O Vasco encara o Sport no Maracanã neste domingo, às 16h, já vitorioso. Uma derrota na partida pela Série B pode até trazer sabor agridoce ao fim de semana, mas não apagará o gosto de triunfo sentido desde que o clube comprou a briga com Flamengo e Fluminense e transferiu o jogo para o estádio. Para além do fogo cruzado de narrativas, ações na Justiça e provocações nas redes sociais, fica a certeza de que o conflito está longe de terminar.
Há muito em jogo. Passa pelo trampolim financeiro que o estádio cheio proporciona. Mesmo com mais custos, o Vasco ganha hoje o triplo quando enche o Maracanã em comparação a São Januário. Em 2019, o Flamengo acumulou, apenas com a venda de ingressos, R$ 109 milhões líquidos, o equivalente à metade de toda a receita do cruz-maltino naquele ano.
Existe também o aspecto institucional. Atrelar-se ao Maracanã, com tudo que ele representa, é sinal de força. Mário Bittencourt, em ano eleitoral, enaltece a elevação do status do Fluminense. Na parceria que formalizou com o Flamengo sexta-feira, para gerir o Maracanã, o tricolor apareceu como sócio, não mais interveniente, como é hoje.
Gestão é ponto-chave
Reside no controle do Maracanã um dos pontos mais difíceis do impasse. O Vasco diz que teve o desejo de ser um terceiro sócio na gestão do Maracanã negado pelos rivais. Do outro lado, Flamengo e Fluminense negam que tenham tratado do assunto tão diretamente quanto o cruz-maltino afirma. Entre as versões, um fato: a dupla Fla-Flu está se preparando para apresentar proposta assim que o edital de licitação for publicado pelo Governo do Estado. A previsão é de que isso aconteça até o fim do mês. E o Vasco não está com eles.
O cruz-maltino rebate que participará da licitação, mesmo sem os dois. Os dólares da 777 Partners, prestes a comprar a SAF do Vasco, são peça nova no tabuleiro. Especula-se até que John Textor, dono do futebol do Botafogo, seria convidado por Josh Wander, um dos sócios da 777, a discutir visão conjunta para o estádio.
Uma solução para o racha seria o Poder Público retomar o controle do Maracanã, como foi de 1950 até 2013. Mas não é de interesse do governador Cláudio Castro trazer o complexo para dentro do Palácio da Guanabara novamente. Os clubes também não querem isso.
"O Fluminense entende que o melhor para o Estado e para os clubes é a administração do Maracanã ser feita pelos próprios clubes, como vem ocorrendo com muito sucesso. Devolver ao Estado, a nosso ver, seria um retrocesso de toda a evolução alcançada até hoje", afirmou o tricolor, em nota.
Até o momento, a principal solução encontrada pelo governo estadual para resolver o impasse é tentar forçar acordo entre as partes. A exigência de no mínimo 70 partidas por temporada no Maracanã, caso conste no edital, pode dificultar a ideia de Flamengo e Fluminense de seguirem sozinhos na gestão do estádio. O Vasco então, nem se fala.
O rubro-negro refuta essa interferência e tenta colocar pressão sobre o Governo do Estado com reuniões com o prefeito Eduardo Paes para tratar de um terreno onde possa construir seu estádio próprio. O Vasco diz que se encontrar no edital algo que considere direcionamento à dupla Fla-Flu, irá judicializar a licitação.
Para o Flamengo, a solução para o impasse é a confirmação do Vasco como locatário do estádio:
"Flamengo e Fluminense gerenciam o Maracanã e, de forma conjunta, cedem esporadicamente algumas datas ao Vasco, desde que previamente acordadas e ajustadas no calendário, sem risco de danificar o gramado. Assim, nos demais jogos, seria possível que o Vasco utilizasse o próprio estádio".
É justamente essa incerteza que o Vasco rejeita:
"A melhor solução seria entendimento entre os três clubes grandes que têm interesse. O Vasco pretende utilizar o Maracanã apenas para grandes jogos. Estimamos algo como 12 a 15 partidas por ano. Partindo dos 70 jogos/ano, e utilizando critérios objetivos como média público, o Flamengo poderia fazer os seus 35 jogos anuais no Maracanã e o Fluminense algo como 20 ou 23 jogos. Oferecemos São Januário ao Fluminense como alternativa para compor o calendário. Ainda temos o Nilton Santos. O que não faz sentido é realizar jogos com 10 mil ou 15 mil no Maracanã e deixar fora partidas com potencial de 70 mil".
Grama sintética
Até mesmo a proposta dos 70 jogos mínimos esbarra numa questão: são muitos jogos para o gramado do Maracanã aguentar. Ao longo do ano, o desgaste fica evidente, o campo ruim prejudica a qualidade do jogo e aumenta o risco de lesões.
Para tentar vetar o jogo de hoje, Flamengo e Fluminense alegaram os gastos recorrentes com a manutenção do campo. Destacaram também que há o risco de danificar o gramado, escorados em laudo da empresa de gramados Greenleaf.
No Allianz Parque, estádio do Palmeiras, isso não seria problema. Com grama sintética desde 2020, recebe jogos do profissional e partidas de maior apelo da base e do time feminino. Tem calendário extenso de shows — estão programados seis até novembro, com o Brasileiro ainda em andamento. Esse ano, foram 26 jogos no verde artificial do estádio. Hoje, o Vasco fará o 31º do Maracanã em 2022.
Alessandro Oliveira, CEO da Soccer Grass, empresa responsável pela grama sintética do Palmeiras, defende o piso e ressalta: os resultados do alviverde no período levam a crer que o campo não tem atrapalhado. Entre os três clubes que se acotovelam por espaço no Maracanã, a ideia de grama sintética no estádio não agrada.
Confira abaixo as respostas de Flamengo, Fluminense, Vasco e Governo do Estado sobre quais poderiam ser as soluções para o impasse do Maracanã:
Flamengo
Qual seria uma solução duradoura, na visão do Flamengo, para o impasse envolvendo o uso do Maracanã?
Há três anos o Vasco abriu mão de participar da licitação e coube a Flamengo e Fluminense investir e gerir o estádio, o que vem fazendo com sucesso, de forma técnica e criteriosa, valendo lembrar, ainda, que tanto Flamengo quanto Fluminense tiveram que deixar de jogar no Maracanã por diversas vezes para preservar o gramado.
No entanto, Flamengo e Fluminense nunca foram contrários à utilização do Maracanã pelo Vasco ou por qualquer outra equipe. A realidade é que existe por parte dos dois Clubes um compromisso com a qualidade do espetáculo e com a saúde dos atletas e isso passa por um gramado em boas condições de jogo. Esse é um desafio que fica ainda maior nessa época do ano, quando as condições climáticas de inverno e a baixa insolação no gramado, aliados a grande concentração de jogos, torna impossível manter mais do que dois times jogando no estádio, principalmente considerando o período de recuperação entre jogos inferior a 48 horas e com até três jogos semanais, sem que haja uma brutal queda na qualidade do campo.
Flamengo e Fluminense tentaram viabilizar a utilização do estádio por terceiros, contudo os resultados causados no campo de jogo foram péssimos. A empresa responsável pela manutenção da grama do estádio do Maracanã constatou que as condições do gramado, após jogos seguidos, sem o intervalo mínimo apropriado para recuperação, não era salutar para a realização dos jogos, de modo que emitiu laudo recomendando diversas intervenções e, ainda, a paralisação por tempo maior. Diante disso, mostrou-se inviável que o Maracanã recebesse mais de 2 jogos por semana, como forma de salvaguardar todo o investimento feito na troca do gramado.
Flamengo e Fluminense gerenciam o estádio e, de forma conjunta, cedem episodicamente algumas datas ao Vasco, desde que previamente acordadas e ajustadas dentro do calendário, dentro de uma programação e sem risco de danificar o gramado. Assim, nos demais jogos, seria possível que o Vasco utilizasse o seu próprio estádio.
Qual é a visão do Flamengo sobre um eventual retorno do Maracanã ao Governo do Estado?
Seria obviamente um retrocesso, tendo em vista todo o histórico que temos de administrações anteriores, mas essa é uma decisão que está nas mãos do próprio Governo do Estado. Os três últimos anos, com Flamengo e Fluminense gerenciando o estádio, foram reconhecidamente por todos os melhores da administração do Maracanã.
Qual é a visão do Flamengo sobre uma eventual instalação de grama sintética no Maracanã?
O Maracanã é o templo do futebol. Seria um absurdo colocar grama sintética. Nas cinco maiores ligas do mundo, não existem gramados com grama sintética. A grama sintética é reconhecidamente danosa à saúde e à integridade física dos jogadores, acaba implicando em uma maior incidência de lesões. Temos um compromisso com a saúde dos nossos atletas. O que queremos é elevar a qualidade do futebol no Brasil e não diminuir.
Fluminense
Qual seria uma solução duradoura, na visão do Fluminense, para o impasse envolvendo o uso do Maracanã?
A solução é o Vasco mandar seus jogos no Maracanã, quando for possível, respeitando os requisitos técnicos, calendários e compromissos financeiros.
Qual é a visão do Fluminense sobre um eventual retorno do Maracanã ao Governo do Estado?
O Fluminense entende que o melhor para o Estado e para os clubes é a administração do Maracanã ser feita pelos próprios clubes, como vem ocorrendo com muito sucesso. Devolver ao Estado, a nosso ver, seria um retrocesso de toda a evolução alcançada até hoje.
Qual é a visão do Fluminense sobre uma eventual instalação de grama sintética no Maracanã?
O Fluminense não discutiu o assunto.
Vasco
Qual seria uma solução duradoura, na visão do Vasco, para o impasse envolvendo o uso do Maracanã?
O Maracanã é um equipamento público e a melhor solução seria um entendimento entre os clubes que manifestaram interesse, para que todos possam utilizar o estádio de acordo com suas características e necessidades, em bases pré-acordadas. O Vasco pretende utilizar o Maracanã apenas para seus principais jogos, com alta demanda de público. Estimamos algo como 12 a 15 partidas por ano. Para os demais jogos temos nossa casa, São Januário. Partindo dos 70 jogos/ano preconizados pelo governo do estado, e utilizando critérios objetivos como média público, o Flamengo poderia fazer os seus 35 jogos anuais no Maracanã e o Fluminense algo como 20 ou 23 jogos. Oferecemos São Januário ao Fluminense como alternativa para compor o calendário, e na nossa cidade ainda temos o Nilton Santos. O que não faz nenhum sentido é realizar jogos com 10 mil ou 15 mil espectadores no Maracanã e deixar de fora partidas com potencial de 70 mil torcedores, como essa que o Vasco joga nesse domingo contra o Sport.
Qual é a visão do Vasco sobre um eventual retorno da gestão do Maracanã ao Governo do Estado?
O Vasco acredita que os clubes são perfeitamente capazes de gerir o Maracanã, desde que haja uma licitação com oportunidades iguais de participação, racionalidade, regras claras, e, idealmente, com os clubes em entendimento. O Maracanã foi construído com impostos pagos por cariocas e fluminenses e deve cumprir sua função social de estar aberto para receber os torcedores de todos os clubes do Rio, em igualdade de condições. O Maracanã é um importante gerador de empregos e de renda para empreendedores locais e para o estado, por isso seu uso deve ser otimizado. No último jogo do Vasco contra o Cruzeiro no Maracanã recebemos torcedores de 22 unidades da federação. O que ninguém pode admitir é a tentativa de se apropriarem de um bem público cerceando o direito de outros, como, aliás, ratificou o Tribunal de Justiça do Rio em decisões recentes.
Qual é a visão do Vasco sobre uma eventual instalação de grama sintética no Maracanã?
Temos a tradição de jogar com grama natural e entendemos que seria preferível, e possível, manter o Maracanã assim. O que não se pode admitir é que sejam impostas restrições ao justo direito dos clubes do Rio de jogar no Maracanã. A grama sintética é uma realidade no Brasil e no mundo, a tecnologia vem avançando rapidamente. Entendemos que em uma situação limite, essa sim pode ser uma solução.
Governo do Estado do Rio
Qual seria uma solução duradoura, na visão do Governo do Estado do Rio, para o impasse envolvendo o uso do Maracanã?
O Governo do Estado trabalha com um cronograma de lançamento do edital de concessão do Maracanã ainda em julho, que deverá ocorrer sem grandes alterações na modelagem que foi apresentada e discutida nas audiências públicas.
Qual é a visão sobre um eventual retorno da gestão do Maracanã ao Governo do Estado?
Não houve resposta.
Qual é a visão do Governo do Estado sobre uma eventual instalação de grama sintética no Maracanã?
Isso será debatido e tratado pelo vencedor da licitação.
Fonte: O Globo