Leven Siano: 'Sá Pinto é e será treinador do Vasco. Não queremos fazer caça às bruxas'
O Vasco da Gama atravessa uma das mais conturbadas e polémicas eleições da história do clube, e Leven Siano aguarda, neste momento, uma decisão das mais altas instâncias da Justiça brasileira para saber se será confirmado como novo presidente.
Caso a decisão seja validade, segue-se o complicado desafio de equilibrar as contas de um dos emblemas com maior história de todo o país, que, no entanto, não sabe o que é conquistar um campeonato nacional há já, precisamente, 20 anos.
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o advogado brasileiro explica o que motivou tamanha confusão no sufrágio, e aborda o papel que o treinador, Ricardo Sá Pinto, irá ocupar no projeto que tem para o clube.
Além disso, Leven Siano abre, ainda, o livro quanto aos planos já esboçados para "reconectar" o emblema do Rio de Janeiro a Portugal, e revela o conteúdo de uma reunião que manteve com responsáveis do Benfica no ano passado.
Para quem não tem acompanhado, como explica toda a demora na conclusão do processo de eleição?
Tivemos aqui uma eleição limpa e democrática pela primeira vez na história do clube. Uma eleição direta para a presidência, porque, até à última eleição, era feita de forma indireta, em dois turnos, no qual o quadro social votava no primeiro, e os conselheiros eleitos e vitalícios votavam no segundo. Um conselho deliberativo de 300 conselheiros é que escolhia o presidente no final. Eu fui eleito pela maioria do quadro social, com uma grande votação, de 1155 votos, o que significou mais de um terço do colégio eleitoral, tendo em conta que houve cinco candidatos.
Mas o resultado não foi aceite...
Infelizmente, três dos candidatos tentaram fazer aquilo a que chamamos de golpe na democracia, e confundiram os adeptos durante algum tempo, até que a situação foi resolvida pela Justiça. No dia 14 de novembro, o Ministro relator do Superior Tribunal de Justiça a quem foi entregue o processo demonstrou a sua retidão ao anular e caçar a liminar que tinha sido colocada anteriormente pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, e revigorou a ordem do Tribunal de Justiça do Rio, em como as eleições deveriam acontecer. Com isso, a vitória está consolidada nas urnas e na Justiça. O ex-candidato Jorge Salgado tenta contestar na Justiça, pedindo uma reconsideração da decisão, mas nós confiamos que a decisão está correta e respeita o facto de 3447 sócios vascaínos terem deixado as suas casas para votar no dia 7 de novembro.
Pessoalmente, de que forma encarou este processo?
Nós somos muito otimistas quanto àquilo que temos para entregar ao Vasco. Estamos muito ansiosos por poder colaborar para que o Vasco possa voltar a ter uma equipa temível para os adversários. Nos últimos anos, o Vasco apequenou-se muito, após uma série de gestões nada profissionais. Temos, hoje, a possibilidade de reerguer o Vasco através de novos recursos e investimentos, com uma gestão profissional e uma equipa de trabalho de muita confiança, que gerou credibilidade para atrair novos investimentos. Estamos muito ansiosos para começar a resolver os problemas do Vasco e colocar o clube no protagonismo do futebol brasileiro, como tem que ser.
Quais são as primeiras prioridades assim que tomar posse?
A prioridade é implementar o nosso projeto Somamos, que tem como objetivo fazer com que o Vasco recupere o prestígio e o protagonismo no futebol brasileiro. Estamos prontos para começar a implementá-lo. Os primeiros passos são a contratação da equipa de trabalho, que já está alinhada, e a implementação das reestruturações financeiras necessárias, através da captação dos novos recursos de que precisamos no clube. Por enquanto, uma vez que o presidente atual não aceitou fazer uma transição amigável, infelizmente não pensando no Vasco, temos que aguardar até ao dia da posse, que será a 19 de janeiro.
No meio de toda esta confusão, sente os adeptos unidos em torno do clube?
O Vasco tem várias dimensões. Infelizmente, o quadro social é muito pouco representativo do que são os adeptos. O Vasco tem uma torcida de 20 milhões de adeptos espalhada por todo o Brasil, e o quadro social tem pouco mais de oito mil votantes. É uma parcela muito diminuta do que é a massa adepta do Vasco. Temos a certeza absoluta de que o nosso nome soa como uma grande esperança junto dos adeptos do Vasco. Há, praticamente, uma unanimidade entre todos os adeptos no Brasil e no mundo. O quadro social ainda é composto por muitas pessoas que são muito ligadas a grupos políticos que têm interesses menores.
Com exceção desses pequenos grupos, temos consolidada a maioria do quadro social, de tal maneira que fomos vitoriosos na votação. Esperamos conduzir um processo de mudança na política do Vasco, torná-la mais saudável através de uma gestão profissional, com um canal de comunicação mais aberto. Defendemos a nossa capacidade de diálogo com todos os grupos e personalidades políticas, mas, infelizmente, a política do Vasco ainda tem muita gente apegada a interesses menores, que contribuíram para que o Vasco se tivesse apequenado nos últimos anos. Mas, da nossa parte, vamos estar sempre disponíveis para ouvir, receber, incorporar e dar oportunidades a todos aqueles que querem ajudar o Vasco, independentemente de terem votado em nós ou não.
Só vencendo dentro de campo é possível acabar com essa divisão?
Acredito muito que, num ambiente próspero e num sistema organizado, protegido de corrupção, é possível agilizar a capacidade de fazer com que as pessoas voltem a colocar o Vasco como o maior interesse acima de interesses particulares. Também temos projetos para revitalizar as nossas sedes, como na Lagoa Rodrigo de Freitas, junto ao Aeroporto Santos Drumond… Ao fazemos as obras que temos que fazer, também damos mais oportunidades ao convívio social entre os associados, e isso também facilita muito a pacificação que entendemos que é necessária no clube.
O Vasco já não é campeão desde 2000. Vai voltar a sê-lo durante o seu mandato?
Vamos com tudo para disputar todos os títulos, com uma equipa de futebol muito forte. Costumo brincar e dizer que o futebol é o show do milhão. Onde há dinheiro, é possível praticar um bom futebol. Onde não há, não se consegue e conta-se só com a sorte. No projeto Somamos, apresentamos ao mercado investidor no futebol um plano de negócios diferente para o Vasco do futuro, um Vasco onde há uma maximização dos ativos e a construção de novos negócios que trarão novos investimentos. Com isso, estaremos capacitados, já a partir do ano que vem, a construir equipas mais fortes, que disputem os títulos de todas as competições em que participarmos.
No ano passado, falou-se muito da diferença abismal entre o orçamento do Flamengo e o das restantes equipas. Isso continua a ser uma realidade?
O nosso maior rival fatura mais de cinco vezes o que o Vasco fatura. É um grande desafio. Tenho dito sempre aos nossos adversários políticos, que têm projeções menores, de austeridade, que o nosso grande problema não é a despesa, é a incapacidade de produzir receitas. Por isso é que precisávamos de um projeto como o Somamos, onde estabelecemos um plano estratégico para que, através de novos negócios, consigamos estabelecer novas receitas que possam aumentar a nossa faturação, e possamos competir com os nossos adversários. Hoje, a competição é desigual, porque a nossa faturação é muito mais baixa, mas não conseguimos fazer esse choque de gestão e de receitas da noite para o dia.
Tem uma estimativa de quanto tempo pode demorar?
É um processo que pode levar de 18 a 48 meses. O modelo de negócios que estabelecemos é o modelo internacional, no qual contamos, inclusive, com a assessoria financeira de uma empresa portuguesa, cujo sócio que está responsável por essa captação de recursos é o Bernardo Teotónio Pereira. Com esse financiamento, vamos ter o nosso crescimento assegurado. Queremos os recursos já no próximo ano, não por causa do aumento das receitas, mas pelo financiamento, para que, através do desenvolvimento do plano de negócios, consigamos criar uma capacidade de pagamento que permita gerar o dinheiro de que o Vasco precisa hoje. O grande problema do Vasco não é a dívida, é a falta de capital.
No seu projeto, que papel vai assumir o Ricardo Sá Pinto?
Neste momento, precisamos de chegar ao clube, conhecer todos os profissionais e respeitar os contratos. O Sá Pinto, em princípio, é treinador do Vasco e continuará a sê-lo, a não ser que se apresente alguma circunstância diferente como necessária. Não queremos fazer uma caça às bruxas, queremos dar material e capacidade de trabalho a todos, para que possamos desenvolver um Vasco forte. Isso significa, em primeiro lugar, entender toda a situação, conversar com todos e dar a todos uma oportunidade de trabalhar num ambiente mais próspero.
Como tem visto o trabalho do treinador nestes últimos meses?
Dentro das obstáculos que ele tem enfrentado, fruto das dificuldades financeiras do Vasco, com um plantel que ainda necessita de muitos reforços para ter mais qualidade, está a fazer um bom trabalho. Jogou, por exemplo, de igual para igual com o São Paulo, que é um dos líderes do campeonato, eliminou o Flamengo da Taça do Brasil… Dentro das dificuldades, tem apresentado um bom trabalho.
Já falou diretamente com ele?
Infelizmente, não. Gostaria muito de falar, mas a postura do atual presidente tem sido muito refratária no sentido de organizar uma transição amigável. Ele continua a cogitar a possibilidade de a decisão judicial me considerar como presidente eleito ser ainda incerta. Acredita, talvez, que o Jorge Salgado possa conseguir a reconsideração da Justiça, o que acho que é praticamente impossível, porque tudo o que fizemos foi o que a Justiça determinou. Acredito muito que a Justiça vai dar estabilidade e respeito pela democracia, que é um valor muito caro para nós, os brasileiros, que tivemos uma ditadura até há muito pouco tempo do ponto de vista histórico. Acho difícil que a Justiça brasileira reconsidere e desrespeite a democracia que foi 3447 pessoas votarem. O nosso atual presidente, Alexandre Campello, ainda está muito preocupado de que possamos assumir o Vasco e mostrar a todos os adeptos como um clube que se apequenou tanto nos últimos anos se poderá transformar rapidamente num clube muito forte.
Sente que a equipa se tem ressentido deste processo?
É impossível que a equipa não seja afetada por todo este distúrbio político. Queremos dizer-lhes que nós somos a solução e não o problema. Estamos a trazer novos parceiros e uma maneira muito profissional de gerir o Vasco, com uma equipa que tem credibilidade em todo o mundo. Estamos a trazer para o cargo de diretor de novos negócios o Francisco Lopes, que foi diretor financeiro do Barcelona de 2003 a 2009 e diretor executivo do Manchester City de 2012 a 2018. Estamos a trazer uma equipa de executivos muito forte, para que possamos trazer os recursos necessários para criar paz no clube. Sabemos a dificuldade que é, para um jogador e para a sua família, não receber em dia. Algo que, infelizmente, aqui no Brasil se tornou algo comum para muitos clubes. Queremos profissionalizar o clube de maneira a que os pagamentos de todos sejam feitos religiosamente em dia.
Não teme que a despromoção seja um cenário possível?
Antes de ser presidente, sou adepto do Vasco, e gostava que tivéssemos a oportunidade de começar a interagir com o clube desde já. Foi essa a nossa proposta. Num primeiro momento, o Alexandre Campello disse que estaria de portas abertas para aquilo que a Justiça determinasse. A Justiça determinou e, mesmo assim, ele não abriu a porta. Isto demonstra que ele tinha uma preferência de que o próximo presidente não fosse eu. Lamento, porque isso está a atrapalhar aquilo que poderíamos fazer pelo clube, inclusive reforços que poderiam ter sido contratados até ao dia 20 de novembro, e que já não serão, porque as inscrições para o campeonato brasileiro fecharam. Acredito que essa decisão de não permitir que se faça a transição o quanto antes está a atrapalhar os interesses do próprio clube. Eu, como presidente eleito, tenho que respeitar, porque não há nenhuma regra que o obrigue a iniciar essa transição antes do final do mandato, que é dia 15 de janeiro do próximo ano. Cabe-me, respeitosamente, aguardar pelo dia da posse para que possamos começar a trabalhar.
Mas continua em aberto a possibilidade de contratar reforços em breve?
O financiamento tem três objetivos. O primeiro é reestruturar financeiramente clube. O Vasco, hoje, tem um problema crónico de falta de caixa, e, com o financiamento, o nosso primeiro objetivo é reestruturar as finanças do clube e gerar caixa para que possamos operar. O segundo objetivo é construir uma equipa de futebol forte, porque a nossa crença é que uma equipa forte aumenta as receitas. É um grande investimento, não um grande custo. Uma equipa forte melhora o nível do patrocínio, as receitas de material desportivo, o interesse nos direitos de transmissão… O terceiro objetivo é fazer com que seja possível investir nos novos negócios que estamos a projetar para que, a médio-prazo, alavanquemos as nossas receitas e alcancemos o equilíbrio financeiro.
Um dos projetos que temos é inspirado na experiência do Benfica e do FC Porto. Especialmente, nas Casas Benfica. Tive a oportunidade de visitar o Benfica no ano passado. Tive uma reunião com o diretor de marketing, Vasco Brasil, que me mostrou todo o projeto de marketing e a importância das Casas Benfica. Estamos a trazer o João Rodrigues, que trabalhou na secção comercial e de marketing do Benfica durante seis anos e que foi sales manager das Casas Benfica, para ser o diretor do projeto das Casas Vasco. Acreditamos que projetos como este vão melhorar as nossas receitas para que tenhamos um crescimento sustentado. Não adianta pedir dinheiro emprestado ao financiamento internacional, aumentar a nossa dívida e não ter capacidade de pagamento.
Além desse, tem mais projetos relacionados com Portugal?
Convido todos os portugueses a conhecer o nosso projeto. Um dos objetivos é reconectar o Vasco com Portugal. Queremos ser um grande representante de tudo aquilo que seja português. Desde a cultura até à gastronomia. Desde os produtos da indústria portuguesa, como o bom vinho, o bacalhau, o azeite… Queremos que o Vasco seja um grande representante de Portugal no futebol brasileiro. Queremos homenagear o pão do francês, o pão de ló, os azeites, o vinho, o bacalhau, o arroz de pato, a bola de Berlim, os ovos moles, o fado de Amália Rodrigues e de Mariza, a literatura de Luís de Camões e Fernando Pessoa, os azulejos, as danças dos Pauliteiros de Miranda, as festas religiosas, a festa da flor da Madeira, as festas do barrete verde em Alcochete… Queremos que o Vasco seja um grande braço da cultura, da indústria portuguesa e de Portugal como um todo. Temos o dever de reconectar o Vasco com Portugal, e assim o faremos.
O Vasco tem a ganhar do ponto de vista financeiro com essa ligação?
Acho que sim. O Vasco é um grande embaixador de Portugal no Brasil. Nós homenageamos, talvez, o maior herói português de todos os tempos, e somos felizes em fazê-lo. Temos vários brasileiros que residem em Portugal e torcem pelo Vasco, temos até vários portugueses que torcem pelo Vasco. Temos um clube construído por emigrantes portugueses. Acho que Portugal e Vasco podem dar as mãos e construir um ambiente de prosperidade mútua.
Vai pegar no clube numa altura especialmente delicada devido à pandemia. É caso para dizer que a paixão pelo Vasco falou mais alto?
O amor pelo clube é a bússola que nos guia. Tenho a minha vida profissional e financeira resolvida, e decidi entregar tudo aquilo que a vida me deu para consigamos criar um legado que seja sempre capaz de disputar títulos novamente. Há muitas crianças que não viram, sequer, o Vasco campeão ainda. Tenho dois filhos, o João Pedro, de 13 anos, e o Alexandre, de três, que ainda não viram o Vasco conquistar um grande título. Toda esta dedicação é, em primeiro lugar, para as crianças vascaínas e para os adeptos como um todo, para que possamos voltar a torcer por um clube que tenha o êxito desportivo a que nos habituámos.
Fonte: Desporto ao Minuto