O "Zé" do dia a dia virou "Mister", e, no papel, Zé Ricardo passou a ser Zé Ricaldo. Em dois meses, a vida do treinador brasileiro se modificou intensamente após a aceitação de um convite do futebol japonês. Quando vivia seu melhor momento com o Vasco na temporada 2022, Zé Ricardo recebeu proposta do Shimizu S-Pulse, time da primeira divisão da J-League, e ficou balançado, tendo que tomar o que chama de "decisão mais difícil da carreira".
De um lado, estava o projeto com um dos grandes clubes do Brasil, no qual ele foi o responsável por montar o elenco do zero e tinha a missão de levar o time de volta à primeira divisão. Do outro, a oportunidade de voltar a trabalhar fora do país, de viver no Japão com a família e de encontrar maior estabilidade — cenário que provavelmente não haveria diante da chegada da SAF no Vasco.
"Ao clube daqui, cheguei a pedir que esperasse para o ano que vem, mas como eles tinham feito já a troca do treinador, falaram que não poderiam esperar, que teria que decidir rápido. Em uma semana acabei tomando a decisão." — Zé Ricardo, técnico do Shimizu S-Pulse
— Teve o jogo contra o Grêmio, e logo depois houve a proposta oficial, mandaram para mim o contrato. E infelizmente da noite para o dia tive que tomar a decisão de vir para cá — disse Zé Ricardo em entrevista ao Gringolândia, podcast de futebol internacional do ge (ouça acima).
O convite do Japão chegou para Zé Ricardo uma semana antes do duelo contra o Grêmio, no dia 2 de junho. O treinador, então, levou o tema para uma conversa com o presidente do clube, Jorge Salgado, sobre os planos de futuro. Zé afirma que Salgado indicou que, se dependesse dele a decisão de permanência do técnico mesmo após a vinda da SAF, tudo estaria resolvido. Com boa relação com o presidente, Zé entendeu que o cenário dos meses seguintes seria de incerteza.
A sensação também teve origem no fato de os representantes da 777 não terem chamado Zé Ricardo para uma conversa formal sobre sua permanência no clube quando o processo de SAF fosse consolidado — o que só aconteceu neste mês.
— Na verdade, alguns representantes das 777 estiveram no CT para conhecer a estrutura. Conversamos alguma coisa, mas muito en passant, a gente não teve nenhuma conversa visando o futuro. Não foi puxado esse assunto por parte deles, e obviamente me mantive na minha posição, pois a SAF não estava consolidada, e eu entendia que não deveria puxar esse assunto, que deveria partir deles. Mas eu estava muito feliz trabalhando no clube — lembra.
Zé Ricardo reitera que o fato de ter começado a pensar no projeto do Vasco ainda no fim do ano passado, quando foi convidado pelo presidente do clube, o balançou e o fez criar um vínculo ainda mais forte com o Vasco. Foram 22 jogadores contratados, todos, na opinião do técnico, comprometidos com a causa de levar o clube de volta à primeira divisão.
— Confesso que foi uma das decisões profissionais mais difíceis da minha vida, ter que sair. Até porque me sentia muito responsável por tudo aquilo que estava acontecendo com o Vasco, até pela primeira vez ter montado o elenco do zero, a dificuldade que passamos no Carioca, depois a retomada. A gente estava começando a crescer na competição, a gente tinha um caminho a seguir, que está sendo seguido pelas pessoas que estão lá. Mas tive que tomar a decisão, e agora é torcer aqui para que dê tudo certo lá e aqui também.
Os planos de Zé Ricardo no Japão
Zé Ricardo está vivendo sua segunda experiência como técnico fora do Brasil. Depois de um início difícil com o Shimizu, ele agora começa a colher alguns frutos do trabalho, com a melhor sequência desde que chegou ao futebol japonês, com duas vitórias e um empate. Sua equipe está na 12ª colocação da J-League, e ele sabe que o objetivo da temporada é fugir do rebaixamento.
Porém, além do aspecto dentro de campo, de tentar colocar em prática um trabalho em outro futebol, Zé Ricardo está animado com a experiência de viver em um novo país. Há dois meses no Japão, ele ainda está mobiliando a casa onde vai morar, e por enquanto fica em um hotel. O fuso-horário deixou de ser um problema, mas a língua, naturalmente, ainda é um obstáculo.
— A gente vai fazendo mímica. Uma coisa específica do povo japonês é que ele quer ajudar demais. No mercado, na rua, no transporte, se ele percebe que você tem uma dúvida, ele vai parar o que está fazendo para te levar. Dentro de campo, temos o tradutor, que é o nosso braço direito e acaba salvando a gente. No jogo é importante, a informação precisa ser rápida, ele tem que estar no nosso lado. Mas a gente acredita que com o tempo essas dificuldades vão diminuindo também.
Zé conta que já passou pela experiência de pedir um prato achando que tratava-se de frango e receber um outro de porco — o que não o impede de se aventurar pela culinária japonesa. Porém, ele já aguarda o dia em que estará morando em sua casa para poder fazer uma farofa, com ingredientes que já deixou separado, e talvez um feijão, vindo de um mercado brasileiro da cidade vizinha, Hamamatsu.
— Na verdade, estipulei isso para mim e minha família, depois de quatro anos como profissional no Brasil, ter uma experiência fora. Eu gostaria realmente de trabalhar fora do país, porque entendo que isso agregava muito à minha carreira profissional e à minha família, que sempre participou das minhas decisões e sempre esteve convicta que seria uma oportunidade para nós, minha esposa e meu filho, para poderem viver outra cultura, aprender outra língua — conta.
O brasileiro está morando em Shizuoka, cidade onde está localizado o Monte Fuji, ponto turístico famoso do Japão, que Zé ainda não teve tempo de visitar, embora já faça planos para isso.
Entre seus objetivos está, também, ajudar a fazer da J-League novamente um bom mercado para técnicos brasileiros, como no passado: Emerson Leão, por exemplo, já foi treinador do Shimizu. O próximo duelo de Zé, inclusive, será contra o Kashiwa Reysol, comandado por Nelsinho Baptista, um dos mais famosos treinadores brasileiros no futebol japonês.
Enquanto sua esposa e seu filho não se mudam definitivamente para o Japão, o que está planejado para 2023, Zé vai convivendo com cinco atletas brasileiros em seu elenco e recebendo o carinho dos torcedores japoneses, que têm dificuldade em falar e escrever o "R" de Ricardo. Por isso, seu nome para muitos vira Zé Ricaldo.
— Às vezes, não conseguem escrever meu nome, porque dificilmente falar o R. Escrevem Zé Ricaldo. Mas os jogadores chamam de Mister. E me pediram um codinome, que aqui todo mundo tem. Eu falei "Coloca professor", já que eu sou professor" — brinca.
Fonte: ge