A calma para sair do gol e fazer intervenções importantes no empate por 1 a 1 com o São Paulo chamaram atenção. O sorriso no rosto e a desenvoltura como o microfone para zoar o amigo Brenner, quem parou em uma defesaça com o pé esquerdo também. Mas o goleiro Lucão, de 1,90m e 19 anos, é mais do que isso.
Morador da Tijuca, goleiro é firme nas redes e ainda não tem carro
Engajado em causas sociais diferentemente da maioria dos atletas de sua idade e com posicionamento firme nas redes - sobretudo no Twiiter -, é um cara extremamente simples. Apesar da multa de 30 milhões de euros (cerca de R$ 193 milhões), Lucão, que mora na Tijuca, Zona Norte do Rio, não tem carro e por vezes vai a ao CT do Almirante, em Jacarepaguá, em ônibus do clube que pega em São Januário.
É useiro e vezeiro em retuítes que combatem racismo, outras formas de preconceito, violência contra a mulher e descaso com o meio ambiente. Isso, porém, não o afasta de zoações com diversos amigos da bola. Chama muitos deles de "feios" e não poupa emoticons.
Da zaga ao gol em nome do pai e do avô
É muito família também. Os laços familiares, aliás, o fizeram tomar um novo caminho no futebol. Não, Lucão não é um ex-atacante frustrado. Estava até perto das traves como zagueiro em Barra Mansa, município no Sul Fluminense onde nasceu e foi criado. Mas, influenciado pelo avô Aldo e pelo pai, Alexandro, tornou-se goleiro.
Lucão trocou a zaga pelo gol ainda no início da vida, quando dava seus primeiros chutes na escolinha Ideou, em Barra Mansa. E a mudança se deu ocasionalmente.
- Eu sempre jogava na linha, aí teve um jogo que precisavam de um goleiro, decidi ir para o gol, fui bem. Decidi seguir pela história do meu avô e do meu pai. Meu avô jogou no profissional do Bangu, meu pai sempre jogou no gol (no futebol amador). Foi num jogo em que o goleiro se machucou. Meu time estava perdendo de 1 a 0, fui para o gol. Teve um pênalti, peguei o pênalti e lá eu continuei - contou durante entrevista à Vasco TV em abril de 2017, à época com 16 anos recém-completos.
Chegada ao Vasco em 2013
Já como goleiro, tornou-se jogador vascaíno aos 12 anos, após ser captado pelo Vasco em campeonato de futebol de salão disputado no bairro carioca do Grajaú, tradicional na modalidade. Na ocasião, defendia o Sesi de Volta Redonda.
Ainda 2013, apesar de nascido em 2001, já rivalizava contra a famosa geração 2000 do Flamengo, de Vinícius Junior e companhia. A partir daí, foi só sucesso. Passou por todas as seleções de base do sub-15 ao sub-23. Foi campeão sul-americano sub-17 e conquistou o tradicional Torneio de Toulon sub-23 no ano passado, com apenas 18 anos.
Durante a evolução na base, escutou críticas de que era um dos poucos goleiros de sua geração que não se notabilizava por pegar pênaltis. Os colegas João Pedro e Alexandre, por exemplo, eram destaques no quesito. Dedicou-se, insistiu e passou também a parar rivais nas penalidades.
Pessoas próximas também garantem que Lucão cresceu muito no aspecto mental. A frieza demonstrada contra o São Paulo nem sempre o acompanhou.
O que os olhos de Seu Alexandro não viram, o coração sentiu e ouviu pela voz de Dona Vanda
Em vídeo postado pelo Vasco na última segunda-feira, um dia após a atuação destacada no Morumbi, Lucão citou Seu Alexandro, que faleceu em 2019 em decorrência de um infarto. O pai do goleiro vascaíno já sofria há algum tempo com a diabetes, doença crônica que o fez perder a visão em 2016.
- Meu pai foi tudo para mim, hoje não está mais comigo. Com certeza ele estaria muito feliz de estar vendo um jogo desses, mas sei que em qualquer lugar que estiver, ele vai estar bem feliz. Um pouco do que sei hoje, juntando com os trabalhos, é tudo por causa do meu pai - afirmou, em entrevista concedida à Vasco TV na segunda-feira.
O fato de ter parado de enxergar em 2016 impediu Alexandro de assistir às defesaças do filho, mas não freou seu coração de pai. Dona Vanda, sua esposa e mãe de Lucão, passou a narrar os feitos do goleiro. Esteve sempre presente, como em agosto de 2017, quando Alexandro e Vanda sentaram à mesa com Lucão no ato da assinatura do primeiro contrato profissional - o atual, renovado em fevereiro, é válido até dezembro de 2023.
Luxemburgo atesta: "Esse é goleiro de verdade"
Depois de participar de diversos treinos do time profissional desde que integrava o sub-17 do Vasco, Lucão foi bancado na categoria principal por Vanderlei Luxemburgo. Tão logo que chegou ao clube, em maio de 2019, tratou de observar goleiros em período no qual Fernando Miguel estava lesionado.
Durante treinamento, após acompanhar o trabalho de Lucão, virou-se para funcionários do clube e afirmou:
- Esse é goleiro de verdade, quero ele aqui comigo no profissional definitivamente.
Nas internas, Luxemburgo dizia que Lucão lembrava Dida por ser um goleiro grande, intimidador e firme. O garoto, àquela altura, tornava-se definitivamente peça do elenco profissional do Vasco.
Estreia no profissional, na Série A e expectativa pelo primeiro jogo internacional
Em 2 de fevereiro de 2020, a 24 dias de completar 19 anos, Lucão tornou-se o goleiro mais jovem a jogar pelo Vasco no século 21. Foi titular na derrota por 1 a 0 para o Botafogo. No último domingo, foi a vez de debutar na Série A, com ótima apresentação diante do São Paulo.
- Além de ser minha estreia no Brasileiro, pude realizar mais um sonho. Sempre um sonho vestir a camisa do Vasco, ainda mais que eu vim da base. Era um sonho jogar com Castan, Fernando Miguel, Pikachu... Então me sinto realizado. Espero ter mais oportunidades, mas respeitando o Fernando Miguel. É o nosso líder aqui dentro. Por ser um dos capitães, o grupo tem a confiança, o mister confia nele. Estou não para ser uma sombra, mas para seguir um trabalho - disse Lucão à Vasco TV.
Na próxima quinta-feira, com o amigo Fernando Miguel afastado por Covid-19, Lucão realizará novo sonho contra o Defensa y Justicia, na Argentina, pela Copa Sul-Americana. Pela primeira vez jogará fora do país como profissional vascaíno.
- Expectativa muito grande, porque está sendo minha primeira competição internacional pelo Vasco, eu podendo atuar como titular. Vou procurar aproveitar o máximo a oportunidade e tentar passar confiança para a equipe, para o treinador. E deixar esse ponto de interrogação na cabeça do professor (risos).
Lucão tem oportunidade de ouro para dar prosseguimento à vocação vascaína de formar excelentes goleiros negros. Com a bênção de Barbosa e Helton, o atleta de 19 anos enche a torcida vascaína de esperança por uma nova atuação segura e com personalidade.
Fonte: ge