Não importa se o vídeo retrata uma arrumação de geladeira, o preparo de um bife Wellington, a montagem de uma lancheira escolar ou se fala sobre teste de Covid-19. Tal como um Midas do deboche, nas mãos de Casimiro Miguel qualquer um desses temas se transforma em entretenimento.
"Eu só queria saber o que esses caras têm na cabeça achando que o Bill Gates quer saber da vida deles botando um chip no braço. Isso é brincadeira", diz em um vídeo sobre pessoas antivacina. "Ninguém quer saber, cara, o que que tu fica fazendo em Campo Grande aí, não."
O streamer, como é chamado quem faz transmissões ao vivo de jogos na internet, soma mais de 2,4 milhões de seguidores em seus canais no YouTube e 1,8 milhão na plataforma de vídeos Twitch —nesta última, mais de cem mil são assinantes pagantes, segundo o site TwitchTracker.
Com lives que se iniciam no fim da noite e por vezes se estendem até o raiar do dia, o carioca de 28 anos se notabilizou entre jovens transmitindo partidas de videogame e falando sobre sua grande paixão, o futebol. Foi depois de atrair mais de 5.000 espectadores simultâneos, enquanto assistia e reagia a uma série ficcional da influenciadora e hoje ex-BBB Viih Tube, que ele começou a levar a sério a ideia de ampliar o leque de assuntos e seu público. Deu certo.
"Eu tenho uma audiência da terceira idade gigantesca, que eu jamais esperaria", conta. "Nesses últimos meses, meu público feminino cresceu absurdamente. Você imagina que um streamer que fala de futebol e tem todos os estereótipos possíveis tem um público adolescente, masculino. Não é bem assim."
A maior parte desse público, explica, chega até ele por meio do canal Cortes do Casimito, no YouTube, em que são publicados trechos das longas transmissões feitas pela Twitch. "Se eu abrir o [site de métricas Google] Analytics do canal é doideira porque é muito nivelado [o perfil da audiência]."
Casimiro conversou com a coluna nesta semana por videoconferência. Além da onipresença do microfone preto e vermelho e do headphone desajustado, o retrato de Michael Jordan e as camisas de Neymar Jr. e Alex Teixeira que decoram a parede ao fundo faziam parecer que a entrevista se passava em uma de suas transmissões.
Tendo iniciado sua carreira como jornalista no canal fechado Esporte Interativo, hoje TNT Sports, Casimiro chegou a trabalhar no SBT Rio, que deixou recentemente. Filho dos portugueses Amadeu, 70, e Maria de Fátima, 66, ele se lembra do estranhamento dos pais quando falou que trocaria a televisão pelas lives.
"No início eles ficavam meio ‘mas você está ao vivo onde? Eu vi a TV e você não tava'. Hoje [em dia] eu estou em live e meu pai manda mensagem no WhatsApp: ‘Manda um abraço para mim'. E a minha mãe reclama quando ela acha que eu estou chamando ela de velha", diz, rindo.
"Sou filho único, pô. Supermimado. Isso é ruim, mas é bom, né?", conta sobre sua criação. "Eu sou a terceira tentativa de filho dos meus pais. Minha mãe perdeu dois filhos antes de eu nascer, quase faleceu. Fui uma criança muito esperada."
Foi por seu pai que ele decidiu se empenhar no streaming a partir de junho de 2020, quando se viu em casa por causa da pandemia do coronavírus. Amadeu é sócio de uma esfiharia no largo do Machado, na capital fluminense, e trabalhou no balcão da unidade até pouco tempo atrás.
"Quando vi que dava para ganhar dinheiro fazendo live, botei como meta tirar meu pai do trabalho. Meu pai trabalha desde sempre, e em pé", afirma Casimiro. Cerca de oito meses depois, Amadeu se aposentou. "Meu pai é o meu maior fã. Nada mais justo, agora que eu produzo 30 vídeos por dia, que ele veja todos. Ele precisa de tempo [para assistir]", brinca.
No dia 24 de janeiro deste ano, o streamer bateu o recorde nacional da Twitch ao transmitir, em primeira mão, o primeiro episódio da minissérie "Neymar — O Caos Perfeito" (Netflix). Na ocasião, ele reuniu 546 mil espectadores simultâneos. O pico de audiência foi o nono maior da história da plataforma no mundo, segundo o site StreamsCharts. Além de todas essas marcas, Casimiro ainda uniu duas gigantes concorrentes, Netflix e Amazon, já que a Twitch pertence à empresa fundada por Jeff Bezos.
"Eu nunca imaginei que tanta gente pudesse gostar do que eu faço, e isso é muito bizarro internamente. Acho que ter pessoas que eu admiro falando que gostam de mim e me acompanhando também é muito legal. Nunca imaginei, tipo, o Neymar me seguir. É um negócio que é de outro mundo, não tem cabimento", diz ele, que popularizou bordões como "meteu essa?", "aceitas Pix?" e "esquece".
O jogador do PSG chegou a convidar Casimiro para uma de suas festas no fim de 2021, mas o carioca não pôde comparecer porque, na véspera, recebeu o diagnóstico de Covid-19. O contágio se deu depois de ele fechar uma sala de cinema para assistir a "Homem-Aranha: Sem Volta para Casa" com um pequeno grupo de amigos. Seu relato tragicômico foi assistido por mais de 130 mil pessoas simultaneamente.
"Eu deveria ter um enredo para a minha live, mas não tenho mesmo. Eu boto um vídeo de 15 minutos e demora uma hora para terminar porque eu conto dez histórias. Não tem um roteiro programado, eu sigo o que vier na minha mente."
Ele diz não saber explicar seu alcance, já que fala o que vem à cabeça, ou como fura bolhas, mas arrisca um palpite: "Hoje em dia você comentar algo absurdo, você dizer o óbvio, virou motivo de exaltação. 'Putz, nossa, como esse cara é sensato. Casimiro é muito sensato'. Falou o óbvio. Para mim, é o óbvio."
O sucesso de Casimiro chegou até mesmo ao universo político e foi replicado por figuras como o deputado federal Marcelo Freixo (PSB), pré-candidato a governador do Rio de Janeiro, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD).
Paes compartilhou uma das falas de Casimiro em prol da campanha de vacinação de reforço contra a Covid-19. "Imagina os imbecis no chat que ficam ‘eu nunca vi isso de dose de reforço para vacina'. 'Se é tão boa, por que precisa de reforço?'", dizia o streamer na peça. "Toma o reforço, porra", emendava.
"Quem não entender agora jamais entenderá", comentou Paes. Casimiro não ficou muito contente com a iniciativa. "Tiveram figuras políticas que eu não vou dizer que se aproveitaram, mas que usaram esse vídeo para divulgar, para promover... Eu acho que, quando essas pessoas fazem isso, perde força", afirma à coluna.
"Quando eu falo do meu jeito, estou comunicando diretamente para esse cara [espectador]. E, quando uma figura que já está totalmente desgastada no meio de uma molecada usa isso, a galera fala: ‘Pô, olha onde o Casimiro tá, mano', ‘pô, foi parar lá no Twitter do político'. Eu tento cumprir um papel importante, só que às vezes o vídeo circula, ele é mal utilizado."
O carioca, que se considera progressista, também dispensa sugestões para que um dia entre na política institucional. "A galera fala: ‘Eu votaria em você'. Eu falo: ‘Pelo amor de Deus, cara, por favor, não faz isso. E quando tu for votar, vota direito, cara. Se tu tá falando que vai votar em mim, já tá errado aí, já tá indicando que tu não tá bem'."
"Obviamente que eu tenho que saber a responsabilidade de ser um cara que tem uma influência muito grande, que fala para muita gente, e eu estou entendendo aos poucos. Às vezes eu falo uma bobagem aqui, uma bobagem ali, e a galera fala: ‘Pô, Cazé, você tem um canhão na sua mão, não pode fazer isso'."
"Acho que o principal problema de ser famoso é essa exposição, cara. Eu tenho dificuldade de entender o que eu me tornei, sabe? Não gosto desse endeusamento do Casimiro porque no fim das contas eu sou o cara que senta e faz a live."
"Adoro quando a galera vem falar comigo, fala que é meu fã, é demais. Mas tem coisas que extrapolam. Tem gente que passa na minha rua buzinando, tem gente que passa na minha rua gritando meu nome. É muito bizarro. Tem gente que vai no meu colégio antigo e fica procurando minhas fotos em livro de formatura e tira foto", segue.
Enquanto suas lives e vídeos são assistidos por pessoas que buscam um entretenimento sem compromisso, Casimiro diz que seu relaxamento, por vezes, se dá fazendo as mesmas coisas que faria durante uma transmissão, mas sem milhares de espectadores acompanhando seus movimentos.
"Eu vou ligar a televisão, vou ver um jogo, vou conversar com meus amigos, vou conversar com a minha namorada, vou ver um filme. Acho que eu sei diferenciar bem o momento da live, o momento em que eu estou ali em voga, do momento em que eu sou só o mesmo Casimiro de sempre. É a melhor versão do Casimiro e que pouca gente conhece. Acho que o meu escape é a minha vida real."
Em casa, um dos ensinamentos passados a ele desde cedo foi o amor pelo futebol, sobretudo pelo Vasco da Gama. Apesar da predileção pela modalidade, Casimiro conta que sua primeira memória relacionada ao time está ligada a uma partida de basquete, aos cinco anos de idade.
"Lembro de ver meu pai comemorando uma vitória do Vasco no basquete. E aí eu falei: ‘Que isso, pai, que isso?' [diz, imitando uma voz infantil]. E ele falou: ‘O Vasco, o Vasco ganhou'. Eu nem sabia o que era o Vasco. O Vasco era uma ideia para mim."
Casimiro diz que foi o Gigante da Colina que o levou à sua namorada, Anna Beatriz, e ao seu primeiro emprego, no Esporte Interativo —ele tinha um perfil dedicado ao time no Twitter e isso foi um destaque durante o processo seletivo. Se hoje ele é um vascaíno satisfeito? "Aí você me complicou", responde.
"O Vasco é muito importante na minha vida, é peça fundamental para minha alegria como qualquer torcedor que ama o clube. Então ver o Vasco nessa situação me machuca muito. E uma galera já começou a me cobrar, né? Tipo o [humorista] Whindersson [Nunes]."
"O Whindersson, quando ficou famoso, eu cobrava ele lá no Twitter. Chatão. ‘E aí, compra um jogador para o Vasco' [escrevia para o humorista]. Achava o máximo, achava que eu estava arrasando. Hoje, quando acontece comigo, eu falo: ‘Meu Deus do céu, cara chato'. Que comprar um jogador para o Vasco, pelo amor de Deus!"
Recentemente, um dos jogos do Vasco foi transmitido exclusivamente por Casimiro na Twitch. A oportunidade surgiu por meio da LiveMode, empresa que gerencia os direitos de jogos esportivos e que fechou contrato com o streamer. Além de contar com a parceria, o carioca diz empregar cerca de dez pessoas para fazer edição, moderação e outros trabalhos nas plataformas em que atua.
"Não é um projeto pontual", diz sobre a LiveMode. "Acho que eu tenho tudo para realizar o meu maior sonho, que é fazer o máximo de transmissões possíveis assim, desse jeito que a galera aprendeu a gostar", afirma. Ele diz ver o modelo de transmissões via internet como revolucionário e, ao mesmo tempo, complementar à televisão.
Casimiro é hoje um dos canais oficiais do Campeonato Carioca de futebol, mas diz não querer parar por aí: por que não a Copa do Mundo? "Talvez essa Copa esteja muito na cara do gol", diz sobre a edição deste ano, no Qatar. "É sonho, e sonhar é lindo, não tem jeito. Mas melhor que sonhar é realizar, então a gente vai atrás."
"Não sei por quanto tempo que eu vou ‘streamar' [fazer transmissões ao vivo]. É muito pesada essa rotina do dia a dia de você estar ali e ter que estar sempre bem-disposto. Mas, quando acabar, que a galera olhe para trás e que eu olhe para trás também e fale: ‘Pô, foi legal, mano. Foi bem maneiro."
Fonte: Coluna Mônica Bergamo - Folha de S.Paulo