O Vasco provavelmente é o melhor exemplo do futebol que tem dado resultado nesta edição da Série B. Em dez partidas, sofreu apenas três gols. A melhor defesa é acompanhada de um ataque não tão bom, com apenas oito gols, o que explica a quantidade de empates — seis na competição. Os números não empolgam amantes de um jogo mais vistoso, mas têm sido suficientes para deixar o cruz-maltino entre os quatro primeiros, no grupo que sobe para a Série A.
Trata-se de uma Série B que mostrou, até aqui, superioridade das defesas em relação aos ataques. Proteger-se bem tornou-se o melhor caminho para uma equipe brigar pelo sonhado acesso. Fenômeno que se reforça com o passar dos anos.
Desde 2018, a soma do número de gols sofridos pelos quatro primeiros nas nove primeiras rodadas da Série B cai, temporada após temporada. Foi de 32, cinco anos atrás, para menos da metade esse ano: 14. Os números da 10ª rodada não foram levados em consideração porque ela ainda está em andamento.
Marcelo Cabo dirige clubes na Série B desde 2015, com um título e dois acessos para Série A no período. Para o técnico, as partidas na competição mudaram ao longo do tempo:
— Peguei fase em que era completamente o contrário, com supremacia da parte ofensiva. As defesas erravam muito. O time que marcava com muita pressão naquela época, que obrigava o adversário a errar, tinha muitos privilégios. De 2019 para cá, isso mudou.
Jogo reativo
A supremacia das defesas sobre os ataques é geral. A Série B deste ano chama atenção pelo número pequeno de gols marcados. Até os jogos de quinta-feira, a média era de 1,64 por partida. Cinco anos atrás, a competição terminou com média de 2,23.
Nem mesmo o Cruzeiro, líder com alguma folga neste início de competição, conseguiu se destacar ofensivamente por enquanto. Até a nona rodada, havia marcado apenas dez gols. Com todos os ataques nivelados por baixo, quem se defende melhor é premiado.
A estratégia de jogo é muitas vezes focada no estilo reativo. Equipes que marcam com as linhas baixas, preferindo atrair o adversário até o campo de defesa. Na sequência, tentam a transição rápida com a esperança de pegar zagueiros e laterais adversários pior posicionados na marcação.
Isso não necessariamente ocasiona times com poucos gols marcados. Há equipes que fazem muitos gols jogando no contra-ataque. Porém, a falta de jogadores de maior qualidade para atuarem do meio para frente dificulta que mesmo o estilo macetado funcione. E os defensores levam vantagem.
— O perfil de jogador da Série B mudou. O investimento das equipes aumentou, a busca por opção ofensiva também, mas o material humano ficou mais escasso — acredita Marcelo Cabo: — A Série A acabou puxando muitos jogadores de ataque da Série B, a partir do momento em que os que se destacam na A deixam o Brasil. As opções de ataque ficaram muito difíceis. Se olhar nos últimos três anos, a dificuldade das equipes da Série B de encontrar um camisa 9 é muito grande.
O que o Cruzeiro conseguiu fazer — manteve Edu, artilheiro da Série B passada, pelo Brusque, por mais uma temporada na divisão inferior — realmente é raridade. Os outros três principais goleadores da segunda divisão em 2021 subiram de patamar na sequência. Rafael Navarro foi para o Palmeiras, Léo Gamalho seguiu para a Série A com o Coritiba e Dellatorre trocou o CSA pelo Atlético-GO.
Ajuda a prevalência das defesas o fato de que é mais fácil armar sistemas defensivos do que mecanismos de ataque. Organizar um time para se defender vem antes do que prepará-lo para fazer gols. Se até na seleção brasileira Tite costuma destacar que no último terço do campo é local onde o talento individual deve aflorar, especialmente no um contra um, no contexto de qualidade mais escassa da Série B, essa falta de virtude deixa os defensores em condição ainda mais confortável.
Com técnicos que privilegiam a contenção e contra atacantes não tão qualificados, a verdade é que a Série B se tornou ambiente propício para quem joga na defesa. Dos dez jogadores da competição com melhores notas no site Sofascore, sete são goleiros ou defensores — o zagueiro Oliveira, do Cruzeiro, aparece em primeiro, com 7,46.
Fonte: O Globo