Em assembleia presidida por delegado de polícia, Vasco teve presidente afastado em 1901; conheça a história
A CANOA VIOLETA E A CRISE SOCIAL VASCAÍNA DE 1901
A curiosa assembleia presidida pelo delegado
Há exatos 112 anos era batizada e integrada à flotilha a mais nova canoa de 4 remos do Vasco, a Violeta.
Como não poderia deixar de ser, o Jornal do Brasil eternizava mais uma vez na memória vascaína o festivo momento que contou com a presença do corpo social, atletas, dirigentes, esposas, filhos, parentes e visitantes de outros clubes, ocorrido nos fundos da primitiva sede da Travessa do Maia, no acesso ao mar da praia do Boqueirão do Passeio. Todos celebrando e semeando o futuro daquele que viria a ser o Gigante da Colina, de onde haveria de se tornar dali a 4 anos o club de regatas mais poderoso do então Distrito Federal.
Naquele tempo a gestão administrativa era de 1 ano de mandato. A assembléia geral eletiva para o período 1900/1901 se deu em 26 de agosto, tendo assumido a presidência do clube, a 9 de setembro de 1900, o sr. Leandro Martins, laureado empresário português do ramo de móveis finos, cujo nome foi dado à rua transversal do quarteirão da rua Camerino - onde residiu - com o Colégio Pedro II. É o único ex-presidente vascaíno que detém tal honraria no centro do Rio de Janeiro.*
No entanto, apesar dos frutos positivos que ali se estavam plantando, grave crise social – a segunda em menos de dois anos – grassava entre os vascaínos e seus dirigentes.
Segundo José da Silva Rocha (Rochinha), na sua obra mestre sobre a história vascaína, pretendeu o então presidente, face às debilitadas finanças do clube, otimizar a cobrança de mensalidades, elevar o quadro social, aumentar a receita, bem como introduzir a instalação de luz a gás ou elétrica no recinto da antiga sede.
Quis a visão do então empresário e presidente - que por amor e paixão permitia que a flotilha do clube fosse sempre reparada pelos carpinteiros de sua fábrica de móveis - implementar também a redução dos cargos eletivos e diretivos do clube, imaginando dinamizar a administração do Vasco.
Promoveu então a reforma estatutária que conduziria à segunda cisão no clube, onde obteve autorização de uma assembléia realizada às vésperas do natal de 1900 (23 de dezembro), cuja proposta suprimiria vários cargos eletivos da diretoria administrativa - dentre elas a de maior destaque: a diretoria de regatas, além do conselho fiscal então composto por 5 membros, mantendo-se somente os cargos de presidente, secretário, tesoureiro, e 3 componentes com função de suprir os diretores em suas faltas e presidir a Assembléia Geral, com imediata execução estatutária.
Valendo-se do incauto momento de apoio, Martins obteve a aprovação de tal proposta, gerando uma grita geral daqueles que sustentavam ser um disparate a designação de membros suplentes com a função de presidir as Assembléias, órgãos soberanos universalmente integrado de poder de indicar quem os havia de presidir e dirigir.
A reação dos opositores da medida foi colossal, em especial do grupo do sócio-fundador José Lopes de Freitas (Zé da Praia), então diretor de regatas, aliado a Lourenço Torres, Carlos Fonseca e de outros nomes contrários à modificação estatutária. Perseguições e punições disciplinares foram aplicadas a diversos opositores que não se dispunham em concordar com o ocorrido.
A diretoria no entanto continuava a agir e trabalhar. No dia anterior ao batismo da canoa Violeta, foi promovida nas dependências da sede, a apresentação das escolas de natação e ginástica, esta última a cargo do prof. Guilherme Herculano de Abreu. Surgiram dessa festa os precursores dos aqualoucos, famosos entre os sócios vascaínos até os anos setenta do século passado.
A oposição acedia freneticamente em reuniões ocorridas no antigo Largo do Passeio, defronte à Travessa do Maia (na atual praça Mahatma Gandhi). Lograram os mesmos convocar uma assembléia para o dia 24 de fevereiro, com intuito de reverterem a punição aplicada pela diretoria a um sócio, conforme faculdade estatutária.
Sucedeu que, a pedido da presidência do club e surpresa da oposição, surgiu na assembleia o bacharel Vital de Mello, Delegado de Polícia.
Rochinha nos conta que tendo o sócio Lourenço Torres tomado a palavra, arguiu com espanto a presença do referido delegado, numa reunião que tinha como propósito a deliberação sobre a vida interna do clube.
Certo é que a presença do indigitado agente da lei tinha por objetivo intimidar os presentes, mas o tiro saiu pela culatra, tendo o sócio suspenso, Alfredo Corte Real, reavido suas prerrogativas sociais por decisão subseqüente daquela assembleia.
Por conta dessa situação, o "lider" dissidente Lourenço Torres propôs também que a Assembleia considerasse acéfala a administração do Vasco, por faltar à organização daquela gestão a indispensável legalidade, contrária que era aos estatutos vigentes!
O delegado-presidente ou presidente-delegado, sem outra alternativa, colocou a proposta em votação, restando aprovada por 90 votos favoráveis contra apenas 16 aos fiéis a Leandro Martins.
Estava aberta a segunda cisão no Vasco!
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*Vascainidades:
(1) O Paiz - 05/02/1901 - "Bella prova de natação – O bravo campeão cyclista e valente remador sócio do Club de Regatas Vasco da Gama, Joaquim José da Silva (Kean) saiu ás 4 ½ horas da manhã de ante-hontem da sede social, a bordo da baleeira Vaidosa, com o intuito de atravessar a bahia a nado, saindo do forte Gragoatá.
Chegando a esse ponto da partida atirou-se o bravo campeão á agua ás 5 horas em ponto, mas, devido á excessiva violencia da corrente, não pôde realizar seu primitivo plano, indo parar á praia Vermelha, onde chegou ás 8 horas e 25 minutos da manhã, tendo portanto feito o longo percurso em 3 horas e 25 minutos, tendo nadado consecutivamente durante todo esse tempo.
Acomparanharam o arrojado moço as baleeiras Vindicta e Odette, do Club Vasco da Gama.
É digno de applausos o denodado Kean, por essa sua nova prova de valor."
(2) O Paiz – 25/02/1901 - "INDISCRETO" – No Club de Regatas Vasco da Gama houve hontem importante assembléa geral.Ia se tomar conhecimento de um acto da directoria, que impuzera a pena de suspensão a um dos mais estimados sócios do club.
A maioria era contraria ao acto do presidente e a assembléa promettia, por esse facto, ser tumultuaria.
Reccioso de que degenerasse a sessão em conflicto, o presidente solicitou da 4.ª delegacia um auxílio de policia que garantisse plenamente a ordem.
Compareceram um inspector e duas praças.Mas a humilde autoridade foi metter-se no recinto onde havia a reunião e foi vaiada pelos rapazes.
O inspector, coitado! enxergou horrores na troça que lhe fizeram os moços, que estavam em sua casa e no direito de tomarem deliberações longe das vistas indiscretas de estranhos, e foi dizer ao Sr. Vital de Mello que a autoridade havia sido desprestigiada.
Os Senhores conhecem esse Sr. Vital de Mello.É uma pilha electrica, quando se trata do seu prestigio delegacial.E na queixa do inspector elle sentiu que fôra tambem gravemente offendido. Concentrou-se um instante e, disposto a fazer tudo raso, se tanto fosse preciso, tomou a ultima deliberação de requisitar da brigada policial uma força de infantaria de 30 praças e mais 10 cavalleiros, armados e pomptos para o maior de espadas.
Depois dirigiu-se ao Club de Regatas Vasco da Gama, onde se apresentou com aquelle ar sorberbo de autoridade que nos lhe conhecemos e promptificou-se a presidir a sessão!
Foi uma assembléa divertidissima.O Sr. Vital dava a palavra, cassava a palavra. E quem lhe replicasse soffria aquella terrivel ameaça: Cala a boca ou metto no xadrez!
Tudo isso foi de um comico inesperado, delicioso, tanto mais delicioso quanto a força da brigada estava demorando e, apesar da má cara do delegado, os moços, habituados a lutar nobremente com o mar, não se arreceiavam delle.
D'ahi o ridículo da posição do Sr. Vital, que já gaguejava, irritado, vermelho, furioso porque não podia metter toda a rapaziada no xadrez.
Afinal, a sessão acabou e o Sr. Vital, offegante ainda, foi saindo...
Não houve, entretanto, desordem a registrar agora, porque os sócios do Club de Regatas Vasco da Gama acharam muita graça no presidente eventual.
*texto originalmente publicado em 26/01/2013
Fonte: Memória Vascaína