Romário faz teste de ancestralidade genética: 'Já posso meter essa: sou europeu, africano e amazônico'
'Já posso meter essa: sou europeu, africano e amazônico', diz Romário após teste de ancestralidade genética
Acostumado a participar de grandes decisões, seja dentro de campo ou na política, foi com expectativa que Romário viu durante muito tempo outras pessoas descobrirem o que ele só podia imaginar. "Já tinha visto ou lido algumas matérias sobre outras pessoas, principalmente negros do nosso Brasil, que tinham feito esse tipo de exame. Achei bem interessante que agora pudesse chegar a minha vez."
Ex-jogador de futebol e senador reeleito (PL-RJ), Romário esperou a poeira da corrida eleitoral baixar para receber a reportagem de Ecoa em sua casa no Rio e conversar sobre o que descobriu sobre suas origens. Curioso com o convite, ele topou fazer um teste de DNA que revela a ancestralidade genética.
Para quem não sabia além das histórias contadas pelo pai, Edevair de Souza Faria, morto em 2008, e a mãe, Manuela Ladislau Faria, a falta de resposta para as insistentes perguntas dos filhos sobre os antepassados começou a pesar. "A gente já tinha conversado sobre saber de onde eram os avós, bisavós deles. Mas, fora isso, nada."
Agora, o baixinho descobriu que as terras em que brilhou jogando por Valência e Barcelona e onde viu seu segundo filho mais velho nascer é a mesma de alguns de seus antepassados - 37% de seu material genético vêm da Península Ibérica. O exame mostrou ainda que as conexões dele com a Itália vão além da final da Copa de 1994, em que ele conquistou o tetracampeonato mundial.
O detalhe que mais o agradou, no entanto, foi a indicação de quais países compõem sua ascendência africana. Já a maior surpresa ficou por conta da presença de povos originários na herança genética. Tudo somado já faz Romário antever que poderá contar vantagem na mesa do bar.
"Eu já posso jogar uma pilha na roda de conversa com amigos: 'desculpa, mas sou europeu, africano e amazônico, diferente de vocês'. Já posso meter essa. Hoje tenho total consciência, sei realmente de onde eu vim e todo meu histórico lá atrás. Sei que tenho pezinho na África, na Europa e na Amazônia.
Romário, ex-jogador de futebol e senador pelo PL-RJ
Futebol em quatro continentes
Depois de começar no "Estrelinha", time que seu pai criou ainda para que ele pudesse treinar com outras crianças, a trajetória de Romário no futebol percorreu quase tantos continentes quanto os que aparecem em seu teste genético.
"Já tive a possibilidade de jogar em quatro continentes"
Nas Américas, de onde vêm 10% de seu material genético, ele vestiu as camisas do Olaria, Vasco, Flamengo, Fluminense, América e, no finzinho da carreira, desembarcou no Miami-FC, dos Estados Unidos.
O holandês PSV e os espanhóis Barcelona e Valência são representantes do continente que está presente em 56% do DNA do baixinho. Nos 22 anos de carreira sobrou tempo para atuar na Ásia, onde defendeu o Al-Sadd, do Qatar, e na Oceania, onde atuou pelo Adelaide United, da Austrália. Enquanto o Oriente Médio responde por 2% de seu material genético, o continente oceânico não está nos genes do dele.
"Eu sou um negro mundial. Isso é muito legal. Fico muito feliz de falar sobre isso, porque é importante saber nossa história, quem a gente foi. Nossos ancestrais, a nossa origem"
Romário, ex-jogador de futebol e senador pelo PL-RJ
Aquela coisa com a África
Enquanto enumera os continentes onde já desfilou, Romário se dá conta de uma ausência. "Só não joguei na África."
Apesar de ter visitado países africanos enquanto jogava por algum clube ou pela seleção brasileira ("Já fui à Nigéria, África do Sul, Senegal, Zimbábue, Angola"), o ex-jogador não integrou uma equipe da região.
Ao comentar esse trecho do resultado do teste genético, a fala e a fisionomia de Romário se transformam. O ar burocrático e até displicente sai de cena. O orgulho entra em campo, acompanhado de pertencimento a respeito.
"Me sentir representado, eu me sinto em todos (países que estão em seu exame). Mas é claro que a África tem uma coisa assim mais minha, né? Apesar disso, nunca tinha passado por mim a possibilidade de ter ascendentes dali"
Apesar do carinho com que fala do continente, a África não é preponderante no DNA do baixinho. Representa 30% do material genético dele, que vem de lugares como Costa da Mina (dos países Nigéria, Gana, Togo e Benim), leste (da Tanzânia à África do Sul) e oeste africanos (que compreende de Camarões à República Democrática do Congo), além de etnias como mandê (do Mali à Costa do Marfim) e khoisan (de Angola a Botsuana).
"Fico muito honrado e feliz de saber que tenho na minha origem um pedaço europeu, outro africano... Mas esse lado nunca passou pela cabeça. É uma satisfação saber que, apesar de ser um negro mundial, eu tenho 10% dos povos indígenas do Brasil. É do caralho.
Romário, ex-jogador de futebol e senador pelo PL-RJ
Ancestrais ibéricos, filho espanhol
Quando destrincha suas origens genéticas e as combina com as memórias, Romário vai posicionando no mapa encontros com sua história.
"Pra você ver: na Espanha, que, ao lado de Portugal, é onde tenho grande parcela no DNA, foi onde meu filho nasceu. Coincidência. Romarinho nasceu no Barcelona", diz.
Ele se refere ao segundo de seus seis filhos, que nasceu em 1993, durante a passagem do baixinho pelo Barça. Além do atual atacante do Blumenau Esporte Clube de 29 anos, a prole de Romário é composta por Moniquinha, 31; Danielle, 25; Isabellinha, 20; Raphael, 20; e Ivy, 17.
Vestindo a camisa azul e grená, ele venceu os títulos do Campeonato Espanhol (1993-1994), da Supercopa da Espanha (1994) e de melhor jogador do mundo da Fifa (1995).
Ainda da Europa, o segundo país com maior participação no DNA do ex-jogador é a Itália. Um dos mais tradicionais rivais da seleção brasileira, o país faz parte de um dos capítulos mais importantes da história do baixinho: a vitória na Copa do Mundo de 1994.
Daquele dia, a lembrança foi a encarada que o astro italiano Roberto Baggio deu em Romário enquanto os dois times estavam perfilados no túnel antes de a partida começar no estádio Rose Bowl. "Não era racismo, nem preconceito. Era respeito. E medo: 'caralho, esse filho da puta vai me foder'.", brinca.
Tabelinha petista-bolsonarista
Em 2010, Romário trocou os campos pelas cadeiras do Congresso Nacional. Naquele ano, já foi deputado federal pelo PSB do Rio de Janeiro com mais de 146 mil votos e, desde 2014, é senador da República. Nas eleições de 2022, foi reeleito pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro.
Romário é categórico ao afastar a hipótese de que o teste de DNA mude de alguma forma sua atuação política ("Não tem por que mudar minha forma de viver, de pensar"), mas diz ver com bons olhos iniciativas que reforcem ações afirmativas para todos terem a mesma oportunidade que ele. "Dá pra gente pensar e mostrar para as pessoas de onde elas são. É bem interessante."
Não é incomum Romário ser confrontado com a ideia de representatividade. Mesmo que das formas mais incomuns. Quando disputou o governo do Rio de Janeiro, a candidata petista, a filósofa Márcia Tiburi, esqueceu dele ao falar da participação de negros na política. "Se vocês olharem para os nossos candidatos, só temos candidatos brancos. E, de mulher, infelizmente só eu. Tenho chamado de política do mais do mesmo".
"Queria só fazer uma correção para a candidata professora Márcia Tiburi. Eu sou o negro aqui desse debate", rebateu Romário.
Talvez por isso, a pauta racial divida a atenção do parlamentar com as ações ligadas a fiscalização de gastos, pesquisa e ciência, e pessoas com deficiências e doenças raras — sua filha caçula, Ivy, tem síndrome de Down. Isso gera parcerias inusitadas no mundo polarizado da política partidária. Ele é relator de vários projetos de lei em co-relatoria com outro senador negro: Paulo Paim (PT-RS).
"Apesar dele [Paulo] ser do PT, é um dos grandes parceiros e amigos que fiz. A gente tem muitas parcerias. Muitos dos projetos de que ele é autor eu relatei. Nossa tabelinha é perfeita"
Aprovado no Senado e já encaminhado à Câmara dos Deputados, um dos projetos da dupla tipifica a injúria racial como crime de racismo. No fim de 2021, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os crimes de injúria racial não prescrevem. Além de absorver transformar em lei a decisão do STF ao incluir a possibilidade de injúrias serem punidas como racismo, os senadores ampliam a punição nos casos em que os crimes são cometidos por mais de duas pessoas.
Sem paciência para racismo
Romário diz que nunca foi alvo de ações racistas. "Todos os lugares em que estive, as cidades e países onde passei sempre me receberam muito bem. Sempre me respeitaram muito."
Ele sabe, porém, que esta não é a regra para muitos de seus colegas. "Infelizmente ainda existem muitos ignorantes, e a gente tem acompanhado muito, principalmente na Europa, infelizmente na Espanha, onde eu tenho uma origem.É uma tristeza", diz.
Pelo menos dentro de campo, a solução é que os órgãos competentes punam os infratores, diz o parlamentar.
"Enquanto não tomarem decisões mais drásticas para o banimento total das pessoas que praticam racismo, o futebol não vai melhorar. Já existe um movimento muito forte de combate, está acontecendo. Mas na minha opinião, ainda falta. As pessoas têm que ser presas"
Romário, ex-jogador de futebol e senador pelo PL-RJ
Resultado com a família
Ainda que tenha encontrado coincidências e se surpreendido com alguns detalhes, Romário está digerindo o resultado de seu DNA aos poucos. "Eu ainda nem abri o papo com meus filhos, nem ninguém, pois queria um pouco entender das minhas próprias famílias", diz. O exame ficou pronto em plena corrida eleitoral, que ele liderou com folga. Não sem dissabores: viu um concorrente, o ex-deputado federal Daniel Silveira (PRT), mesmo inelegível, receber o apoio de Bolsonaro, seu colega de partido.
A partir de agora, Romário já planeja que toda a família possa fazer o mesmo exercício ancestral que ele.
"Eu nunca pensei em ter esse tipo de informação. Depois disso, quando souber um pouco mais, vou começar a elaborar o de toda a família. Vai ser uma novidade para todos."
O objetivo é encontrar antepassados nos lugares indicados no teste. Já imagina que a missão não seja tão árdua na Europa ("Na Espanha e em Portugal talvez não vou ter tanta dificuldade"), mas promete não recuar diante do desafio que enfrentará em outros lugares. "Pode ter certeza que eu vou levantar de todos da minha família, e vou chegar em alguém específico da África. Talvez exista. Ninguém sabe, né?"
Para ele, motivos não faltam. A mãe, Dona Lita, de 86 anos, tem Alzheimer, e os parentes mais próximos, tios e tias, estão na faixa dos 60 e 70 anos. Neste cenário, descobrir sobre é ajuda a escrever e preservar a história sobre a identidade da família. "DNA significa, pra mim, a sua verdadeira origem".
"É bom a gente saber de onde a gente vem, quem são nossos ancestrais e o que a gente carrega com a gente ao longo do tempo.
Romário, ex-jogador de futebol e senador pelo PL-RJ
ORIGENS: QUARTA TEMPORADA
Promovido por Ecoa, Origens está em sua quarta temporada. Esta edição contou com o evento "As histórias que nos trouxeram aqui", em que celebridades e ilustres anônimos contaram como buscaram respostas sobre o seu passado ou agiram para transformar, cada qual à sua maneira, seus núcleos familiares.
Os intervalos de cada painel contaram com apresentações de slam conduzidas pela poeta e compositora Bell Puã e de stand up lideradas pela humorista e apresentadora dos programas Splash Show e Otalab, do UOL, Yas Fiorelo. A apresentação e mediação dos encontros foi feita pela jornalista Semayat Oliveira.
Além disso, esta temporada conta com perfis de ex-jogadores que disputaram a Copa do Mundo e toparam fazer um teste de DNA para explorar sua ancestralidade. Você também confere um trecho em vídeo do papo com o César Sampaio no Instagram de Ecoa. As reportagens sobre os outros atletas estão a seguir:
Fonte: Blog ECOA - UOL