Ídolo do Manchester United, Andy Cole relembra disputa contra o Vasco no Mundial de 2000
Em 2015, enquanto Andrew Cole se arrumava para um jantar com amigos em Manchester, na Inglaterra, a sua então esposa Shirley fez um comentário trivial à primeira vista. "Essa camisa está muito apertada, acho que você engordou um pouco na Ásia". Ele deu de ombros e, durante a refeição, foi o único a se queixar da aparente falta de sabor da comida.
No dia anterior, Cole havia chegado exausto em casa de uma viagem ao Vietnã como embaixador do Manchester United, clube pioneiro na expansão da marca a outros mercados desde as inúmeras glórias nos anos 90 e ainda hoje um dos mais populares entre os torcedores asiáticos.
O ídolo dos Red Devils acordou na noite do encontro com amigos ensopado de suor e com forte mal-estar. Após rápida consulta com um ex-médico do clube, Andy Cole foi submetido a exames. Os resultados eram alarmantes. Foi a primeira vez que Cole ouviu as palavras "falência renal". Ele tinha contraído um vírus no Vietnã, e os médicos acreditam que essa infelicidade agravou um quadro existente, mas até então desconhecido pelo paciente.
Não fosse o histórico de jogador de elite, Cole talvez não tivesse resistido para a primeira sessão de quatro horas hemodiálise. O procedimento se repetiu nos 10 dias seguintes em que ficou internado. "Tudo foi muito difícil a partir desse momento, mas só tenho a agradecer pela maneira que todo o corpo clínico me tratou em uma fase tão delicada da minha vida", conta. Ao UOL Esporte, Andy Cole conta como sobreviveu.
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Animal no caminho
Apenas um mês depois de vencer o Palmeiras, o United desembarcou no Rio de Janeiro para participar do primeiro Mundial com a chancela da Fifa, em 2000. Dessa vez, Cole fez parte da delegação.
No Grupo B, ao lado de Vasco da Gama, Necaxa-MEX e South Melbourne-AUS, os ingleses tiveram um desempenho decepcionante, com todas as atuações no Maracanã. Prova disso é que são mais lembrados pelo golaço sofrido dos pés de Edmundo do que por ter feito algo de relevante na competição.
Depois da expulsão de David Beckham e o empate em 1 a 1 com os mexicanos na estreia, com gol de Yorke, o Vasco de Romário e Edmundo foi o próximo adversário. O Baixinho aproveitou duas falhas grosseiras de Gary Neville e colocou os cariocas em boa vantagem no Maracanã. Ainda antes do intervalo, o Animal recebeu passe de costas para o gol na entrada da área e, após um giro espetacular sobre o zagueiro Mikael Silvestre, tocou na saída de Mark Bonisch e fez uma obra-prima. Nicky Butt descontou no fim, e o placar ficou em 3 a 1.
"O Vasco jogou muito bem, tinha um time de muita qualidade e mereceu vencer aquela partida. O Edmundo marcou um gol fantástico, à altura do jogador sensacional que ele foi. Ele pode ter passado por alguns problemas, mas dentro de campo era muito bom. Fiquei impressionado com o que ele fez naquele jogo, aquele gol, mas não tenho certeza se o Mikael gostou tanto."
O único triunfo do United em solo brasileiro aconteceu diante do South Melbourne, composto por jogadores semiprofissionais. O resultado, no entanto, foi pouco para avançar até para a disputa do terceiro lugar. O Corinthians bateu o Vasco nos pênaltis na final e se sagrou campeão.
Mundial na praia
O United vivia um ambiente de bastidores turbulento na Inglaterra antes de atravessar o Atlântico. O país tinha o sonho de sediar a Copa do Mundo de 2006. Por isso, a Football Association e o governo pressionaram o clube para representar o país no torneio inaugural da Fifa. Na visão dos cartolas, o peso de uma marca como o United aumentaria as chances de receberem o Mundial de seleções anos depois. Para atender aos pedidos, o clube teve de retirar a sua participação na Copa da Inglaterra, torneio de mata-mata mais antigo do mundo. Isso enfureceu os tradicionalistas —como mostra o tweet abaixo, em que o Mirror publica a pergunta: "Alguém que ficou na Inglaterra acha que o Manchester United não devia estar na Copa?".
Apesar das questões extracampo, Cole lembra com bastante carinho da experiência vivida no Rio de Janeiro. "Adorei o Brasil, foi uma ótima oportunidade de conhecer um pouco do país e de ter o privilégio de jogar no Maracanã, onde já tinha visto muitos jogos pela TV. Além disso, nosso hotel era de frente para a praia... Tive a sorte de o futebol me levar a muitos países, e o Brasil foi um dos grandes lugares que conheci."
"Não sabia e não sei muito sobre os times locais, mas sempre acompanhei a seleção brasileira. Na minha infância, não importava quem fosse, todo mundo parava para assistir ao Brasil jogar, porque havia muito talento em um time só, algo muito prazeroso de acompanhar. Claro que o Pelé foi antes da minha geração, mas sei o que ele representa", diz, antes de listar alguns nomes da seleção de 1982. "Na minha época de criança eram Sócrates, Zico, Eder, Falcão, Júnior. Eles eram muito, muito, muito bons. Eu gostava muito de ver o Zico em campo, por tudo o que ele fazia, mas também pelo jeito como ele se conectava com os atacantes em campo, os passes..."
Lenda da Premier League, Cole não teve o mesmo sucesso pela seleção inglesa: foram apenas 15 jogos e só um gol, sem nenhuma Copa no currículo. "Gostaria de ter disputado uma, mas não aconteceu, são coisas da vida. Tem muitas coisas que eu gostaria que tivessem acontecido, mas não foi o caso."
Depois de deixar o United no fim de 2001, ele defendeu outros oito clubes antes de se aposentar em 2008 com quase duas décadas de carreira. Desde então, o ex-centroavante fez cursos de treinador, e o último cargo que ocupou foi o de assistente de Sol Campbell no Southen End, rebaixado da Terceira Divisão em 2019-20 com graves problemas financeiros.
A batalha (mental) continua para o campeão transplantado.
Fonte: UOL