Confira histórias de Ramon Menezes no final de sua carreira de jogador e no início da de treinador
Para assumir a lacuna deixada por Abel Braga, o Vasco, depois de muito refletir sobre o assunto, decidiu entregar o cargo de treinador nas mãos de Ramon Menezes. Embora seja o primeiro trabalho do técnico num clube grande, a torcida aprovou a ideia de ver um profissional extremamente identificado com o Vasco à frente da equipe. Aos 47 anos, Ramon tem pela frente o maior desafio desde que pendurou as chuteiras.
Sua carreira de treinador até aqui é bem curta. Antes de ocupar a vaga de auxiliar fixo do Vasco, Ramon foi campeão da terceira divisão de Goiás com a ASEEV em 2015, dando à modesta equipe o primeiro título de sua história. Também disputou o estadual de Minas Gerais, estado em que nasceu, com o Guarani de Divinópolis; e sentiu na pele a dificuldade de engrenar um trabalho a nível nacional, pois não conseguiu evitar o rebaixamento do Joinville na Série B e foi demitido com poucos jogos no Anápolis (na Série D) e no Tombense (na Série C).
Mais importante do que os resultados em si, porém, foi a bagagem que o técnico Ramon Menezes acumulou nos clubes de menor expressão. Descrito por muita gente como um profissional sério e dedicado, ele recusou mais de uma vez convites de pescaria para poder estudar quando esteve na ASEEV. E em Anápolis, por exemplo, mandou trocar colchões e roupas de cama em nome do conforto dos seus jogadores. A andança também serviu para matar saudade de velhos conhecidos e começar a sentir o gostinho de ser treinador, algo que ele desejava já há algum tempo.
O GloboEsporte.com conversou com quem acompanhou de perto o início da carreira do comandante Ramon Menezes e preparou duas reportagens. Esta é a primeira. A segunda vai ao ar na quarta-feira.
A ambição de ser treinador
Não é por acaso que o Vasco convidou Ramon Menezes para assumir o comando da equipe. O ex-jogador se preparou para isso. E o fez porque alimenta a ideia de ser treinador, como de fato foi entre 2015 e 2018, já há algum tempo.
Em Cabo Frio, um dos destinos turísticos mais badalados do litoral do Rio de Janeiro e casa da simpática Cabofriense, essa ambição causou problemas. O Tricolor Praiano foi o último clube a contar com os serviços do jogador Ramon, no início de 2013. Então com 40 anos, o meia chegou com status de estrela para jogar a Série B do Campeonato Carioca. Fez sua estreia diante de 500 curiosos no Correão numa derrota para o America e recebeu elogios do técnico Antônio Carlos Roy. "As melhores jogadas foram com participação dele", disse Roy na época.
A Cabofriense, que naquela temporada tinha dificuldade de pagar os salários em dia, chegou às semifinais da Taça Santos Dumont, o primeiro turno, muito graças às atuações de Ramon. O mesmo ocorreu no jogo que valeu vaga na decisão, quando o meia deu uma assistência e botou o jogo no bolso na vitória por 2 a 0 sobre o America. Na decisão contra o Bonsucesso, no entanto, o time de Cabo Frio esteve irreconhecível em campo e perdeu por 1 a 0, desperdiçando a oportunidade de já agarrar uma das três vagas no triangular final do torneio.
A despeito da boa campanha até ali, a derrota na final culminou em uma crise interna. Antônio Carlos Roy passou a balançar no cargo. Nos bastidores, Ramon almejava substituí-lo, e o clima entre os dois ficou ruim. Um sinal disso é que, alegando dores no tendão, o meia não foi sequer relacionado para as três primeiras partidas do segundo turno: empate com o Serra Macaense, vitória sobre o Ceres e derrota para o Bonsucesso. Roy foi demitido antes do quarto jogo e saiu sem entender os motivos na ocasião: "Ninguém veio conversar comigo, alguma coisa aconteceu".
Ramon voltou a treinar. Só que, logo em uma das primeiras atividades, envolveu-se numa briga feia com o goleiro reserva Cléber - quem estava presente conta que houve empurrões e troca de socos. Cléber era uma espécie de homem de confiança de Roy, com quem havia trabalhado em outras equipes anteriormente. Com o clima insustentável, a Cabofriense contratou o técnico Toninho Andrade para retomar as rédeas. Frustrado, o meia desapareceu do clube.
"Ainda não estou apto para jogar. Estou com dores no tendão, além de outros problemas. Estou esperando o presidente voltar para resolver uns assuntos com ele. Por isso não vou ao clube há alguns dias", alegou ele na época.
Desafetos de Ramon, Roy e Cléber testemunharam a favor da Cabofriense num processo na justiça que o atual técnico do Vasco abriu contra o Tricolor Praiano. O motivo: atrasos salariais. O Tribunal Regional do Trabalho deu ganho de causa ao jogador em primeira instância em abril do ano passado, obrigando o time de Cabo Frio a pagar o valor referente aos salários de março e abril (além de parcelas de fevereiro e maio) de 2013, às férias proporcionais ao tempo em que ele atuou, ao FGTS não recolhido durante o período e à multa pelo não pagamento da rescisão do contrato, conforme o artigo 477 da CLT. O clube recorreu.
Ramon virou persona non grata no clube de Cabo Frio. Embora o processo nada tenha a ver com isso, a Cabofriense acredita que a frustração por não ser treinador o motivou a mover a ação na justiça. "Ele é um cara muito complicado, essa questão ficou muito mal esclarecida", contou um dirigente. Roy atendeu o GloboEsporte.com por telefone, mas, na primeira menção ao nome de Ramon, pediu para não falar. Por sua vez, o presidente Valdemir Mendes foi breve:
- Não quero falar nada. Boa sorte para ele lá no Vasco, que ele consiga fazer um bom trabalho.
Acabou que, sob o comando de Toninho Andrade, a Cabofriense conquistou o título da Série B do Carioca e voltou à elite na temporada seguinte. Já Ramon deu início à preparação para se tornar treinador no estágio com Oswaldo de Oliveira no Botafogo. Ainda em 2013, aceitou o convite para ser auxiliar fixo da comissão técnica do Joinville e deu sua parcela na conquista da Série B do Brasileirão de 2014 - mais sobre o assunto ainda nesta reportagem. Mas ele queria mesmo trabalhar como treinador. E essa vontade o levou a Paraúna, cidadezinha do interior de Goiás, para assumir a ASEEV, sigla para Associação Esportiva Evangélica.
O suor e o sucesso no primeiro trabalho
Na verdade, naquele início de segundo semestre de 2015, Ramon Menezes acertou com o Anápolis, time da primeira divisão de Goiás cuja gestão era responsabilidade do mineiro Francis Melo e sua empresa. Porém, com o calendário ocioso devido à ausência do clube no cenário nacional, fechou-se um acordo para que o treinador, a comissão técnica e um punhado de jogadores fossem emprestados à ASEEV. Desse modo, no município de aproximadamente 11 mil habitantes, distante 156 quilômetros da capital Goiânia, Ramon pôde dar o pontapé inicial na empreitada de treinador.
O regulamento da Série C do Goianão prevê que os clubes se dividam em dois grupos e enfrentem, em turno e returno, os adversários do próprio grupo. Os dois melhores colocados de cada chave vão para as semifinais. As duas equipes que chegarem à final conquistam automaticamente o acesso. A federação costuma colocar na mesma chave os times mais próximos geograficamente, de modo que as viagens são as mais curtas possíveis. Por fim, a competição inteira costuma ter no máximo dois meses de duração. É tiro curto.
A edição de 2015 ainda contou com um imprevisto: o Raça e o Itauçu desistiram da disputa, o que deixou o Grupo A com apenas quatro agremiações: ASEEV (de Ramon), Inhumas, Ceres e Umuarama. Ao final das seis partidas do primeiro turno, portanto, o primeiro objetivo era ficar entre os dois melhores colocados.
"Sinto-me preparado e animado para o desafio", bradou ele antes do início do campeonato.
Na primeira rodada, o time de Ramon amargurou um empate sem gols com o Inhumas jogando em casa. Ficou a impressão de que o time poderia engrenar, mas precisaria fazer isso rápido. De fato, a ASEEV fez 3 a 0 sobre o Umuarama na segunda rodada e, na terceira, aplicou um sonoro 8 a 0 em cima do Ceres. O primeiro turno chegou ao fim com a equipe isolada na primeira posição.
O segundo turno serviu apenas para selar a boa fase. Os comandados de Ramon Menezes conseguiram goleadas por 6 a 0 e 4 a 0 sobre Ceres e Umuarama, respectivamente, e pegaram para si sem grandes dificuldades uma das vagas nas semifinais. Na última rodada, com triunfo por 2 a 0 sobre o Inhumas, fechou a fase de grupos com cinco vitórias e um empate. Enquanto isso, fora das quatro linhas, Ramon se mostrava um técnico extremamente dedicado. A rotina era praticamente casa-clube e clube-casa, sem tempo para distrações.
- Foi tanto profissionalismo que fugia do normal - admite Clóvis Borges, um dos responsáveis pela criação da ASEEV e cujas atribuições no clube são tantas que ele não sabe sequer dizer qual cargo ocupa. Autointitula-se coordenador.
- Foi tudo dentro de um padrão fantástico de profissionalismo. Às vezes acontecia de a gente pegar a comissão técnica para pescar, e ele (Ramon) não ia de jeito nenhum. Preferia estudar. Quando ele nos procurava, não achava ninguém (risos) - recorda Clóvis, que, num sotaque tipicamente do interior, achou melhor completar. - Mas isso na folga, lógico.
Àquela altura, a ASEEV era o time a ser batido no campeonato. O adversário na semifinal foi o Bom Jesus, que terminou em segundo no Grupo B com apenas quatro vitórias em oito jogos. Porém, diferente do que se imaginava, foi um jogo duro. A equipe da casa abriu o placar na ida logo com três minutos, e a equipe de Ramon só conseguiu o empate nos acréscimos do segundo tempo com Juninho (guarde esse nome). No sábado seguinte, uma vitória por 1 a 0 garantiu a classificação para a final e, por consequência, o acesso à segunda divisão.
Havia ainda a possibilidade de conquistar um título que seria inédito para o clube fundado em 1981. Com o objetivo principal alcançado, ou seja, sem o peso da responsabilidade nas costas, Ramon levou a ASEEV ao seu primeiro caneco na história vencendo o Caldas por 2 a 0 na decisão. Fechou com chave de ouro um trabalho que, até hoje, é recordado com muito carinho por aquelas bandas.
- Vou te falar uma coisa. Nesse ano de 2015, com o comando do Ramon, nós não tivemos um problema. Nem dentro nem fora de campo. Isso que me alegrou. Porque o futebol está muito problematizado, muito probleminha aqui e ali. Naquele ano, tivemos um trabalho 100%. Eu comento isso às vezes com a minha família, foi um trabalho todo sincronizado, não faltou nada - lembra Clóvis com carinho.
No Anápolis, o choque de realidade
Com o fim da campanha, Ramon Menezes e todos os outros "emprestados" retornaram ao Anápolis no fim de 2015. Era hora de começar a pensar na temporada seguinte do time que, naquele momento, tinha apenas o Campeonato Goiano confirmado no calendário - graças à campanha no estadual, conseguiu posteriormente uma vaga na Série D do Brasileirão.
Pois bem, com carta branca do principal investidor do clube, a moral pelo trabalho bem avaliado na ASEEV e o prestígio que já vem atrelado ao nome, Ramon Menezes desembarcou em Anápolis fazendo algumas exigências. Todas em nome do bom ambiente e da melhora nas condições de trabalho. Por exemplo, mandou trocar quase todos os colchões do dormitório dos jogadores.
- Ele é bastante cobrador em relação a essas condições - conta Marlon Caiado, atual presidente do clube, mas que, na época, ocupava o cargo de Diretor de Patrimônio.
"Nós tivemos que trocar os colchões do clube quase todos, roupa de cama. Ele chegou e exigiu que trocássemos tudo, porque alguns estavam desgastados. E a gente trocou. Enfim, ele é um cara que cobra de todos os setores, e a gente sempre procurou atender às reivindicações da melhor maneira", completa.
amon familiarizou-se rápido com o elenco que contava, por exemplo, com Toró, volante ex-Flamengo e Atlético-MG, e o meia Felipe Baiano, com passagens por diversos clubes brasileiros. Ele é descrito sempre como um treinador aplicado ao trabalho, profissional na rotina com os jogadores, mas que, como já esteve em campo, consegue mostrar jogo de cintura na hora de lidar com os comandados.
O time iniciou o Campeonato Goiano com duas vitórias (Goianésia e Anapolina) e um empate (com o Vila Nova), o que só fez crescer a expectativa de terminar a primeira fase entre os primeiros colocados do grupo - no Goianão, vão para as semifinais os líderes de cada chave e os outros dois clubes com a melhor campanha.
No entanto, as duas rodadas seguintes significaram respectivamente para a equipe de Anápolis uma derrota por 1 a 0 para o Atlético-GO e um empate em 1 a 1 com a Aparecidense. As chances de classificação diminuíram, ainda que a equipe estivesse na vice-liderança da competição. O clube entendeu que precisava tomar alguma previdência que surtisse efeito a curto prazo, caso contrário o projeto da temporada corria o risco de fracasso. Basta conhecer um pouco de futebol para adivinhar o que aconteceu: Ramon caiu. Na ocasião, André Hajjar, então diretor de futebol, disse que o time tinha "que dar mais".
- Não foi nada relacionado ao trabalho dele - justifica Marlon Caiado. - Foi política de futebol mesmo, a gente precisa se classificar. Na época, a gente corria o risco de não classificar entre os quatro melhores do campeonato. Você conhece o futebol.
Foi então que, nas nuvens graças ao trabalho perfeito na terceira divisão do estadual, Ramon sofreu um choque de realidade sobre os técnicos no Brasil - Waldemar Lemos foi contratado para substituí-lo naquele momento. Porém, o atual treinador do Vasco deixou boa impressão. Não à toa foi convidado para dirigir o clube novamente no ano seguinte, mesmo depois da saída de Francis Melo da gestão do clube. Dessa vez, para jogar a Série D do Campeonato Brasileiro.
Só que, em 2017, o trabalho foi ainda mais curto. Ramon foi demitido logo após a quarta rodada com a campanha de uma derrota para o Ceilândia e três empates consecutivos com Comercial-MS e Sinop-MT (duas vezes). Deixou a equipe na terceira colocação do Grupo A10.
Fonte: GloboEsporte.com