Aos 21 anos, Paulinho já tem muita história para contar como atleta profissional. Mais jovem a marcar pelo Vasco, campeão olímpico, vivendo sua quarta temporada no Bayer Leverkusen e jogando em uma grande liga do futebol europeu...
A trajetória que o atacante vai escrevendo no futebol é fora do padrão, mas não apenas dentro das quatro linhas.
Em agosto, pouco depois da conquista no Japão, saiu a notícia de que Paulinho seria homenageado com a Medalha Pedro Ernesto, maior honraria da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, por sua luta no combate à intolerância religiosa. Aliás, o período olímpico foi uma grande demonstração de Paulinho a respeito deste tema. Ao comemorar o gol marcado diante da Alemanha na estreia, ele fez uma homenagem ao orixá Oxóssi. Isso veio dias depois de um texto seu ter sido publicado no site The Players Tribune em que falava sobre a ligação de sua família com o candomblé e a umbanda.
Mais do que um jogador promissor, o atacante se destaca pelo seu engajamento e posicionamento a favor da diversidade e contra preconceitos. Assim, não hesitou em se manifestar ao ser perguntado sobre a devolução de pontos ao Brusque no caso de racismo envolvendo um dirigente do clube e o meia Celsinho, do Londrina.
"Eu me lembro quando aconteceu o caso e da nota que o clube publicou querendo dizer que era vitimismo. É complicado, é um assunto grave. Eu acho que eles poderiam rever essa atitude, porque é muito sério esse caso, ele representa vários outros. Não podemos falar simplesmente que é vitimismo, porque o Brasil é um país racista, todo mundo sabe disso. Tá na cara de todo mundo", disse Paulinho em entrevista ao blog.
E o que ele pensa sobre como os jogadores de futebol deveriam se manifestar contra intolerâncias?
"O meu achar sobre atletas se posicionarem é bem complexo, porque a gente não pode cobrar certas coisas que talvez eles não tenham conhecimento. Eu mesmo há um tempo também não tinha conhecimento de muita coisa. Eu olhando hoje, eu falo: 'não tinha como me posicionar'. Eu primeiro tinha que buscar conhecimento, procurar saber da história para ter uma opinião e falar abertamente sobre. Eu procuro falar aquilo que a realidade mostra com relação aos preconceitos e aos direitos que o ser humano tem, acho que é uma coisa que não pode ser calada. Quem puder e quem tiver esse conhecimento e puder ajudar falando abertamente, acho que é bom."
Na entrevista, Paulinho também comentou sobre o momento que ele e seu time vivem. O Bayer Leverkusen faz um bom começo de 2021-22, sendo que abriu a Bundesliga com três goleadas nas sete primeiras rodadas (4 a 0 no Borussia Mönchengladbach, 4 a 1 no Augsburg e 4 a 0 no Arminia Bielefeld), sofreu um período de queda, mas já se recuperou, sendo que venceu nas últimas três rodadas, com um 3 a 1 fora de casa para cima do RB Leipzig e um 7 a 1 diante do Greuther Fürth no último fim de semana. A equipe figura atualmente na terceira colocação com quatro pontos de folga na zona de classificação à Champions League.
Além disso, o Leverkusen já está com a primeira colocação garantida em sua chave na Europa League, que contou com adversários como Betis e Celtic. Ainda invicto no torneio, o time fechará sua participação na fase de grupos contra o Ferencvaros, fora de casa, às 17h (de Brasília) desta quinta-feira, com transmissão do Star+.
"Sabemos que a temporada é longa e tudo pode acontecer durante esse percurso todo. Nós sempre trabalhamos para não ter essas mudanças drásticas, mas chega até a ser normal acontecer, ainda mais com nosso time que é bastante jovem", afirmou o brasileiro.
De acordo com dados da empresa de scout e estatísticas de futebol Wyscout, os Werkself têm o segundo time mais jovem da fase de grupos da Liga Europa e o mais jovem da Bundesliga. Esta que já tem sido uma característica do clube foi potencializada com as contratações dos zagueiros Odilon Kossounou (20 anos), Piero Hincapié (19), o lateral-esquerdo Mitchel Bakker (21) e o atacante Amine Adli (21) na última janela.
Para Paulinho, isso "influencia positivamente. Claro que o comando do treinador faz toda diferença para todos esses jogadores, que são de diferentes culturas e diferentes escolas".
Entre tantos jovens estrangeiros, há também alemães, e um deles é o destaque do time e nome constante da seleção alemã: Florian Wirtz. Eleito o sétimo colocado na Bola de Ouro sub-21 nos últimos dias, o meia soma oito gols e 11 assistências em 18 jogos oficiais na temporada.
"A gente está sempre buscando fazer nossas jogadas, a gente adora fazer jogada combinada, eu e ele conversamos muito sobre isso", declarou o brasileiro, que deu duas assistências na temporada, ambas para Wirtz.
Ainda que não seja titular absoluto da equipe (jogou 15 das 21 partidas na temporada, sendo titular em nove delas), Paulinho vai construindo um capítulo de superação em sua história no Leverkusen, após ter perdido a temporada passada inteira após ter rompido o ligamento cruzado anterior do joelho direito.
"Hoje eu me sinto bem, tranquilo, bem adaptado, para poder só desfrutar do meu futebol."
Que siga assim, Paulinho!
Confira abaixo íntegra a entrevista com Paulinho, na qual ele falou também sobre Vasco, Olimpíada, o defensor mais difícil que enfrentou e mais:
O que você acha que mais mudou em você e no que mais evoluiu desde sua chegada ao Leverkusen?
Eu cheguei muito novo na Alemanha. Foi tudo muito rápido, tudo mudou muito rápido, tudo muito diferente, cultura, língua, o país em si, tudo diferente do que eu estava acostumado no Brasil. Quando a gente é muito jovem acho que é até mais fácil de sentir essa mudança, e eu senti um pouco nos primeiros meses, mas logo depois me adaptei, consegui me sentir mais à vontade, com o frio e com a língua. Fui me adaptando, só que durante esse período todo eu estava junto com a seleção olímpica, sempre que tinha Data Fifa eu estava sendo convocado. Isso me ajudou a manter um pouco da minha essência, da minha cultura, que eu tento sempre trazer aonde eu estiver. Quando cheguei aqui eu estava cinco meses sem jogar no Brasil por uma lesão. Depois eu tive minha lesão do joelho, que me deixou quase um ano fora, mas hoje eu me sinto bem, tranquilo, bem adaptado, para poder só desfrutar do meu futebol.
Como você avalia o trabalho do novo técnico Gerardo Seoane no dia a dia até aqui? Acredita que o time chega como um dos candidatos ao título da Liga Europa?
Temos que ser realistas. Primeiro que começamos muito bem a temporada, nos impondo muito e começamos ganhando alguns jogos de goleada, fazendo alguns jogos duros, como contra o Borussia Dortmund, e acabou que o time deu uma oscilada. É até normal, o time é muito novo e busca sempre melhorar a cada jogo. Sabemos que a temporada é longa e tudo pode acontecer durante esse percurso todo. Nós sempre trabalhamos para não ter essas mudanças drásticas, mas chega até a ser normal acontecer, ainda mais com nosso time que é bastante jovem. Na Europa League, acredito que podemos passo a passo ir conquistando o que a gente quer. Não dá para pensar logo em título, é o que pelo menos eu penso. Temos que procurar passar por cada etapa para poder focar bem, trabalhar no dia a dia e fazer bons jogos.
O time do Leverkusen já tinha muitos jovens e ganhou ainda mais nesta temporada com o Kossounou, Bakker, Hincapié e Adli. Como isso tem influenciado no dia a dia, na forma de jogo e no seu jogo em si?
Influencia positivamente. Claro que o comando do treinador faz toda diferença para todos esses jogadores, que são de diferentes culturas e diferentes escolas. Mas a gente vai procurando se adaptar ao máximo, a gente não tem para onde correr, é treinamento no dia a dia, é buscar entrosamento. Como eu falei, é normal dar essa oscilada no meio da temporada, por conta dessa grande diferença de jogadores. Às vezes tem a Data Fifa, os jogadores vão para suas seleções, acostumam a jogar de uma forma, depois voltam ao clube e tem que reacostumar ao clube. Isso tudo faz diferença no dia a dia da temporada, mas a gente tem que continuar focado no trabalho e nas estratégias para poder jogo a joga conseguir alcançar nosso objetivo, que é ganhar.
Qual foi o momento mais especial para você no Leverkusen?
O momento mais especial foi logo quando eu fiz meus primeiros gols na Bundesliga*. Os momentos que eu ia para a seleção e voltava também eram muito bons, porque eu sempre buscava mais da minha essência. Nós, brasileiros, não abrimos mão do nosso jogo, não conseguimos abrir mão da nossa cultura, pelo menos eu penso assim. E isso fazia com que eu ficasse mais leve dentro do campo, dentro dos treinamentos, do dia a dia. Com certeza o melhor momento foi quando fiz meus primeiros gols na Bundesliga, também foi uma resposta não só para mim, mas para todos que ainda não me conheciam no Leverkusen, e hoje graças a Deus estamos adaptados e muitos felizes.
*Paulinho tem quatro gols pelo Leverkusen, sendo três na Bundesliga (todos eles na edição 2019-20)
Como é o dia a dia com Florian Wirtz?
O Wirtz é um cara bem frio, bem na dele, bem discreto, mas é amigo, estamos sempre juntos nos treinamentos. Durante o período em que estamos no clube, nós conversamos, falamos sobre muita coisa, ele pergunta bastante sobre o Brasil, porque alguns jogadores gostam muito da cultura e falam muito de Ronaldinho, de Ronaldo, de jogadores que tiveram belíssimas passagens aqui na Europa, e eles têm como ídolo também. E isso é legal, eles sempre estão em contato, querem saber mais sobre nossa cultura, nosso país, porque modéstia à parte, no futebol conquistamos coisas que nenhum país conquistou, e isso é bom para eles.
Já apresentou algo do Brasil a ele (Wirtz)?
Não, ainda não (risos). Extracampo não, no campo a gente está sempre buscando fazer nossas jogadas, a gente adora fazer jogada combinada, eu e ele conversamos muito sobre isso.
Infelizmente temos presenciado ainda muitos casos de racismo e de outras intolerâncias dentro do futebol. Como você acha que os atletas devem se posicionar nesses casos? Como eles podem atuar para liderar essa mudança dentro e fora de campo?
O meu achar sobre atletas se posicionarem é bem complexo, porque a gente não pode cobrar certas coisas que talvez eles não tenham conhecimento. Eu mesmo há um tempo não tinha conhecimento de muita coisa. Eu olhando hoje, eu falo: 'não tinha como me posicionar'. Eu primeiro tinha que buscar conhecimento, procurar saber da história para ter uma opinião e falar abertamente sobre. Eu procuro falar aquilo que a realidade mostra com relação aos preconceitos e aos direitos que o ser humano tem, acho que é uma coisa que não pode ser calada. Quem puder e quem tiver esse conhecimento e puder ajudar falando abertamente, acho que é bom, para a gente combater esses preconceitos, tanto racial, preconceito social e preconceito contra os homossexuais também. Isso tudo faz a diferença quando uma pessoa pública fala abertamente, eu sei disso, mas sei também que não podemos ficar cobrando muito das pessoas, dos atletas que não tenham tanto conhecimento.
Qual é a sua opinião sobre o episódio envolvendo o Brusque, que teve os pontos devolvidos após um caso de racismo na Série B?
Eu me lembro quando aconteceu o caso e da nota que o clube publicou querendo dizer que era vitimismo. É complicado, é um assunto grave. Eu acho que eles poderiam rever essa atitude, porque é muito sério esse caso, ele representa vários casos, não podemos falar simplesmente que é vitimismo, porque o Brasil é um país racista, todo mundo sabe disso. Tá na cara de todo mundo. Quando você fala uma coisa dessa, para um jogador desses, você está tirando toda a luta daqueles que brigam contra o racismo dizendo que é um vitimismo. É uma situação muito grave, e na minha opinião o clube tinha que rever essa atitude.
Como você enxerga a possibilidade da seleção brasileira em um futuro a curto ou médio prazo? O Tite tem dado oportunidades a novas caras recentemente como o Antony e o Raphinha.
Eu sei que a seleção brasileira está sempre aberta a jovens jogadores, que estão despontando nos seus clubes. Meu foco primeiro é sempre fazer o meu melhor no clube para a consequência ser uma convocação. Eu ficaria muito feliz, é claro, mas o foco sempre será primeiro no clube, fazer meu trabalho no dia a dia, o que poderá dar uma chance de eu conseguir alguma convocação. Eu procuro sempre estar trabalhando.
Além do gol e do título, você poderia contar sobre algum momento diferente que tenha sido marcante para você na Olimpíada?
O período todo foi bem marcante, nós brasileiros valorizamos muito essa competição. Sabemos que é muito importante não só para o futebol, mas para todos os esportes que estão nesse evento, e sempre foi um sonho meu poder disputar esta Olimpíada. Eu trabalhei muito para conquistar essa vaga, estava vindo de lesão. Tinha feito meu nome na seleção olímpica durante todo o período que tivemos em dois anos. Mas o momento em que a gente é convocado, que recebe a notícia, a gente fica muito feliz, porque é um sonho. Quando chega lá, tentamos aproveitar cada minuto que está vivendo naquele sonho. Infelizmente, foi em um período ruim do mundo, por conta da pandemia, no qual bloqueou muita coisa, bloqueou os atletas de fazerem muita coisa, mas valeu a experiência, foi muito bom poder encontrar outros atletas, visitar a Vila Olímpica. Foi uma experiência muito boa que vai ficar sempre marcada na minha história.
O fuso horário tem deixado você acompanhar o Vasco? Como tem sido sua relação com o clube?
Sim, tenho muitos amigos no Vasco, muita gente que trabalha lá, funcionários e atletas, conheço muita gente, estou sempre torcendo para todos. O Vasco foi o clube que me criou, durante os anos que estive lá eu aprendi a amar o Vasco, o Vasco me deu tudo. Eles estão sempre guardados no meu coração, sempre que posso eu acompanho. Nós sabemos que a situação hoje não é muito boa por estar na Série B, mas sempre que posso estou mandando minhas energias positivas para o time e para a torcida, que sempre demonstrou muito carinho por mim desde quando eu saí.
Qual o defensor mais difícil que enfrentou?
Acho que foi o Alaba. Não por ser um jogo difícil, mas por ser um cara que eu admiro bastante e que vejo como um dos melhores da sua posição. Com certeza foi um dos melhores que enfrentei.
Fonte: Blog do André Donke - ESPN.com.br