de bom nível toda semana. Tanto o Vasco quanto o Brasileiro perde com isso.
Fonte: ge