Alecsandro, Fernando Prass, Fellipe Bastos e Dinamite contam histórias do título da Copa do Brasil 2011
Passaram 10 anos, mas o Trem-Bala da Colina continua vivo na lembrança do torcedor do Vasco. Em 8 de junho de 2011, o time de Felipe, Diego Souza, Eder Luis e Alecsandro deu careta a um incômodo jejum de títulos nacionais que vinha desde 2000. A festa pela conquista começou na noite de quarta-feira no Couto Pereira e acabou quando já anoitecia na quinta-feira, em São Januário. Entre os dois estádios, jogadores e torcedores protagonizaram uma comemoração que ficou marcada no Rio de Janeiro.
É essa história que o ge conta em forma de presente para o torcedor vascaíno, através de vídeos e depoimentos de figuras marcantes daquele título. Com turbulência, muita cerveja, funk e uma multidão em delírio, o Vasco viveu intensamente as horas seguintes à conquista da inédita Copa do Brasil.
Do jogador que segurou fios de alta tensão para o caminhão passar ao que pegou carona na ambulância para ir ao banheiro, passando pelo que entrevistou o presidente em troca de mais cerveja, as cenas daquele dia jamais serão esquecidas pelos protagonistas de um Trem-Bala que continua no trilho do imaginário vascaíno. E os principais maquinistas têm orgulho e gratidão daquela campanha (veja abaixo o vídeo especial).
Alarme falso e certeza do goleador
Prova de que a saborosa derrota por 3 a 2 para o Coritiba fora recheada de sofrimento deu-se por um alarme falso. Pelo menos na visão de Fernando Prass, goleiro e capitão daquele time. Nos cinco minutos de acréscimos, o árbitro Sálvio Spínola marcou algumas infrações importantes. Já por volta dos 49, tamanha a tensão pela iminência do fim do jejum de títulos, Prass quase deixou sua meta ao ver o juiz assinalar um impedimento.
- Lembro desde o começo, quando o Salvio Spínola marcou impedimento, e metade de nós achou que tinha acabado o jogo e saiu para comemorar. Eu estava do lado oposto da torcida e atravessei o campo todo correndo, abraçando os caras, e os caras desesperados. Ninguém sabia para onde correr, Diego Souza e Felipe no banco não conseguiam nem olhar - recorda o goleiro.
A corrida desesperada narrada por Prass, de fato, ocorreu. Muito choro e esbarrões no momento da explosão. Contrastou com aquela catarse a reação de Alecsandro. Quando Sálvio Spínola, aos 49 minutos e 47 segundos do segundo tempo, pediu a bola ao 9 vascaíno e a ergueu indicando o fim do jogo, Alecgol abraçou Eder Luis com serenidade, enquanto outros companheiros se atiraram ao chão e dispararam em direção à torcida. O centroavante, hoje aos 40 anos, explica: a conquista era uma certeza para ele.
- Modéstia à parte, se tem um cara que sabia e que tinha confiança que a gente ia ser campeão, era eu. Eu tinha falado desde o primeiro jogo da final. Se a gente ganhasse em São Januário, a gente ia ser campeão. Quando o juiz apitou ali no final do jogo, eu já estava vivendo aquilo ali. Pode soar diferente, mas para mim não foi uma expectativa tão grande. Porque eu já estava sonhando com aquilo, eu já tinha pensado naquilo e eu já tinha certeza de que a gente seria campeão da Copa do Brasil - resume o camisa 9, artilheiro da competição, com cinco gols.
Primeiros goles em Curitiba
O combustível que fez do trio elétrico vascaíno ser um dos mais inesquecíveis da história do futebol brasileiro começou a ser ingerido ainda em Curitiba. Depois dos primeiros goles no vestiário, o time partiu para uma casa noturna, onde ficou até as primeiras horas do dia seguinte. Segundo Fellipe Bastos, um dos mais jovens daquele elenco, a saída da boate para o aeroporto foi feita aos trancos e barrancos.
- O que eu posso falar é que água a gente não bebeu. Agora, espumante, cerveja, vodka... A gente se divertiu bastante. Eu lembro que deram um horário porque a gente tinha de voltar ao Rio. Era, sei lá, 4h ou 5h para estar no hotel. Lembro que muitos jogadores chegaram em cima do horário. Teve jogador ligando da rua pedindo para arrumar as coisas, dizendo que estava chegando. Toda vez que eu lembro, vem um sorriso no rosto. Foi um momento muito feliz para o clube e para a gente. Entramos na história do clube - lembra Bastos, 21 anos à época.
Fernando Prass atesta o depoimento de Bastos, entregando-se como um dos que não tiveram tempo para descanso entre a festa e a ida ao aeroporto. Tanta festa e pouco repouso fizeram o Vasco chegar "aquecido" para o trio elétrico no Rio de Janeiro no dia seguinte, conforme o relato do capitão.
- A gente já estava aquecido, pode-se dizer (risos). Saímos do jogo, comemoramos no vestiário, depois em Curitiba teve uma casa fechada para nós, comemoramos lá. Eu praticamente saí da casa de shows e fui para o aeroporto. Chegamos no aeroporto, mais comemoração. Quando chegamos em São Januário, já estávamos tinindo (risos). Já tinham umas 18 horas de comemoração ininterruptas ali. Eu lembro de cerveja, mas deve ter tido mais coisa, chega um ponto em que você nem lembra mais o que está bebendo. Os caras te entregam e você só bota para dentro (risos).
Deixa o avião tremer
Após toda a angústia desde o gol de Willian Farias, aos 20 minutos do segundo tempo, até o apito final, o sofrimento havia chegado ao fim, certo? Errado! O voo de Curitiba rumo ao Santos Dumont, no Rio, começou com brincadeira e terminou com muita reza.
- A nossa viagem foi muito conturbada, né? A gente sai de Curitiba, o avião mexe, mexe muito e balança demais. A gente estava cantando a música da torcida... "Uh, pula aê, deixa o caldeirão ferver". Só que a gente cantava "deixa o avião tremer". Só que a gente viu que o negócio começou a ficar sério, todo mundo foi ficando mais sentado. Era muita turbulência. Eu estava sentado ao lado do Ramon, falei assim: "Ramon, pelo amor de Deus, cara, o Vasco está sem ganhar há um tempão, deixa a gente comemorar" - narra Fellipe Bastos.
Mais experimentado do que os novatos Bastos e Ramon, Alecsandro, em meio à tremedeira, conseguiu fechar o olho para aguentar o tranco no Rio. Diverte-se até hoje com a reação dos garotos e revela uma substituição importante naquele voo. Com tanto desespero, saiu o funk do Trem-Bala e entrou a música gospel para sustentar o avião.
- Teve uma turbulência forte mesmo. Quando acalmava, eu tentava dormir pois sabia que o processo seria longo. Lembro do Bastos falando isso, que o Vasco não ganhava fazia tempo e que não era possível não poder comemorar. Aí, o Renato Silva lá atrás falou assim: "Comemorar eu não sei, mas, se der mais dois balanços, eu vou vomitar em todo mundo" (risos). Nós rachamos de dar risada. Todo mundo se escondendo para evitar o vômito. Quem estava ouvindo pagode já mudou para o evangélico para acalmar - diz.
Dinamite explode em emoção
Embora a comemoração com direito a trio elétrico já estivesse programada para o retorno ao Rio, a quantidade de vascaínos que acompanharam o trajeto do Santos Dumont a São Januário pegou em cheio o coração do maior ídolo do Vasco. Reportagem do jornal O Globo da época informou que, duas horas antes da chegada do avião, mil torcedores estavam no saguão do aeroporto. Presidente do clube na ocasião, Roberto Dinamite foi às lágrimas ao lembrar de tudo que viveu desde o gramado do Couto Pereira à inesquecível festa em solo carioca - estimou-se que 5 mil vascaínos receberam os heróis na Colina e outros tantos milhares acompanharam o trajeto até o estádio.
- A conquista de 2011 para mim, cara, tem um significado tão especial. O que foi diferente? Como jogador, você ali dentro de campo comemora, vive o vestiário e depois tem uma comemoração aqui ou ali. Essa situação de 2011 foi muito diferente porque vivi fora do campo uma tensão do caramba. É aquela coisa de não conseguir virar a chave e enxergar a partida como um jogador e não como um dirigente. Era muito difícil ficar acompanhando lances que não davam certo. Às vezes eu pensava: "Pô, eu ali faria diferente". Por isso me emociono quando falo de 2011 - diz, para completar:
- Foi uma situação tão bonita... Tão bonita que eu nunca tinha vivido isso com a torcida do Vasco. Lá no estádio, depois vindo para o Rio de Janeiro. O Santos Dumont estava uma coisa assim... Nunca poderia imaginar que teríamos esse tipo de recepção. Até chegar a São Januário nós levamos mais de três horas. É coisa que, nas condições normais, você leva uns 20 minutos. Foi muito legal isso. Me emocionou e me deixou muito feliz. Até os caras brincam comigo porque me viram tomando uma cervejinha, bem descontraído (risos).
Se Dinamite, que tão bem conhecia a torcida vascaína se surpreendeu com tanta euforia, imagine o que passou pela cabeça de Fernando Prass, àquela altura com dois anos e meio de Vasco. O goleiro não esquece do momento em que o ônibus se deparou com a multidão.
- A gente não sabia. Desembarcamos na pista, fomos para o ônibus para sair pela rua lateral do Santos Dumont. Eu estava com a taça na frente do ônibus, eu fui o capitão, e aí e tem um portão grande de ferro a uns 100 metros, por aí. Quando o pessoal do aeroporto abre a porta e a torcida vê que o onibus está saindo pela pista, é como o estouro de boiada. O pessoal vem, invade, e vem correndo ao redor do ônibus, e dá aquela confusão com a polícia querendo abrir o corredor para o ônibus sair em frente à multidão.
Na época, relatou-se que essa saída do ônibus até o trio elétrico durou duas horas. Jogador com praticamente todas as conquistas possíveis no currículo, desde estaduais a Brasileiro e Libertadores, Alecsandro diferenciou aquela festa das demais que viveu em 20 anos como profissional. Aliás, ele está decidindo se irá pendurar as chuteiras ou não após passagem pelo Noroeste.
- Eu acho que a do Vasco foi a mais duradora. Nós levamos mais de 10 mil pessoas no estádio. Nós começamos a festa em Curitiba, depois teve aeroporto, avião, chegamos ao Rio, a festa durou o dia inteiro. Foi uma mobilização realmente muito grande. O título da Libertadores que eu tive do Atlético foi dentro de casa, do Inter em casa e do Palmeiras em casa. Pelo Vasco foi diferente. Foi o único título que eu tive fora de casa. Então, aquela mobilização, aquele tanto de gente no aeroporto, realmente chama muita atenção. A torcida do Vasco fez sua parte, eu lembro que parou o Rio de Janeiro ali no Centro. Acho que ficou um engarrafamento de 8 horas ali - exagera o atacante de 40 anos.
Perguntas que valeram latinhas
Uma das cenas mais marcantes do trio elétrico ocorreu quando Alecsandro assumiu o papel de repórter e, com a voz arrastada pelo combustível oferecido pela marca de cerveja que organizara a comemoração, começou a entrevistar Roberto Dinamite. Se a cervejinha lhe deu a desenvoltura necessária para desempenhar tal função, foi também a responsável por motivar ainda mais o artilheiro a enfileirar perguntas ao chefe.
- Quando fui entrevistar o Dinamite, eu estava cansado, não vou falar bêbado porque para jogador de futebol não pega bem. Mas eu estava aquecido, alegre. Aquilo foi ideia do Diego Souza. O canal era da Brahma, mas a cerveja estava acabando. Teve aquela resenha... O Diego dizendo que tinha de ter mais cerveja. E eu tive uma ideia. Falei: "Se eu entrevistar o Roberto, vocês pedem mais cerveja?" Diego falou "Fechou". Nós entrevistamos Roberto, Rodrigo Caetano. Cada entrevista dava duas ou três caixinhas. A entrevista foi como no Big Brother: uma entrevista, uma estaleca - detalha.
Alecsandro, que criou vínculo forte com Roberto Dinamite, não esconde o quão feliz ficou ao ver o presidente vascaíno radiante com a conquista:
- Naquela comemoração se pôde ver também o Roberto alegre e feliz. Um cara que eu tinha como referência dentro do futebol. Poder entrevistá-lo naquele astral, naquele clima muito bom, foi especial.
Carinho entre goleadores
A satisfação de Alecsandro com a alegria de Dinamite se reforça por um pedido feito pelo então presidente antes da partida de volta da semifinal da Copa do Brasil, contra o Avaí, na Ressacada, onde o Vasco fez seu melhor jogo na competição - algo capaz de gerar reconhecimento da torcida local. Alecgol e Diego Souza foram os protagonistas daquela noite.
- Ele falou que precisava muito de um título, que ele já era realizado como jogador, como pessoa, como pai. E que, como presidente, ele precisava de um título de expressão. Ele falou assim: "Cara, se for te pedir muito, eu quero muito esse título da Copa do Brasil". E eu falei algo que era uma pressão muito grande para mim, né? Eu, que estava com a 9 nas costas, mas falei que ia dar meu máximo. Que ia ajudar, correr e me empenhar. Não tinha como negar esse pedido - conta o jogador, acrescentando:
- Coincidentemente, o melhor jogo que nós fizemos na Copa do Brasil foi contra o Avaí, demos um show de bola. Eu lembro que acabou o jogo, e foi a primeira vez que eu vi dentro de campo uma torcida aplaudir o time adversário. Quando a torcida do Avaí aplaudiu, eu me perguntei: "A torcida está aplaudindo o quê? Os caras perderam o jogo!" Na verdade, a torcida estava aplaudindo a gente, porque nós demos um baile no Avaí.
A postura de Alecsandro dentro e fora de campo marcou Dinamite, que não poupa elogios ao ex-comandado:
- Alecsandro está no coração até por isso. Não é só o goleador, era um cara que estava sempre somando e buscando com todos os outros jogadores. Aquele momento de descontração foi muito legal, muito positivo, mas foi aquilo que nós vivemos ao longo do período em que estivemos à frente do Vasco. Obrigado, Alecsandro! Por tudo que você fez pelo Vasco. Além de jogador, você foi um homem que somou muito e nos ajudou bastante.
Comemorar é preciso
Está em voga no futebol brasileiro, em debates inflamados pela rivalidade, a patrulha do que comemorar ou não. Dar tamanho a conquistas é um vício de torcedores, mas desse hábito Fernando Prass não comunga. Em declaração direcionada aos mais jovens, é enfático: comemorem, principalmente no Brasil.
- No futebol, às vezes os caras falam: "Ah, tá empolgado". Não, eu falo para o pessoal da nova geração: tem que comemorar muito quando ganha. Pode ser estadual, Copa do Brasil, Brasileiro. Comemora! Comemora porque, na carreira de um jogador de ponta, se você fizer a média de quantos títulos você disputa e quantos títulos você ganha... É muito difícil ganhar no Brasil. Se fosse em Espanha ou Itália, onde há aquelas hegemonias... Ganhar no Brasil é muito difícil, e a cobrança é muito grande quando não ganha - compara.
Um dos grandes amigos de Prass, Alecgol compartilha do mesmo pensamento. Para explicar o quanto uma grande celebração pode deixar memórias no coração de uma pessoa, cita Dinamite.
- São coisas assim que marcam a gente. O título é muito importante, fazer gol é demais, mas as comemorações são coisas que nunca mais voltarão. O Roberto sempre foi para mim um exemplo como jogador. Eu o tinha como ídolo, como uma pessoa que fazia gols e um espelho. Quando tive a oportunidade de conhecer o Roberto em São Januário, foi um momento muito emocionante. E, quando ele me pediu o título da Copa do Brasil, eu disse que não tinha como negar.
HISTÓRIAS INCRÍVEIS
A atuação de Alecsandro como repórter não foi o único momento engraçado da festa. O próprio goleador viveu outras duas situações curiosas. Uma, em que teve Diego Souza como parceiro de furada, ele trata como livramento. Na outra, ele se livrou mesmo de ficar banguela.
Prass e Fellipe Bastos contaram que Diego e Alecgol voltavam sempre juntos para casa, mas naquele dia eles não tinham condição de dirigir. Versões do goleiro e do volante à parte, nada melhor do que escutar (aqui, ler) do próprio centroavante o que rolou no retorno de São Januário.
- Eu e o Diego morávamos na Barra, próximos. Na hora de ir embora, eu falei que ia com ele, e ele falou que ia comigo. Eu falei que ia com ele pois estava mal e não aguentaria dirigir. Ele concordou. Os caras nos avisaram que estava trânsito para chegar na Barra. Eu louco para chegar em casa, meus filhos me esperando, minha esposa esperando. Resumindo, o Diego foi dirigindo. Na hora em que saímos de São Januário, eu já dei um cochilo. Aí não deu tipo muito tempo, o Diego já deu uma freada. Me acordou, perguntei o que tinha sido. Falei que ele estava me tirando, e ele falou que estava ligado.
Acesos e decisivos durante a campanha, dançantes e ativos no trio elétrico, Alecsandro e Diego Souza já tinham arriado o pneu àquela altura e, sob a ótica do artilheiro, só não se acidentaram por muita proteção divina:
- Ele falou: "Alec, fica acordado senão eu vou dormir no volante". Ficamos acesos, ligamos o som alto, daqui a pouco, no último ou penúltimo túnel da Linha Amarela, o trânsito estava parado. Era uma hora e meia para chegar. Falei, Diego, não vai dar. Baixei o banco e fui. Deitei. Eu não sei se passou um minuto, se foram 10 ou 30. Estava dormindo, mas ouvi ao fundo um barulho. Nego buzinando. Rapaz, na hora em que acordei, olhei para o lado, e o Diego dormindo. Não tinha carro na nossa frente. Para não mentir, os carros estavam um quilômetro na nossa frente. Os carros passavam no nosso lado tirando fino. Nós não morremos porque Deus não quis. Se vem um caminhão ou um louco... Detalhe: o Diego desligou o carro. Isso foi Deus. Até lembro que o Diego disse para a gente parar no primeiro posto, pegar uma latinha e comemorar que estávamos vivos. Além de campeão, tivemos um livramento de Deus.
Voo acidentado de Alecsandro
Antes de escaparem de algo sério, Alecsandro, que já atacara de repórter, quis dar uma de cantor de rock e se jogou no meio da galera. Não deu certo, o voo teve como destino final o chão e algumas escoriações.
- Machuquei, sim. Eu não sei se eu bati no cotovelo de alguém. A Força Jovem ficou pedindo para que eu fosse lá na bateria e tal, mas eu não via um outro jeito de ir a não ser pular. Eu pulei, abriram. Eu não sei se bati a boca na arquibancada ou em alguém. Fiquei com a boca inchada, o dente mole, sangrando para caramba. Ali na hora eu não senti. Eu fui lá na bateria, curti com os caras e na hora em que cheguei no vestiário o Bastos me olhou e ficou rindo.
Bastos, que observara os acidentados saltos de Alecgol, Ramon e Elton, também ia se arriscar, mas uma mão o salvadora o impediu de beijar o chão.
- Antigamente, São Januário tinha grades. Subimos eu, o Alecsandro e o Elton na grade para comemorar com a torcida. A gente está pulando... Aí, a torcida começou a chamar "Vem, vem, vem". O Alecsandro foi e pulou, só que a torcida abriu. E ele foi para o chão". Aí, o Elton disse "Eu também vou". Ele foi, e a torcida abriu de novo. Chão! Aí, eu falei que também ia. A gente estava alegre, bebendo o dia inteiro. Eu só senti uma mão me puxando, olhei e era o meu pai. Ele disse que eu não iria. "Não, não, não, você não vai, não viu o que aconteceu com os dois já?". Graças a Deus meu pai estava ali.
Bastos, aliás, já tinha fugido de outro constrangimento. Preocupado somente em comemorar, esqueceu das necessidades fisiológicas. Quando apertou, viu-se num trio elétrico sem banheiro e praticamente impedido de se aliviar. Jovem e arisco, teve de descer do caminhão, se meter no meio da galera e improvisar uma "fuga" capaz de dar inveja a qualquer veloz e furioso como Vin Diesel.
- Eu comi um sanduíche no avião, foi a única coisa que comi o dia inteiro. A gente desembarcou, comemorou, estava agitado... Um torcedor pediu para subir no trio, o segurança tirou. Quando a euforia foi baixando, comecei a passar mal. Queria ir ao banheiro. Eu olhei para trás, e uma ambulância estava nos seguindo. Falei para um segurança que ia descer. Ele disse que eu era maluco, que tinha uma multidão. Aí, eu disse que precisava ir no banheiro. Era o tipo de coisa que não dava para segurar, eu ia passar muita vergonha - diverte-se.
Com familiares preocupados, Bastos continuou sua missão impossível de literalmente não manchar sua festa. Deu orientação à enfermeira, encolheu-se e tratou de ser o mais rápido possível na chegada a São Januário. Apesar de mais um sufoco, o volante campeão da Copa do Brasil também venceu o aperto e ficou leve para comemorar.
- Eu lembro que eu desci, os torcedores que ali estavam não entenderam nada. Eu fui pulando no meio da torcida até chegar na ambulância. Eles me olharam sem entender nada. Quando cheguei na ambulância, falei: "Por favor, toca para São Januário". A enfermeira perguntou o motivo, eu só pedi para ir rápido, pelo amor de Deus. A gente já estava perto, quase em São Cristóvão. Lembro que quando eu cheguei, dei um chute na porta. A minha esposa, a minha mãe e o meu pai se assustaram. Eu saí correndo, consegui chegar a tempo no banheiro e menos mal que não passei tanta vergonha.
Quem não estava nada leve para comemorar foi o doutor Clóvis Munhoz, chefe do departamento médico do Vasco à época e com alguns quilinhos a mais na ocasião. Se Alecsandro lembra com certo espanto o fato de Diego Souza ter se pendurado em fios de alta tensão durante o trajeto, Fernando Prass sorri ao narrar o que tinham de fazer para proteger Munhoz de eventuais choques.
- Quando chegamos, pegamos um caminho para São Januário que tinha uma parte tranquila, mas outra muito estreita, e os postes de iluminação eram baixos. Estávamos na parte de trás do trio elétrico, e o doutor Clóvis estava comigo. E o doutor Clóvis era um cara forte, com barriga avantajada. Toda hora que vinham os fios, os caras ficavam "Ei, ei, ei". Baixávamos por causa do fio, mas você imagina o doutor Clóvis, com a barriga daquele tamanho, ter que levantar e abaixar toda hora. Quando baixava, ele descia, e para subir nós tínhamos que levantá-lo. Então ficamos como pessoal de apoio (risos) - conta Prass.
Título que muda vidas
Se aquela conquista enche o vascaíno de nostalgia por tudo que a envolveu, desde jogadores, danças e o inesquecível trio elétrico, o sentimento não é diferente com os protagonistas do título. Cada um dos que o ge ouviu faz questão de destacar o quanto aquela Copa do Brasil 2011 é especial em suas respectivas trajetórias dentro do futebol.
Roberto Dinamite, maior artilheiro e ídolo da história vascaína, foi quem mais se emocionou. Fez um paralelo com o período de jogador e citou o quanto havia sofrido três anos antes, quando o Vasco foi rebaixado pela primeira vez:
- Não vivi (festa parecida), foi a primeira e única vez. Os títulos aqui no Rio, onde existia uma grande rivalidade, eram uma coisa ali no Maracanã, você não tinha o contato direto com o torcedor na rua. Acabava o jogo, tinha a comemoração no vestiário e com a torcida no estádio. Depois ia para uma churrascaria ou para algum lugar que o clube determinava, mas era uma coisa não muito aberta. Essa conquista do Vasco de 2011, que estava entalada dentro de cada vascaíno, posso dizer com todas as minhas convicções em relação a títulos e emoção: foi sensacional. Foi uma coisa minha particular, e uma reação linda e maravilhosa do torcedor do Vasco.
Roberto estava engasgado pelo desgaste sofrido no campo político, mas também em função do longo jejum que o clube enfrentava.
- A minha alegria era ver o torcedor do Vasco feliz, vibrando e comemorando. Foi gente pra caramba... A Presidente Vargas lotada... Pensei: "Vamos chegar em São Januário e vai estar tudo tranquilo". Chegamos lá e mais gente para caramba. E você tem que curtir e viver isso. Essa música do "sentimento não para" me deixa até arrepiado. Não foi um negócio produzido, foi um negócio que veio de dentro.
Prass: primeiro título nacional às vésperas de fazer de 33 anos
Diferentemente do consagrado Roberto Dinamite, que fora campeão e artilheiro do Brasileiro aos 20 anos de idade, Fernando Prass conquistava seu primeiro título nacional a um mês de completar 33 anos. Extasiado na festa em São Januário, disse que, caso se aposentasse naquele dia, estaria realizado. Mal sabia ele que ainda conquistaria muito pelo Palmeiras.
- Quando cheguei no Palmeiras, me perguntaram quando tinha sido a minha melhor fase, e eu falei que tinha sido no Vasco. Depois, com 38 anos, fui convocado para a seleção olímpica. Antes, fui bi estadual no Coriitba, classifiquei para a Libertadores, ficamos em quarto no Brasileiro. Só que daí eu vou para o Vasco e conquisto meu primeiro título nacional. E jogando, como capitão. Você vê a foto da entrega do troféu, estamos eu e Felipe levantando a taça. Na hora, o sentimento é de extrema realização profissional - contextualiza.
Fellipe e Eder Luis vencem a desconfiança com o caneco
Assíduo frequentador das seleções de base, Fellipe Bastos estava em baixa quando chegou ao Vasco. Voltava de uma passagem sem brilho pelo Benfica, de Portugal, e buscava afirmação no cenário nacional. Foi o que conseguiu ao lado de Eder Luis, seu companheiro no clube português e dos personagens mais importantes da equipe dirigida por Ricardo Gomes na inédita conquista.
- O título para mim representou uma troca. Eu vim desacreditado do Benfica. Eu era novo, tinha 21 anos. Foi o início de tudo, e o Vasco me deu essa oportunidade. Como eu falei, tenho muita identificação. É o clube que, realmente, faz parte da minha história desde quando eu me conheço por gente. Eu virei a chave quando ganhei esse título. Foi muito importante para mim, para minha carreira e para a minha família.
Alecsandro: deboche na apresentação foi combustível para ser campeão
Alecgol afirma que o título foi especial por toda a desconfiança colocada em cima do clube àquela época. Chegara de passagem vitoriosa pelo Inter de Porto Alegre, com conquista de Libertadores e mais de 60 gols anotados. Por isso, não se esquece do que ouviu quando foi apresentado como reforço do Vasco, e o desdém virou motivação para ir atrás de taças.
- Eu lembro bem que quando eu cheguei no Vasco, na minha coletiva, um repórter perguntou o que eu estava fazendo no Vasco. Eu vinha de um Mundial de Clubes e uma Libertadores. Eu lembro que eu falei assim: "Cara, eu vim no Vasco para ganhar títulos". Ao fundo da sala, tinham uns quatro ou cinco repórteres e os câmeras, e os caras riram.
Alecsandro lembra que sentiu a pressão por títulos pesar às vésperas da decisão com o Coritiba. Deparar-se novamente com a desconfiança o irritou e o inflamou a fazer discurso para livrar os jogadores de uma pecha que perseguia o Vasco em função dos vice-campeonatos em sequência e de resultados ruins em âmbito nacional.
- Tinha a história de o Vasco ser vice. Nós estávamos vivendo essa atmosfera. E era uma atmosfera que eu posso dizer que me irritava. Eu dizia "Como eu vou perder esse título? Como eu vou ser vice de novo se eu acabei de ser campeão da América?". Isso não diz respeito a mim e a alguns jogadores.
Incomodado com aquela situação, pediu a palavra antes da primeira partida da decisão contra o Coritiba e rechaçou essa carga de cima dos jogadores.
- No primeiro jogo da final, antes de entrar em campo, na oração, eu pedi perdão ao Roberto, de forma espontânea. Falei: "Roberto, me desculpe. Eu não sou da sua geração, não sei o que o Vasco passou, queria conhecer muito mais a história do Vasco, mas estão criando uma atmosfera que a gente vai perder e que a gente vai ser vice de novo. Nós não somos isso." Falei isso antes de entrar em campo no jogo em São Januário contra o Coritiba.
- Eu bati no peito do Eduardo Costa, que tinha acabado de ser campeão no São Paulo. Bati no peito e disse "Você é campeão". Repeti. "E você aqui, Renato Silva, você é campeão. Fernando Prass, você é um campeão. Dedé, Diego Souza, vocês são campeões".
Apesar da firmeza no discurso, Alecsandro ficou receoso de ter desagradado a Roberto Dinamite, figura que idolatrava desde pequeno e com quem havia criado uma bonita relação.
- Naquele momento, eu senti que de certa forma eu criei um atrito com o Roberto. Eu precisava falar por que eu estava me incomodando. E lembro muito bem que nós saímos daquilo ali, e os caras falavam "É isso aí, nós vamos ganhar, vamos ganhar". E quando eu fui entrar em campo, o Roberto estava na porta. E eu achando que eu tinha ido mal, o cara era presidente e ídolo do clube. O que quis dizer foi o seguinte: se alguém perdeu, não foi a gente. Foram vocês. Como eu falo uma coisa dessa?
- Quando eu vou entrar em campo, o Roberto vira. Eu fiquei meio receoso, meio tímido. Ele falou assim: "Cara, excelentes suas palavras. Esse grupo é um grupo vitorioso e vocês vão ganhar, sim. Parabéns pelas palavras". Pô, me emociona até hoje, mano. Eu falei assim: "Caramba, agora já era. Se o homem 'está com nós', já era". Aí foi aquilo lá, né? Graças a Deus, tudo deu certo.
Números da campanha
Fonte: ge