Ricardo Sá Pinto admite dificuldades, mas mostra otimismo: 'O melhor do Vasco ainda está por vir'
O relógio marcava 12h37 quando o número de Portugal apareceu no telefone. Do outro lado, Ricardo Sá Pinto com a voz apressada, afinal, a dois dias do Natal, ainda não havia garantido os presentes das filhas Leonor e Constança, que vieram com a mãe, Frederica, passar as festas de fim de ano no Rio.
Em cerca de 30 minutos, o treinador fez jus ao apelido de Coração de Leão: defendeu os jogadores e seu trabalho; rugiu diante de perguntas, depois se acalmou; foi duro contra o racismo no futebol; e mostrou que já é um pouco brasileiro, pelo menos na mania de deixar as compras para a última hora.
Em que jogo o Vasco chegou mais perto do que você quer?
O jogo contra o São Paulo (empate em 1 a 1 no Morumbi) nos deu aquilo que queríamos encontrar. Estávamos numa ascendente. O time estava compacto, vínhamos bem defensivamente e precisávamos melhorar ofensivamente. Para isso, era preciso ter os jogadores disponíveis sempre quando eu queria, para trabalhar essa dinâmica. O mais difícil é colocar a equipe para jogar o trabalho ofensivo. Acontece que um conjunto de situações surgiram, eu fiquei com Covid, muitos jogadores ficaram com Covid, perdemos na Sul-Americana com seis chances claras de gol criadas. Foi duro.
Já vê melhora no time?
O tempo para trabalhar é muito importante. Por vezes, não tivemos tempo. Essas últimas semanas foram boas para isso. Trabalhamos as dinâmicas defensivas e ofensivas, melhoramos o que é importante. Cuidamos da equipe em termos fisiológicos e mentais, estavam todos desgastados. Estamos num caminho melhor para fazermos o que resta da temporada mais condizente com a imagem do Vasco. Com uma equipe mais fresca mentalmente, ela consegue melhorar em todos os aspectos. O melhor do Vasco ainda está por vir.
Ao chegar, você disse que não sabia que o Vasco tinha salários atrasados. O momento é mais difícil do que você esperava?
É mais difícil sim, concordo, tem sido mais do que eu esperava. Mas tenho encontrado uma estrutura de pessoas, o staff, os dirigentes, todos que trabalham comigo diretamente, que têm sido excelentes. Criamos um ambiente familiar. Isso tem nos ajudado a passar pelas dificuldades. Querendo ou não, tem situações que atrapalham, os atos eleitorais são coisas que não dão muita estabilidade, a parte financeira é algo que queremos que seja estabilizada. Mas eu vejo um grupo unido, em vários aspectos, com uma vontade enorme de ajudar o Vasco. Essas questões, deixamos na mão da nova direção, que vem com vontade de ajudar, de unir. Queremos acreditar que todos nós podemos ajudar para que o clube consiga estabilidade. O Vasco é muito grande para ficar nessa situação. Sinto um bom ambiante dentro da equipe. Quando é assim, as coisas boas vão acontecer.
Notou algo no futebol daqui que seja novo para você?
Existem coisas que são parecidas e outras, diferentes. São escolas diferentes. Percebi que, aqui, fazer o gol primeiro é muito importante, porque quem o faz vai tentar controlar o jogo até o final. As equipes procuram marcar primeiro, marcar cedo e depois se fechar. Aí, no contra-ataque, fazer o segundo, talvez o terceiro. Vi a qualidade do jogador brasileiro, individualmente há muitos talentos. Em termos táticos, eles estão muitos agarrados na marcação individual: o ponta marca o lateral, o meia marca o meia... O comportamento posicional não é muito utilizado. Existe preocupação com a marcação individual, que é algo que na minha forma de pensar não existe.
Como lidar com a invasão ao treino? Já tinha vivido isso?
Acho que pode haver comunicação entre a torcida e os jogadores, a direção. Isso pode ser promovido de uma forma organizada.
E foi?
Não, porque eles entraram no campo sem ter uma reunião prévia. Foi a única coisa que não foi correta em acontecer. De resto, ter uma conversa é importante. Fomos todos surpresos, interrompemos o treino. Foi uma conversa saudável, amigável, curta, e não teve problema nenhum. Os próprios torcedores nos deram apoio no fim. A primeira insatisfação sem os resultados é nossa, de jogadores e comissão.
Outra cultura ruim aqui é a da demissão de treinadores. Você se sentiu ameaçado?
A pressão por resultado faz parte da vida do treinador, estamos sempre lidando com isso. Mas acredito no trabalho e procuramos soluções. Acreditamos todos muito uns nos outros, e os resultados estão voltando aparecer. Nunca ninguém da diretoria veio conversar comigo sobre isso, o que eu tive foi sempre muito apoio.
Qual é a importância do Castan? Chamou a atenção o abraço de vocês depois da vitória sobre o Santos.
Ele é o nosso capitão, um exemplo como profissional, na conduta com todos, no comportamento diário nos treinos. Mas não foi um abraço apenas nele. Falei com todos os jogadores, eles têm sido fantásticos, na forma como acreditam, na maneira como se entregam ao trabalho. Claro que nem a todos posso agradar 100%, afinal têm os que querem jogar e não jogam.
Como tem visto os últimos casos de racismo no futebol?
Acho inadmissível, sou contra. É inacreditável que ainda tenhamos de lidar com isso no século XXI. Somos todos seres humanos.
E o que faria se acontecesse com algum jogador seu?
Não quero nem pensar que isso pode acontecer. Só acontecendo é que poderia saber como iria proceder.
Fonte: O Globo Online