Há 20 anos, Romário alfinetava Edmundo: 'Agora a corte está toda feliz: o rei, o príncipe e o bobo'; relembre
Domingo, 29/03/2020 - 08:21


Num momento tenso como o atual, rir é o melhor remédio, e a história a seguir trata de um período onde até briga fazia o vascaíno gargalhar. O ano era 2000, e Romário e Edmundo dividiam o coração da torcida do Vasco e o posto de protagonista do time. Desafetos declarados à época, os bad boys disputavam a artilharia jogo a jogo. Há exatos 20 anos, em um 29 de março, uma frase dita pelo Baixinho após goleada por 4 a 1 sobre o Olaria escancarou a rixa entre os ídolos cruz-maltinos:

- Agora a corte está toda feliz: o rei, o príncipe e o bobo - disparou (veja no vídeo acima passo a passo da polêmica).

Mas até chegarmos à polêmica da corte vascaína, vale a pena lembrar round a round a briga entre Romário e Edmundo.

A força popular do ídolo Animal x os gols do Baixinho, recém-chegado do rival

O Animal tinha a maior parte da torcida ao seu favor, sobretudo a principal organizada do clube. Sobrou na campanha do tri brasileiro em 1997, quando quebrou o recorde de gols de um jogador em uma competição - desbancou Reinaldo, do Atlético-MG. Além disso, consolidou-se como carrasco do Flamengo, com dois hat-tricks em goleadas por 4 a 1 sobre o arquirrival, em 96 e 97.

Também cria de São Januário, Romário voltava à Colina com antipatia de parte dos vascaínos por conta da grande identificação criada com o Flamengo. Chegara diretamente do arquirrival após três passagens pela Gávea compreendidas entre 1995 e 1999. No período, fez muitas provocações ao Vasco.

Amigos inseparáveis no início dos anos 90, Romário e Edmundo estavam brigados há algum tempo. Não se falavam fora de campo, mas se entendiam muito bem dentro dele. Um abraço da dupla durante a histórica vitória sobre o Manchester United por 3 a 1, no Mundial de Clubes, é uma das imagens mais marcantes do ano.



O Baixinho teve início de temporada avassaladora no Vasco, com 12 gols no Rio São-Paulo e três no Mundial de Clubes, mas começou mal no Campeonato Carioca de 2000, iniciado em março. Edmundo, por sua vez, arrancara no estadual voando. O Animal decidiu na estreia, com os dois gols nos 2 a 0 sobre o Madureira e, na rodada seguinte, abriu a contagem nos 3 a 0 contra o Bangu, em 18 de março, dia em que o futebol brasileiro conheceu a corte do Vasco.

Round 1: Edmundo apresenta o "príncipe Romário" e o "rei Eurico"

No jogo em que Edmundo chegou ao terceiro gol em dois jogos no Carioca, teve pênalti para o Vasco. O Animal queria bater, argumentou com Romário, mas não teve seu pedido atendido. O camisa 11 bateu na trave. No intervalo, o camisa 10 desabafou:

- Quem manda é o homem lá, mas só eu que estava treinando os pênaltis. Mas quem manda é o homem. Se o homem quer que bata o príncipe, eu não tenho culpa.

Terminado o duelo, Edmundo voltou aos microfones, e surgiu a pergunta: se Romário era o "príncipe" do Vasco, quem seria o "rei"? O Animal respondeu de primeira:

- O Eurico.



Round 2: Romário manda recado aos "cavalos paraguaios"

No terceiro jogo do Vasco no Carioca, Edmundo resolveu mais uma vez. Marcou no fim, de falta, o único gol da vitória sobre o Friburguense. Romário chegava à quarta rodada, contra o Americano, zerado. O "placar" estava 4 a 0 para o Animal, mas o Baixinho encostou. Marcou quatro nos 6 a 0 sobre a equipe de Campos, deu uma assistência para o "companheiro-rival" e disparou após o apito final.

- Artilharia é que nem corrida de cavalos. Os cavalos paraguaios largam na frente, mas eu sou um mangalarga. Depois a gente vê o que vai dar - afirmou Romário, que chegara à vice-artilharia do campeonato, com quatro gols, um a menos do que somava Edmundo.



Round 3: Romário decreta a felicidade na "corte vascaína"

Chegamos ao histórico 29 de março de 2000. O avassalador Vasco fazia mais uma vítima: 4 a 1 sobre o Olaria. O time de Abel Braga somava 16 gols em cinco jogos, e Romário ultrapassava Edmundo: 7 a 6. Fim de papo na Rua Bariri, e o Baixinho rebateu o Animal em grande estilo.

- Agora a corte está toda feliz: o rei, o príncipe e o bobo.

Edmundo acabou emprestado ao Santos em julho de 2000, e Romário terminou a temporada como grande nome do Vasco. Decidiu a histórica virada sobre o Palmeiras na decisão da Mercosul, por 4 a 3, foi o goleador do time no Brasileiro e terminou a temporada com 67 gols.



Filho do "rei", Euriquinho relembra como foi a repercussão em casa

O "rei" da corte de Romário e Edmundo era Eurico Miranda, então vice de futebol do Vasco. O histórico dirigente morreu em março do ano passado, e o GloboEsporte.com entrou em contato com Eurico Brandão.

Euriquinho, de 42 anos e também ex-vice do carro-chefe do Vasco, era apenas um torcedor cruz-maltino no período da rixa entre os ídolos. Aos 23, vivia seu auge como fanático vascaíno e riu da divergência.

Hoje, calejado com uma vice-presidência nas costas, não toma partido entre ambos e conta como foi conviver com a rivalidade dos atacantes. Confira o papo abaixo:

Quando você viu aquela entrevista que "a corte toda estava feliz, o Rei, o príncipe e o bobo", qual foi a tua primeira reação?

Eu na verdade ri, achei engraçado (risos). Eu sempre fui um cara que gostava desse estilo provocador no futebol, da polêmica, da rivalidade. Depois, você para pensar que tem uma repercussão negativa entre dois atletas do mesmo time, mas ali, eu, que frequentava vestiário e concentração, não conseguia vê-los dentro do campo não querendo ganhar o jogo.

Um queria ganhar mais do que o outro, e acho que a provocação entre eles elevava o nível. Queriam um jogar mais e fazer mais gol do que o outro. Com isso, ganhava o Vasco.

Você disse que nessa época vivia um tempo de torcedor fanático. Naquela divisão da torcida, você era "time-Romário" ou "time-Edmundo"?

Quando você é torcedor, você é Vasco em primeiro lugar. Quando você é fanático, você é time do que foi bem naquele dia. Se Edmundo fosse bem, eu era time-Edmundo. Se o Romário fosse bem, eu era time-Romário. Eu ainda não tinha envolvimento em política de clube e nos bastidores. Gostava de estar ali no meio como um torcedor apaixonado, era uma época boa.

Como foi o papo com o seu pai depois daquele jogo? Vocês riram? Como foi a reação?

No final, você acaba rindo de tudo e achando uma grande piada. Depois eles se acertam. Edmundo e Romário passaram a vida assim. Num período, eram muito amigos. Depois não se falavam. Todo gênio é complicado.

Meu pai, como eu o entendia como um gênio também, era outro cara complicado de ser compreendido. Os gênios geralmente estão à frente do tempo deles. Mas o meu pai era muito tranquilo em relação a essas coisas, ele achava que tudo ia se resolver. E a verdade era que passava. Dias depois estavam todos bem, dias depois estavam brigando.

Tem um episódio quando o Romário foi treinador do Vasco que ele pediu muito o Edmundo. Ele me chamou, falou: "O Edmundo tem que voltar, tem que voltar". Nessa época, eu já estava mais envolvido na política e falei: "Romário, vê lá... (risos)". Ele disse que o Edmundo seria bom para o Vasco. O Edmundo veio para o Vasco, duas semanas depois eles estavam brigando, e eu falei: "Pô, Romário, p... que pariu...".

E o Romário disse: "Isso aí acontece, depois passa". Eles ficavam amigos e depois brigavam. Importante é que tinham resultado em campo.

Essa frase do Romário voltou a ser repetida na casa do "Rei Eurico"? Virou piada interna?

No ambiente familiar não mudou muita coisa, meu pai sempre foi visto como rei. Sempre foi o rei da família. Desde que a gente era novinho, a gente o entende como o rei, como o comandante real da família. Não interferiu em quase nada. Os fatos de futebol pouco interferiam na nossa vida familiar. Só interferiam na felicidade do meu pai. O desempenho do Vasco movia a vida dele. A vitória do Vasco significava ele estar mais feliz.

E hoje, depois que os dois pararam, qual deles fez mais pelo Vasco na sua opinião e quem é mais ídolo seu?

Acho que os dois têm a sua importância. Edmundo foi muito importante num período do Vasco de 1997 num crescimento de um time que era desacreditado para vir a ser uma potência no Brasil. Foi um dos grandes responsáveis pelo início disso tudo. Romário foi muito importante no final desse ciclo, no ano 2000. Ele também tem uma participação de ajuda financeira muito importante num momento muito crítico do clube.

Eu quando jovem, em 1997, tinha idolatria incrível pelo Edmundo. Era um cara de 20 anos que só queria torcer. Depois tive o Romário em 2000, na minha melhor fase como torcedor do clube. Depois que fui dirigente e participei da política, tenho muita dificuldade para responder sobre idolatria, porque vivi discussões políticas, de contrato e que envolvem dinheiro.

Bom é quando você vê só a bola, o jogo. Quando você tem aquele ídolo jogador, que faz uma jogada, um gol e ganha o campeonato. Quando você vira dirigente, infelizmente você perde isso. Se tenho um sonho em relação ao futebol, é novamente ser um torcedor que pouco se importa com essas picuinhas de bastidores e ser mais aquele que vai ao estádio comemorar uma vitória e chorar uma derrota.



Zagueiro de classe, o experiente Alexandre Torres vivia "situação nova"

Figura de destaque no único tricampeonato carioca conquistado pelo Vasco, entre 1992 e 1994, o ex-zagueiro Alexandre Torres voltava ao clube em 2000 na condição de um dos mais experientes do elenco. Apesar dos 33 anos nas costas e da posição de líder, confessa que não soube como reagir.

- A situação era nova pra mim e acredito que para todo o grupo. Já havia participado de grupos onde havia jogadores que não tinham bom relacionamento. Não lembro bem qual foi a reação do grupo naquele exato momento, fato é que ninguém se metia muito nisso. Não me lembro da diretoria ou comissão técnica interferindo nisso. Eu confesso que fiquei um pouco sem saber direito como agir.

Torres não lembra como nasceu a briga entre os craques, mas pouco quer saber disso. Tem consciência, sim, de que foi testemunha de um dos maiores ataques da história do Vasco.

- Não sei bem como esse desentendimento começou. Seria sensacional se os dois conseguissem jogar juntos, cada um potencializando o melhor do outro, mas infelizmente não deu. Tive a sorte de ter os dois como companheiros de time e ver de perto a qualidade deles. O Edmundo foi meu calouro. Vi de perto aquele garoto cheio de personalidade entrar no time principal do Vasco e explodir. Era craque. Fora de série. O Romário... era gênio. Sem dúvida dois dos maiores jogadores da história do Vasco. Tive a sorte de jogar com os dois.

Num clube de história ímpar, reis não faltam. Um rugiu alto em 1997, outro, mais baixinho, em 2000, decidiu dentro e fora do Brasil. Bobo é quem não vê. Ou quem não viu.



Fonte: GloboEsporte.com