Responsável por parte das polêmicas envolvendo o VAR no futebol brasileiro, a linha do impedimento ainda é alvo de questionamento de torcedores, dirigentes e mídia no país. Em busca de maior clareza, a reportagem do ge acompanhou os testes da Central do VAR e gravou vídeos para mostrar como é traçada a linha na prática.
Antes de assistir os vídeos, vale entender um pouco dos números. A análise que toma mais tempo na cabine do VAR são as linhas do impedimento. O operador de replay é o responsável por formá-la. Porém, é o árbitro de vídeo que orienta todo o processo e diz onde ela deve ser tracejada.
Das 391 interrupções de jogo para análise do VAR no Brasileirão até o momento, 109 foram para análise de impedimentos. A média de jogo parado para análise de impedimentos é de 1 minuto e 40 segundos na Série A. Se não contarmos os lances de impedimentos, o Brasileiro de 2021 teve 282 interrupções de jogo pelo VAR. A média de jogo parado é de apenas 1 minuto e 6 segundos para estes lances.
Ou seja, o tempo médio de jogo parado pelo VAR é 52% maior quando compara-se as análises de impedimento com todas as outras. Portanto, é importante entender como é traçada esta linha e saber o porquê de alguns lances requisitarem mais tempo para a montagem da tecnologia.
Na última quarta, a CBF fez um teste para homologação do estádio Castelão para a Central do VAR na vitória do Fortaleza sobre o São Paulo. No aquecimento para a partida, um operador de replay da Hawk-Eye simulou a marcação de impedimento com preparadores de goleiros que faziam o aquecimento no campo. Veja o exemplo abaixo de como funciona a marcação das linhas:
Resumidamente, é preciso marcar primeiramente a base da linha. Ou seja, qual é a referência no campo para ser formada a linha. Durante o processo, o árbitro de vídeo é quem decide tudo. Ele comanda as ações para o operador de replay executar. O VAR é quem diz qual é a referência para traçar a linha: se é a chuteira do último defensor, se é o ombro ou a cabeça, por exemplo. Além disso, ele ainda faz os ajustes finos e dá os últimos comandos antes da formação final da linha.
Na hora do jogo, a pressão pela montagem da linha com eficácia e rapidez é grande. Se grande parte da reclamação sobre o VAR está no tempo de jogo parado, a elaboração das linhas é também responsável pela falta de celeridade no processo.
Durante o jogo entre Fortaleza e São Paulo, o bandeira anulou gol do chileno Henríquez em campo. Direto da central do VAR, Rodrigo Nunes de Sá comandou a montagem da linha de impedimento para confirmar a decisão de manter o gol anulado. Veja como foi a montagem da linha no vídeo abaixo e confira um spoiler:
- Base no pé. Vamos no ombro. Direita. Mais, mais. Lateral do ombro. Direita. Mais. Mais. Mais. Mais. Aí - orientou Sá ao operador de replay, durante formação da linha.
Conforme pode-se perceber, a figura do operador de replay é muito importante dentro da cabine do árbitro de vídeo, uma vez que é ele quem executa as ordens do VAR para elaboração da linha de impedimento.
Quem atua como operador são profissionais da provedora de tecnologia do VAR. Na Série A e na Copa do Brasil são da empresa Hawk-Eye. Nas Séries B, C e D são da empresa Sportshub. O Campeonato Brasileiro Série C vai ter VAR nos 24 jogos da Segunda Fase e nos dois confrontos da final. Já na Série D, o árbitro de vídeo começa a atuar a partir das quartas de final.
Para atuar na Série A e na Copa do Brasil, são mais de 30 operadores homologados pela Ifab/Fifa para operar o replay do VAR em todo o país. O software da linha de impedimento é próprio desenvolvido pela Hawk-Eye, com replay, comunicação e linhas de impedimento com triangulação em diversas câmeras. A tecnologia da Hawk-Eye é usada em competições da Fifa, Uefa, Conmebol e de campeonatos como a Premier League, La Liga, Serie A Italiana, Budesliga, Francês e MLS.
- Nossa função é ser as mãos do árbitro durante as checagens e auxiliá-lo de todas as maneiras com as ferramentas que temos à disposição. Precisamos estar muito atentos e em uma sintonia boa com toda a equipe para trabalhar com precisão e agilidade, que é o que todo mundo deseja - explicou Bernardo Fernandes Lemos, operador de replay do VAR.
- Para isso, além de dominar o sistema e ter agilidade na seleção das imagens, buscamos também entender ao máximo o protocolo e as regras do jogo, para acompanhar o raciocínio do VAR na hora de uma revisão. E com certeza o maior desafio é buscar decidir até mesmo os incidentes mais difíceis com o menor impacto possível na partida - completou o operador.
Nesta função, o operador de replay está sujeito a falhas naturais no trabalho. Um exemplo é o que aconteceu no último gol do jogo entre Fortaleza e São Paulo, marcado pelo Gabriel Sara. Em um lance muito ajustado de possível posição de impedimento, a análise no teste demorou mais do que a equipe no estádio porque no processo de montagem das linhas, a linha da defesa acabou saindo da marcação por um comando errado no computador. Veja a atuação da cabine na Central do VAR, em teste offline da operação:
Polêmicas em Vasco x Inter (Brasileiro 2020) e Vasco x Brasil de Pelotas (Série B 2021)
O Vasco enfrentou dois lances de grande polêmica neste ano de 2021. Um pela Série A e outro pela Série B. Em ambos, a linha do impedimento não foi traçada pela tecnologia e a decisão de campo foi mantida. No caso, em Vasco 0 x 2 Internacional, o gol do Rodrigo Dourado foi mantido e, em Vasco 1 x 1 Brasil de Pelotas, o gol de Daniel Amorim foi invalidado.
De antemão, pode-se dizer que a estrutura do estádio de São Januário não é muito favorável para o VAR. Por exemplo, a altura do posicionamento das câmeras é mais baixa. Quanto mais baixo a altura das câmeras, pior para traçar a linha do impedimento. Outro problema apontado é a pintura do gramado, que não é considerada ideal em alguns jogos.
Outro problema que pode afetar o desempenho do software é a fumaça de sinalizadores ou a neblina no estádio. Esses exemplos podem prejudicar a visualização completa do gramado e fazer com que a ferramenta perca a referência. Outro impeditivo que pode afetar é a iluminação artificial, caso não esteja iluminando todo o campo de maneira adequada.
Vasco 0 x 2 Inter
Na reta final do Brasileirão do ano passado, o Vasco perdeu para o Internacional por 2 a 0, na 36ª rodada. A partida foi marcada por uma polêmica logo no início do duelo. Aos 9 minutos de jogo, Rodrigo Dourado marcou de cabeça. O jogo ficou paralisado por quase quatro minutos para então o árbitro manter a decisão de dar o gol do volante colorado.
Neste lance (vídeo abaixo), podemos observar que uma grande sombra toma conta da lateral do gramado de jogo. Por conta da sombra, não é possível identificar a linha lateral de campo. O software não entendeu a linha lateral lá de cima como referência, a ferramenta pegou a sombra. Com isso, não foi possível a calibração precisa da linha de impedimento. Este lance, inclusive, colaborou na decisão da CBF de colocar mais três câmeras da entidade nos jogos da Série A para calibração da linha de impedimento. Ou seja, a falta de outro ângulo para análise da imagem também não permitiu a colocação da linha.
Vasco 1 x 1 Brasil de Pelotas
Outro lance polêmico envolvendo o Vasco foi no último dia 3, no empate em 1 a 1 com o Brasil de Pelotas, pela 22ª rodada da Série B. Na ocasião, o gol de Daniel Amorim foi anulado por impedimento pelo bandeira em campo. O jogo ficou parado por cerca de três minutos para análise do lance. No entanto, o árbitro Alisson Sidnei Furtado manteve a decisão de anular o gol porque a análise do vídeo foi inconclusiva.
Pela falta de ângulos favoráveis para montagem da linha de impedimento, a cabine do VAR não conseguiu traçar a linha e optou por manter a decisão de campo de anular o gol. Vale lembrar que as três câmeras adicionais da CBF para calibração do impedimento são apenas para a Série A. Além disso, as partidas da Série B costumam ter menos câmeras da transmissão à disposição a cada jogo. Menos câmeras impactam em menos ângulos disponíveis para análise dentro da cabine.
Fonte: ge