Ricardo Sá Pinto fala sobre o desafio de treinar o Vasco e revela surpresa com salários atrasados
A caminho do Rio de Janeiro nesta quinta-feira, Ricado Sá Pinto, ainda em Lisboa, mostrou conhecer bem a delicada situação do Vasco, que vive crise financeira e já demitidu dois treinadores (Abel Braga e Ramon) somente neste ano. O treinador português, que assinou contrato até o fim do Brasileirão com o clube carioca, quer um "primeiro mês duro de trabalho" para, então, ser "verdadeiramente conhecido" no Brasil.
Quais os desafios te motivaram a aceitar o convite do Vasco?
A grandeza e a história do clube. Acompanho há anos a história do Vasco, sempre que posso, e quando o horário permite, também acompanho o futebol brasileiro. Há um carinho muito grande da minha parte, um carinho muito grande do lado dos torcedores, que me enviaram mensagens, muitos deles pedindo para que eu fosse ajudar o Vasco. Eles têm um carinho muito grande por Portugal, acreditam no meu trabalho. Houve uma série de circunstâncias que me levaram a entrar neste grande desafio, de grande responsabilidade, porque o Brasileirão é dos campeonatos mais competitivos do mundo, ainda agora o Flamengo ganhou do Goiás, que é último colocado, com um gol no minuto final. Todos os jogos são uma final. Temos muito trabalho pela frente, acredito também nos valores da equipe, pude acompanhar os últimos três jogos, e vou ver mais alguns jogos pelo caminho, numa ideia de tentar melhorar a equipe de forma individual e também coletiva. Há coisas boas, há coisas que precisam melhorar.
Temos que mudar o fato de sermos uma das equipes mais batidas. É um fato que, se a equipe tiver mais organização defensiva, vamos ficar mais perto de ganhar. Na frente, precisamos criar mais oportunidades, melhorar a decisão no último terço. Temos muitos jogadores de qualidade, que precisam de confiança. O futebol é isso, quando damos um 'clique', podemos conseguir grandes resultados. A minha ambição é essa, ajudar o Vasco a melhorar os resultados o mais rápido possível. O Vasco precisa sempre andar nos primeiros lugares. Estou muito motivado e muito confiante.
Para já, a sua contratação teve uma repercussão positiva entre os vascaínos. Como enxerga as altas expectativas que foram criadas?
Fico satisfeito e motivado. Na minha carreira, no geral, tenho conseguido mais resultados positivos, tendo renovado várias vezes por vários clubes, e só não fiquei mais tempo porque optei por outros projetos. A expectativa é alta. Temos que ser consistentes das dificuldades e da realidade. É um campeonato (Brasileirão) muito competitivo. Tirando o Atlético-MG, que vive um grande momento e tem conseguido grandes resultados, a maior parte das equipes vence nos detalhes e no aproveitamento dos erros dos adversários. Quero combater exatamente esses erros. Chego com uma mensagem positiva e de forte esperança, porque apenas assim vamos obter os resultados.
Você, como jogador, sempre teve a "intensidade" como grande marca. Podemos esperar o mesmo como treinador agora no Brasil?
Sou um treinador que se preocupa com tudo: organização defensiva, organização ofensiva, as transições e as bolas paradas, que são estratégicas. Todos esses momentos são importantes. Vou trabalhar tudo isso arduamente. Quero que a equipe perceba tudo aquilo que vou passar. A 'intensidade', então, é mais um detalhe, é mais uma das situações que vou querer ver na minha equipe. Quero ver organização, ver agressividade, ver boa comunicação. Quero uma equipe guerreira e concentrada. Tudo isso, claro, sem esquecer os momentos ofensivos, construir de trás, ligar o jogo, olhar a parte de criação.
Temos que perceber fundamentalmente contra quem vamos jogar, com o lado estratégico sempre a funcionar. Muitas vezes vamos poder sair de trás, outras vezes não vamos poder correr riscos, então temos que pensar numa saída de outra forma. Quero sempre um jogo positivo, que os jogadores se divirtam dentro de campo. Precisamos, para já, ter mais chegada, melhor decisão no último terço. Quero tornar a equipe compacta, concentrada e solidária.
Durante o seu processo de negociação com o Vasco, que já trocou de treinador três vezes, o Corinthians mudou de comando (Vagner Mancini foi contratado), o Palmeiras demitiu Vanderlei Luxemburgo… Isso te assusta?
Claro que sim, não vou esconder. Estou sem treinar tem alguns meses, tive algumas possibilidades, sendo uma delas na Grécia (Panathinaikos). É verdade, há muita instabilidade a nível de treinadores no Brasil, e o tempo do meu contrato (até o fim do Brasileirão), foi uma opção minha, até para as pessoas perceberem a qualidade do meu trabalho e também notarem se é aquilo que querem. Existe uma opção para aumentar o vínculo, mas quero primeiro que eles me conheçam verdadeiramente bem. Quero perceber também, é claro, se os resultados também acompanham tudo isso. Todos os treinadores vivem de resultados, existe realmente esse risco (de demissão). É uma pena que exista tamanha instabilidade, porque, quando criamos uma ideia de jogo, é normal, e isso não serve de desculpa... os treinadores que gostam de trabalhar com cabeça, tronco e membros precisam de tempo. Não dá para fazer isso com um mês.
Talvez não venha a ter a equipe na sua totalidade logo no começo, mas rapidamente vou atacar aquilo que precisamos melhorar. Há um trabalho muito grande pela frente, há também muito o lado motivacional, o lado da confiança, o querer dos jogadores. Espero deles um grande compromisso, que acreditem na minha capacidade, na nossa ideia de jogo, então só assim vamos conseguir construir algo para o futuro. Não pode haver dúvidas ou caminhos diferentes, há só um caminho, e sou muito claro na mensagem, a minha mensagem é muito simples. Vão perceber rapidamente o que eu pretendo. Vou, claro, precisar tomar um certo cuidado para não passar informações a mais. Vai existir uma mudança de metodologia, o corpo também sente, vamos precisar ter cuidado na intensidade. Vamos ter um primeiro mês duro.
Alguns funcionários do Vasco estão sem receber salário há quatro meses, os jogadores têm atraso de dois meses… Pronto para lidar com tamanha pressão?
É uma informação que eu não tinha. Sei que o clube tem dificuldades. Quando assinei com o Vasco, não assinei por questões financeiras. Obviamente, há que salvaguardar isso, até porque vou ter pessoas sob a minha responsabilidade, toda a gente precisa de dinheiro para viver. Ninguém me falou em uma situação tão grave, ouvi, sim, que é uma situação difícil. Espero que não seja tão grave assim, espero também que rapidamente isso possa melhorar.
Pelo que percebi, essa situação também é vista em outros clubes, dizem até que o Flamengo é, com mais dois ou três, o único clube que está financeiramente melhor. Não sei, sinceramente. O que posso dizer é que não foi a questão financeira que me moveu. Isso de atrasar pode acontecer em todos os lados, e nós temos compreensão, mas o que não pode é atrasar durante tanto tempo, porque depois isso tem um impacto negativo na equipe, em termos daquilo que é a concentração e o lado psicológico. Espero que isso melhore, porque não é fácil para mim ter que controlar todas as situações.
Fonte: Goal.com