Há pouco mais de um ano, viajei ao Rio de Janeiro a convite de Alexandre Campello para saber da reestruturação que ele, relativamente ainda em início de administração, tinha começado a colocar em prática no Vasco. Em São Januário, o presidente me mostrou os números realizados em 2018 e as previsões para 2019 e além.
Um esforço colossal para triplicar a maioria das linhas de receita, contas apertadas para que houvesse superavit, e muita dedicação para que dívidas fossem reduzidas. A fórmula para o reerguimento vascaíno era esta. Acompanhado do então escudeiro nas finanças, Adriano Mendes, hoje não mais parte da diretoria, eles quiseram saber minha opinião.
As projeções financeiras estavam bem feitas, eu disse, e a chance de recuperar a instituição existia. Mas havia dois problemas. Primeiro: tudo precisaria dar muito certo, o tempo todo, por muito tempo. Segundo: a política do Vasco era perversa. Qualquer planejamento de longo prazo seria atrapalhado por briguinhas pelo poder.
Mais um ano se passou...
... e há sinais de sobra de que a recuperação foi interrompida.
A primeira ferramenta para chegar a essa conclusão é a comparação entre faturamento (tudo o que arrecada) versus endividamento (tudo o que deve). Se uma pessoa comum com três vezes mais dívidas do que renda pelo ano inteiro está em condição de desespero, não é muito diferente com um clube de futebol. E o Vasco está nessa situação.
O que deu errado em 2019? Em primeiro lugar, as receitas. Não que o Vasco tenha passado vergonha nesse quesito; o problema era a necessidade na maioria dos casos. Muitas das linhas de arrecadação precisavam dobrar ou triplicar entre as temporadas.
A torcida se mobilizou no segundo semestre do ano passado e proporcionou mais de 150 mil adesões ao programa de sócios-torcedores. A campanha histórica cumpriu a previsão orçamentária com sobras. A área social saltou de R$ 12 milhões para R$ 36 milhões.
Entre patrocínios e licenciamentos, a situação também melhorou, porém abaixo do que a direção havia planejado no orçamento. A julgar pela dificuldade que todo o futebol brasileiro teve para manter ou reajustar valores na área comercial, nem seria tão ruim a notícia.
Difícil, mesmo, foi não ter vendido mais um Paulinho – considerável transferência realizada em 2018 que havia permitido o início da recuperação financeira. Na medida em que a receita com transferências de atletas despenca de R$ 86 milhões para apenas R$ 7 milhões, descontadas comissões para intermediários e repasses para terceiros em ambos os casos, começam os problemas.
Para sair de sua crônica e arrastada crise financeira, teoricamente, o Vasco precisa de consideráveis lucros toda temporada. Quer dizer, precisa que "sobre" dinheiro na diferença entre receitas e custos do cotidiano para que essa "sobra" seja usada para quitar dívidas.
É por isso que a administração de Campello produz todos os anos orçamentos tão: (a) ousados nas receitas; (b) apertados nos custos; e (c) dotados de superavit (lucro) considerável. Difícil é colocar em prática.
Em 2019, a direção cruzmaltina previa uma redução na folha salarial do futebol profissional, por exemplo. Mas austeridade demais também pode prejudicar, à medida que o Vasco estaria ameaçado de um rebaixamento que lhe tiraria todas as receitas. No fim das contas, essa folha foi mantida em R$ 89 milhões na temporada – menor do que a maioria dos adversários diretos, no mesmo patamar do ano anterior.
Campello manteve os demais custos sob controle. Só faltou a tal venda de um grande jogador. E então o resultado líquido, que precisaria ter sido de R$ 72 milhões positivos, acabou em R$ 5 milhões negativos.
Como não conseguiu o lucro que precisava na operação, o Vasco também não pôde arcar com todos os compromissos que tinha pela frente. E aí a gente precisa entender como o passado ainda pesa sobre o fluxo de caixa presente. De uma maneira menos teórica e mais prática.
Da arrecadação registrada em 2019, por volta dos R$ 200 milhões, uma parte considerável foi consumida por bloqueios e acordos.
- R$ 26 milhões em penhoras de cotas da Globo
- R$ 23 milhões em parcelas do Ato Trabalhista
- R$ 18 milhões em empréstimos com cotas da Globo na garantia
- R$ 12 milhões em empréstimos com outras receitas na garantia
- R$ 3 milhões em penhoras da PGFN (governo)
Ou seja, essas dívidas comprometeram cerca de R$ 80 milhões e obrigaram a diretoria a administrar o clube com apenas R$ 120 milhões.
Na vida real, isto é o que sufoca o Vasco. A instituição poderia ter dinheiro para competir em um nível elevado, que pelo menos não a pusesse em constante risco de rebaixamento, mas acaba tendo que gastar quase a metade de um orçamento, que já é baixo, com o passado.
A saída que a diretoria de Campello encontrou, na ausência de uma grande venda, foi buscar novos empréstimos bancários.
O clube montou um FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) e captou dinheiro com o BMG – que, aliás, também é patrocinador vascaíno. Adicionalmente, buscou empréstimos com o Safra. O dinheiro foi usado para pagar salários de jogadores.
A torcida cruzmaltina não sabe o que é investimento em compra de novos jogadores faz muito tempo – um tipo de dívida incluído no gráfico abaixo em "outros". Porque o Vasco praticamente não adquire os direitos econômicos e federativos de nenhum reforço.
E mesmo assim a dívida continua a crescer, no total e mais gravemente no curto prazo, porque são necessários empréstimos bancários para arcar com custos e dívidas do passado. Não parece haver opção.
Dentro do planejamento feito por Alexandre Campello para recuperar financeiramente o Vasco, tudo precisaria dar certo, o tempo todo, por muito tempo. E não foi necessário nem um ano a mais para mostrar que este processo, que levaria alguns bons anos, foi interrompido.
Para agravar ainda mais a situação, há problemas esperados e inesperados. Dentro da expectativa, está a política em ano eleitoral. O atual presidente ainda sofre rejeição de grande parte do quadro social pela maneira como se elegeu – com um golpe no ex-aliado Julio Brant. Ainda é uma incógnita se Campello conseguirá seguir sua cartilha de administração diante da pressão eleitoral por resultados.
Fora de qualquer expectativa, houve o coronavírus. Se o clube já estava seriamente ameaçado na primeira divisão por causa de toda esta situação financeira, que se manifesta na rotina com meses de salários atrasados, com a pandemia tudo piorou. Receitas variadas cairão, custos e dívidas de curto prazo ficaram inviáveis, e a asfixia foi agravada.
Alguma coisa ainda mais incrível que 150 mil novos sócios, uma campanha histórica, precisará acontecer para salvar o Vasco.
Fonte: Blog do Rodrigo Capelo - GloboEsporte.com