DJs contratados pelo clubes garantem sons de torcida nos jogos com estádios vazios
Com a boa fase do Vasco e de seu artilheiro Germán Cano, duas músicas são certas em São Januário: o samba da Unidos da Tijuca de 1998 ("Vamos vibrar meu povão. É gol, é gol") e "Uh, pula aê, deixa o caldeirão ferver!", gritos preferidos da torcida após os gols. Mesmo com portões fechados, a expectativa é de que hoje, às 16h, no jogo contra o Grêmio, elas reverberem de novo — mas de um jeito diferente. Gabriel César estará de prontidão para executá-las. Ele é o DJ que tem garantido, ao menos na trilha sonora, que as partidas do cruz-maltino sejam disputadas com um pouco mais de calor nas arquibancadas.
O recurso começou a ser usado nos Estaduais e ganhou força no Brasileiro. A maioria dos clubes decidiu reproduzir os cânticos e gritos das torcidas no sistema de som dos estádios. Com isso, acreditam quebrar a frieza de uma partida com arquibancada vazia. Os jogadores aprovaram:
— Faz diferença, sim, a gente estar com esse som ali no campo. Acho muito importante quando estamos atacando. Quando estamos defendendo também. É bom escutar um pouco da torcida — comentou o meia uruguaio Michel Araújo, do Fluminense.
Assim como o Vasco, o clube tricolor contratou um DJ profissional para os jogos no Maracanã. A ideia é que o som seja executado da forma mais orgânica possível, sem silêncio entre um canto e outro e com efeitos como palmas, vaias e até o "uuuh!" quando a bola acerta a trave.
Em geral, os DJs também são torcedores dos clubes. Um detalhe que faz diferença.
— Já tive a vivência da arquibancada e sei que cada momento tem um canto específico. Quando o time está atacando bastante o adversário, ponho o grito de "Nense". Quando leva um gol, tem uma música que diz: "Um gol sofrido não vai me abater" — conta o DJ Frank Schleger.
O mineiro Maurício Maoli sabe bem que "Vou festejar", sucesso de Beth Carvalho e espécie de segundo hino do Atlético-MG, só entra em cena no fim dos jogos. E se o time estiver na frente do placar.
Apesar do respeito ao timing de cada música, o DJ também tenta inovar. Ele tem aproveitado o monopólio do som no Mineirão para tocar cânticos atleticanos que ditavam moda nos anos 70 e 80.
Em alguns casos, funcionários dos próprios clubes são responsáveis pelas músicas. No Bahia, o diretor de marketing Lênin Franco comandou o carro com paredão de som nos dois primeiros jogos do Brasileiro. A aparelhagem foi um improviso, já que o sistema de áudio do Pituaçu, onde o time tem mandado seus jogos, precisou passar por conserto. Mas o profissional deve permanecer na função até o retorno do público.
Em geral, o material — dos cânticos às vaias— é extraído de vídeos do YouTube ou de filmagens das TVs oficiais dos clubes. Antes de cada rodada, tudo é enviado à CBF. A entidade avalia o conteúdo para evitar ofensas ou interferências. Xingamentos, sirenes ou som de fogos de artifício, por exemplo, são vetados.
Os clubes se dividem em relação às vaias para o adversário. Alguns as utilizam. Outros preferem apenas sons de apoio.
— Tem que ter pressão — defende George Sotero, presidente da Urubuzada e membro da comissão de torcedores que selecionou os cantos reproduzidos pelo Flamengo no Maracanã, como a música em homenagem às vítimas do incêndio no Ninho (sempre aos 10 minutos de jogo).
Efeito de curto prazo
Cientificamente, o discurso de Sotero faz sentido. Professor do Instituto de Psicologia da Uerj, Alberto Filgueiras explica que o maior efeito de uma torcida é amedrontar o adversário. Para ele, a função de estimular o time da casa perde efeito num curto prazo.
— O que temos é uma espécie de memória emocional dos atletas em relação ao som das torcidas lançada de forma intuitiva pelos gestores de clubes para que eles se sintam melhor. No entanto, existe uma diferença gigantesca entre 60 mil pessoas no estádio olhando para você e o som no alto-falante. A principal modalidade sensorial do ser humano é a visão, não a audição — aponta o ex-psicólogo do Flamengo.
— Quanto mais esse som for apresentado aos jogadores, menor será o efeito. Porque ele entra num processo que conhecemos na psicologia como dessensibilização.
O palmeirense Marcos Costi sabe que nada substitui a arquibancada cheia. Mas tenta fazer sua parte. Locutor do Allianz Parque, passou a ser responsável pelos sons que emulam a torcida. Nem por isso abandonou a função original. Segue anunciando informações do jogo (como escalação, substituições e autores dos gols) e sempre lê uma mensagem antes de a bola rolar.
— Eu digo: "Nossa casa nunca estará vazia. Estamos respeitando o isolamento social necessário. Mas não existe isolamento afetivo. Não existe isolamento para o amor".
Fonte: O Globo Online