Conheça José Augusto Prestes, o presidente vascaíno que assinou a Resposta Histórica
Uma carta que escreveu de próprio punho na década de 20 e que, nos tempos atuais, se torna um símbolo de combate ao racismo e à discriminação social. Afinal de contas, quem foi José Augusto Prestes, o presidente do Vasco que, em 1924, imortalizou o documento agora eternamente chamado de "Resposta Histórica"?
A carta
Antes de se aprofundar sobre o dirigente em si, é preciso destacar a importância da carta que ele escreveu para o período de reflexão racial que ocorre atualmente.
Na época o Vasco, que havia sido campeão carioca de 1923, foi condicionado a participar da nova associação de futebol (AMEA) — fundada por clubes como Botafogo, Flamengo, Fluminense, América e Bangu — somente se excluísse de seu elenco 12 jogadores. O argumento era o de se ter maior controle sobre "a moral no esporte" e de se defender um futebol que fosse puramente amador.
Um dos critérios para a exclusão baseou-se no analfabetismo e nas condições e natureza das profissões dos jogadores vascaínos. "Curiosamente", os 12 atletas eram negros ou brancos de origem humilde.
Foi então que José Augusto Prestes se rebelou e informou em ofício que o Vasco estava desistindo de participar da associação por não concordar com as determinações, fazendo com que o Cruz-Maltino disputasse naquela temporada uma liga alternativa, sem os clubes de elite, ato que posteriormente teria como efeito a dissolução das exigências e o retorno do clube ao campeonato no ano seguinte.
Quem foi José Augusto Prestes?
Nascido em Portugal, José Augusto Prestes percorreu um longo caminho profissional e político até chegar à presidência do Vasco.
Formou-se em engenharia mecânica nos Estados Unidos e, quando voltou ao seu país, participou em 1891 do primeiro golpe para tentar implementar o republicanismo em terras lusitanas.
O fracasso do movimento o levou ao Brasil, onde teria muito sucesso como empresário, quando fundou a primeira fábrica de gelo do país, em endereço próximo à primeira sede do Vasco, no centro do Rio de Janeiro.
Sua representatividade no Brasil foi aumentando gradativamente, tornando-se posteriormente superintendente da Companhia Docas do Rio de Janeiro e responsável pela primeira indústria siderúrgica da América Latina, a Usina Santa Luzia.
Na vida política, sofreu uma tentativa de atentado a bomba no Brasil, em 1912, na Rua Tonelero, em Copacabana (zona sul do Rio), onde morava, e chegou a ser preso e libertado em Portugal, em 1917. Em sua terra natal, foi condecorado com a Ordem Militar de Cristo no grau de Grande Oficial, título honorífico que é destinado somente às pessoas de altíssima relevância por serviços prestados.
"José Augusto Prestes era um empreendedor, empresário, um antimonarquista, um republicano, defensor dos direitos individuais, do ser humano, do homem", salientou ao UOL Esporte Henrique Hübner, historiador e ex-diretor do Centro de Memória do Vasco.
Passagem curta e marcante pelo Vasco
Sua passagem pelo Vasco foi curta, porém marcante e histórica. Ele se tornou presidente em 1923, confeccionando a famosa carta no ano seguinte. Pouco depois, ainda em 1924, o português renunciou ao cargo por conta de sua atarefada vida profissional.
Na avaliação de Hübner, porém, sua relevância profissional e social foram fundamentais para combater o elitismo que prevalecia na época no futebol carioca.
"Nada como alguém da aristocracia carioca para confrontar e debater com Arnaldo Guinle [presidente da AMEA e do Fluminense]. Ele teve fibra, escreveu a Resposta Histórica de próprio punho", destacou o historiador, que ainda enfatizou:
"Era o homem certo, no ano certo e para o fato certo."
José Augusto Prestes faleceu em julho de 1952.
Vasco perdeu contato com parentes
O Vasco, atualmente, não possui contato com parentes de José Augusto Prestes. O último aconteceu em meados de 2013, com um familiar distante que, na ocasião, morava em Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro.
"Eu tinha um contato com um sobrinho-neto ou sobrinho-bisneto dele. Isso lá por 2013, mas perdi esse contato. Ele morava em Petrópolis", informou ao UOL Esporte, em novembro de 2019, João Ernesto, vice de relações especializadas do Vasco.
A reportagem, porém, apurou que um historiador vascaíno conseguiu contato com um familiar de Prestes e mantém conversas para a elaboração de um livro sobre o clube.
Construiu o primeiro automóvel do Brasil
Já fora do Vasco, José Augusto Prestes fincaria novamente seu nome no Brasil ao se tornar, segundo pesquisas, construtor do primeiro automóvel criado no país, em 1927, que seria uma espécie de caminhão de carga.
Consta no livro "Ônibus - Uma História do Transporte Coletivo e do Desenvolvimento Urbano no Brasil", de Waldemar Corrêa Stiel, o seguinte trecho:
" É enviado para a exposição de Sevilha, onde figuraria no pavilhão do Brasil, um automóvel que, ao que se sabe, foi o primeiro automóvel inteiramente construído no Brasil. O veículo, que foi fabricado pelos engenheiros mecânicos Prestes & Cia., tinha toda a matéria-prima, inclusive o motor, construído com produtos nacionais. O principal construtor foi o Dr. José Augusto Prestes. Tratava-se de um auto-caminhão para cargas, com capacidade para sete toneladas e equipado com um motor de 60 HP".
A íntegra da "Resposta Histórica"
"Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Officio No 261
Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle,
M. D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.
As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.
Os previlegios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão a voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.
Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever
De V. Exa. Atto Vnr., Obrigado.
(a) José Augusto Prestes
Presidente"
Vasco adere campanha
O Vasco aderiu à campanha #VidasNegrasImportam , impulsionada com os protestos antirracismo nos Estados Unidos que já estão em sua segunda semana. Em suas redes sociais, o clube adotou novamente a logo do punho fechado com as palavras "respeito" e "igualdade", utilizada em outras oportunidades e que também já virou flâmula da equipe.
No Twitter, o Cruz-Maltino republicou um vídeo lançado em janeiro de 2019, com narração do ator Antônio Pitanga, e que remete ao seu passado de combate ao racismo e cita diversos ídolos negros vascaínos:
Fontes da reportagem: Livro "Ônibus - Uma História do Transporte Coletivo e do Desenvolvimento Urbano no Brasil" (Waldemar Corrêa Stiel) / Blog do Bacchi / Henrique Hübner (historiador) / João Ernesto (vice de Relações Especializadas do Vasco)
Fonte: UOL