Médico do Vasco, Mateus Freitas Teixeira coordena Covid Group Control da Copa América 2021
Terça-feira, 15/06/2021 - 14:36
Diante do cenário da pandemia de Covid-19 e suas inúmeras sequelas ainda desconhecidas pela ciência, cardiologistas do esporte de vários lugares do país tiveram a iniciativa de pesquisar, estudar, criar e sugerir um protocolo que pudesse ser aplicado a atletas, profissionais e amadores, com objetivo de identificar e prevenir os efeitos mais nocivos do vírus no coração. Com base em estudos próprios e em artigos científicos divulgados ao redor do mundo, o desafio foi propor protocolos eficientes e adaptados à nossa realidade. Dois novos estudos brasileiros buscaram isso: "Esportes em tempos de Covid-19: Alerta do Coração", reunindo pesquisadores de diversas instituições, como a Universidade Federal Fluminense e o Hospital do Coração de São Paulo; e "O retorno dos atletas pós-Covid-19", com pesquisadores do Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense (UFF). O primeiro deles possui enfoque em prevenção e diagnóstico precoce de qualquer possível alteração inflamatória no coração e outros órgãos.



– Importante destacar que esse protocolo é mutante, e precisa ser revisado a todo momento. O estudo foi realizado por meio da revisão bibliográfica de vários outros artigos publicados pelo mundo, além de estudos próprios e diversos debates entre especialistas com base nos primeiros atletas infectados pela Covid-19. A "novidade" do vírus exigiu e exige a utilização e consideração dos estudos sempre mais atuais e com metodologia coerente com as premissas estabelecidas – destaca o médico cardiologista Mateus Freitas Teixeira, do Vasco da Gama e coordenador do Covid Group Control durante a Copa América 2021, pesquisador que fez parte dos dois estudos.

Os resultados apontam para cuidados a que devemos estar atentos nos períodos infecção. A problema principal está relacionado à tempestade inflamatória inicial causada pela Covid-19, que pode gerar sequelas graves e/ou manifestações clínicas agudas e tardias, sendo, por isso, necessário o acompanhamento constante do atleta profissional ou amador. Essas alterações muitas vezes causam miocardite, uma inflamação do músculo cardíaco que causa, com alguma frequência, paradas cardíacas em atletas e que possui potencial de levar à morte súbita.

– Nesses casos, eu me refiro especificamente à miocardite, ou seja, à inflamação do coração, que fez alguns atletas terem que parar suas atividades. Hoje, devemos buscar alterações subclínicas por meio dos exames que solicitamos e no dia-a-dia com os atletas. No entanto, existe uma série de sequelas, além da cardíaca, como a pulmonar, a renal, a neurológica e outras que podem interferir diretamente no alto rendimento – explica Teixeira, completando. - Quando pensamos e escrevemos no protocolo foi para que médicos do esporte pudessem usar para avaliar seus atletas e também atletas amadores.

Entre os sinais da miocardite estão:

1. Cansaço
2. Arritmia cardíaca
3. Em casos mais graves Disfunção ventricular;
4. Contratilidade segmentar anormal;
5. Troponina US (uma enzima cardíaca) alterada.

Os protocolos têm como base a sintomatologia do atleta. Por meio de história/avaliação clínica, o médico especialista deve colocar o atleta em uma rota de avaliações com exames. Segundo o primeiro estudo, voltado para a avaliação de miocardite em consequência da Covid-19, os procedimentos dependem se os casos são leves, moderados ou graves, de acordo com a classificação da Sociedade de Cardiologia Brasileira:

- Leves: casos assintomáticos ou com sintomas autolimitados que desaparecem em até 14 dias, como febre, mialgia, cefaleia, fadiga, e sintomas respiratórios sem a ocorrência de dispneia, pneumonia ou necessidade de oxigênio;
- Moderados: dispneia persistente após resolução inicial do quadro; dispneia em repouso; necessidade de oxigênio suplementar; saturação de oxigênio abaixo de 92%; internação hospitalar; evidência radiológica de acometimento pulmonar pela Covid-19;
- Graves: internação em UTI; ventilação mecânica invasiva; evidência de acometimento cardíaco na internação, como elevação da troponina, alterações ecocardiológicas e arritmias ventriculares sustentadas.

Avaliação cardiológica para o retorno às atividades físicas pós-Covid-19:

1. Atletas assintomáticos ou leves, sem sintomas debilitantes - Devem ficar afastados da prática esportiva pelo tempo recomendado pelo médico, realizar avaliação clínica e exames físicos detalhados, exames laboratoriais, eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações, ecocardiograma e teste de esforço;
2. Atletas com casos moderados ou graves, com sintomas debilitantes e/ou internação - Devem ficar afastados da prática esportiva pelo tempo recomendado pelo médico, realizar avaliação clínica e exames físicos detalhados, exames laboratoriais, eletrocardiograma de 12 derivações, teste de esforço e ecocardiograma transtorácico. Em caso de sinais de miocardite, considerar ainda usar holter e fazer uma ressonância magnética cardíaca;
3. Atletas com suspeita de miocardite durante ou após a Covid-19, em função dos seguintes sintomas: disfunção ventricular, contratilidade segmentar anormal, derrame pericárdico e alteração de troponina - Devem ficar afastados da prática esportiva pelo tempo recomendado pelo médico , geralmente 6 meses, realizar avaliações cardiológicas especializada periódicas segundo recomendações atuais sobre miocardite em atletas. Considerar ainda usar holter e fazer uma ressonância magnética cardíaca.

Importante: atletas com suspeita não confirmada de Covid-19, com dispneia, sintomas gripas, febre, diarreia ou alterações de paladar e olfato, em meio à pandemia devem ser tratados como COVID. Assim, ficarão isolados e sendo acompanhados por médicos. Em caso das entidades esportivas, solicita-se teste para confirmação da Covid-19. Sendo casos de sintomas moderados, é sugerido que se faça repouso absoluto pelo tempo recomendado pelo médico, deve-se ainda passar por uma consulta cardiológica e realizar exames como ECG, ECO e teste ergométrico. Em alguns casos e pelo protocolo da Sociedade Brasileira de Cardiologia, solicita-se também troponina us (ultrassensível).



– Já sabemos que o pacientes sintomáticos graves, aqueles internados, apresentam possibilidade de desenvolver sequela cardíaca em até 40% dos casos. Porém, há uma grande zona "cinzenta" que é a dos pacientes que não apresentaram sintomas, que correspondem a 8%, ou os pouco sintomáticos (leves). Dessa forma, a aplicação dessas rotas de avaliações facilita o médico a liberar ou não o atleta para o esporte com uma certa segurança – explica o médico.

A liberação para o esporte

O cardiologista lembra que, como o protocolo ainda não pode ser considerado 100% eficaz, sob o ponto de vista dos riscos criados pelo vírus, é importante conscientizar a equipe da importância do acompanhamento clínico constante, estando todos sempre atentos a pequenos sinais clínicos como cansaço, palpitação e algumas arritmias, mesmo em atletas previamente liberados para o retorno às atividades físicas, sejam eles amadores ou profissionais. No quadro abaixo, retirado do segundo estudo, ficam mais claros os critérios de liberação:



Teixeira reforça que os protocolos são importantes ferramentas de diagnóstico e, como consequência, prevenção para alterações clínicas mais graves, que possam causar, inclusive, a morte súbita. Os protocolos, os cuidados intensivos e o acompanhamento constante "são as chaves para não termos surpresas desagradáveis", ressalta.

– O conhecimento nos torna mais responsáveis. Não têm sido raros os achados, os noticiários divulgam semanalmente a grande quantidade de atletas que vêm sendo afastados em razão da Covid-19 e quantos ainda permanecem doentes, com algum tipo de sequela – alerta.

Com a Copa América no Brasil, muitos médicos demonstraram preocupação com os participantes do torneio, uma vez que a imunização não será obrigatória. Vinte jogadores do River Plate infectados com Covid-19 já retomaram as atividades, mas pelo menos um deles ficará de fora da competição. A imprensa argentina informou que o zagueiro chileno Paulo Díaz apresentou um quadro de miocardite e precisará ficar pelo menos um mês de repouso. Na seleção do Chile, o meio-campista Arturo Vidal também não irá participar do torneio, devido a infecção pelo novo coronavírus, que também atingiu 12 atletas da Venezuela, entre outros jogadores e membros da comissão técnica de outros países.

As Olimpíadas de Tóquio, que começam em 23 de julho, também causam apreensão. Mas, mais do que isso, os atletas amadores, menos monitorados do que os profissionais, preocupam.

Nem mesmo os jovens são imunes. Um estudo publicado em maio na JAMA Cardiology revela que entre 1.597 atletas universitários submetidos a testes cardiovasculares abrangentes nos EUA, a prevalência de miocardite clínica baseada em sintomas foi de apenas 0,31%. Mas a triagem com ressonância magnética cardíaca aumentou a prevalência de miocardite clínica e subclínica por um fator de 7,4, para 2,3%, relatam os autores, mostrando um aumento a partir da inclusão de assintomáticos na avaliação.

Outro estudo com Eletrocardiograma (ECG) em atletas da National Collegiate Athletic Association (NCAA) Divisão II revela que "aqueles que foram infectados com COVID-19 tiveram um intervalo PR (um problema na condução elétrica cardíaca) prolongado em comparação com atletas compatíveis que não foram infectados".

– O Covid-19 exige uma série de protocolos de prevenção e acompanhamento dos eventuais infectados. No caso dessa Copa América, o pouquíssimo tempo para a organização da competição no Brasil, exigirá muita disciplina e compromisso de todos os integrantes das seleções, além do próprio comitê organizador, para evitar possíveis "surtos" que possam prejudicar a competição e, principalmente, os atletas que estão em início (atletas que atuam na Europa) ou meio (atletas que atuam na América do Sul) de temporada nos campeonatos locais – acrescenta Teixeira.

Mateus Freitas Teixeira é médico do esporte e cardiologista. É o cardiologista do Club de Regatas do Vasco da Gama, coordenador médico Fit Center e médico do setor de Soluções Médicas Integradas do Complexo Hospitalar de Niterói (SER CHN), além de ser Membro do Comitê de Medicina Desportiva da Associação Médica Fluminense (AMF) e Diretor da Sociedade de Medicina do Exercício e do Esporte do Rio de Janeiro (SMEERJ). É um dos pesquisadores dos dois estudos brasileiros citados na reportagem e coordenador do Covid Group Control durante a Copa América 2021.

Fonte: ge