Em entrevista recente, Coronel falou do Vasco e elogiou Luxemburgo: 'É o nome para melhorar a situação lá'
Sexta-feira, 06/12/2019 - 14:24
Morreu na madrugada desta quinta-feira (5) na cidade de Porto Real, no Rio de Janeiro, Antônio Evanil da Silva, o Coronel, lateral-esquerdo e ídolo do Vasco das décadas de 1950 e 1960.

De acordo com a família, o ex-jogador fez uma endoscopia no sábado (30) em uma clínica de Barra Mansa, próxima a Porto Real, e na volta para casa começou a passar mal e sentir muitas dores. A morte foi confirmada às 3h40 desta quinta.

Coronel foi o João mais famoso de Garrincha, que chamava seus adversários, geralmente os laterais-esquerdos que o marcavam, dessa forma. Ambos se enfrentaram em uma série de clássicos cariocas entre Vasco e Botafogo, no Maracanã.

"Corona, devagar quase parando hein, vem devagar", dizia Garrincha ao seu marcador.

"Ele era terrível. Se você olhasse para as pernas dele, estava perdido. Eu o encarava e gritava para ele soltar a bola e não ficar de palhaçada. Mas não tinha jeito, ele passava todas as vezes que queria", disse Coronel, em entrevista à Folha no último dia 27 de novembro, em Porto Real.

A barba por fazer e a saúde debilitada pelos seus 84 anos contrastavam com a imagem do lateral vigoroso e boa pinta que liderava a defesa vascaína entre os anos de de 1956 e 1962.

Naquela época, o grande desafio no Rio de Janeiro era conseguir parar o ponta-direita botafoguense.

"O Garrincha era uma pessoa maravilhosa. Eu nunca dei um pontapé nele. Como ia fazer isso com um amigo? Eu puxava ele pela camisa. Uma vez, o locutor perguntou no ar porque eu o abraçava toda hora. Era o jeito que eu tinha de segurar o Mané", divertiu-se Coronel.

Apesar da lucidez com que discursou sobre a sua época de jogador, Coronel apresentava um leve grau de Alzheimer e já não podia sair à rua sozinho. Às vezes, ficava perdido até mesmo dentro de casa, de acordo com sua sobrinha Antonia Ivany Silva, 63.

Mas mesmo com essa reclusão diária, o ex-jogador do Vasco se mostrou grato pela vida que levou. "Estou bem, graças a Deus. Só em não ter mais dor de cabeça, está bom demais", afirmou o ex-jogador.

Sua saúde requeria muitos cuidados. Ele precisou fazer cirurgia de catarata nas duas vistas. Recentemente, retirou um tumor da bexiga. Tomava remédios para pressão e também antidepressivo. As operações foram feitas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), já que ele não tinha convênio.

Para tentar manter a saúde controlada, Antonia estava sempre às voltas com consultas e exames. Como não tinha facilidade de se locomover, muitas vezes a ambulância vinha buscá-lo em casa.

Sem aposentadoria, o ex-jogador vascaíno recebia um benefício de R$ 980,00 do governo e mais nada. Não fosse a ajuda da sobrinha e de seu marido Wilson Silva, ele não teria nem mesmo onde ficar.

"Aqui ele anda limpo, tem comida, remédio e muito carinho. Tenho muita gratidão por meu tio. Mas ele precisa de cuidados por causa da idade, e manter tudo isso não é fácil. O dinheiro que ele ganha não dá para fazer muita coisa. Estou correndo com os seus documentos para ver se houve algum recolhimento de fundo de garantia, mas acho que não tem nada", afirmou Antonia, no último dia 28, durante a visita da reportagem.

Tudo que conseguiu da época de jogador, Coronel se desfez com o decorrer do tempo. "Ele sempre se preocupou em ajudar as pessoas. Enquanto ele teve condições, ajudou muita gente", disse a sobrinha.

Alheio a esses problemas, Coronel mantinha a suavidade no olhar ao relembrar os tempos de jogador. Ao ser perguntado sobre a escalação do time que conquistou o chamado Super-Supercampeonato Carioca de 1958, os 11 titulares saíram de forma natural.

"Miguel no gol; Paulinho e Belini. A linha média tinha Laerte ou Écio, Orlando e eu. No ataque, era Sabará, Almir, Valdemar, Roberto Pinto e Pinga. Era um timaço", falou com um sorriso no rosto.

Mas a alegria mesmo de Coronel era lembrar das façanhas do amigo botafoguense. E ele mesmo se colocava como o João mais famoso a marcar o Mané.

João era a forma como Garrincha se referia aos laterais adversários. Altair, do Fluminense e Jordan, do Flamengo, se juntaram a Coronel como os maiores defensores que tentaram brecar as arrancadas do bicampeão mundial com a seleção brasileira (em 1958 e 1962).

"Eu passava sufoco com ele, mas vou falar: o Vasco sempre levava vantagem sobre o Botafogo naquela época", disse o ex-vascaíno.

Segundo o escritor e pesquisador Alexandre Mesquita, autor do livro Almanaque do Vasco, que será lançado em dezembro, o time cruzmaltino levou a melhor entre 1956 e 1962, período que corresponde aos duelos entre os dois ex-atletas.

Em 17 partidas, o Vasco venceu oito vezes, sofreu seis derrotas e teve ainda três empates. Nesses confrontos, o ex-camisa sete do Botafogo balançou as redes em três ocasiões

Nas vésperas de jogos contra o rival, Coronel contou que chegava até a sonhar com seu algoz. "Na verdade não era sonho. Era pesadelo. Teve uma vez que eu dei um tapa na minha mulher enquanto dormia porque mandava ele soltar a bola e ele ria de mim. Ela me cutucou e me chamou de maluco", falou o ex-jogador.

Adversários dentro de campo, fora deles os dois eram inseparáveis. Coronel montou uma churrascaria na Ilha do Governador e o amigo sempre batia ponto em seu restaurante.

"Ele levava muita gente. Muitos amigos. E a Elza Soares estava sempre junto. Tudo para me ajudar. Ele chegava e já pedia aquela [pinga] do garrafão."

Coronel contou que os dois bebiam juntos. Mas isso só acontecia quando iam a outros lugares. "Não ficava bem eu beber no meu ambiente de trabalho. Mas o Mané não tinha tempo ruim. Onde chegava, fazia festa."

Das visitas ao restaurante às pescarias, era Coronel também o companheiro inseparável do ponta alvinegro. "Ele gostava de pegar caranguejo. Depois fazia cada caranguejada... Tenho muita saudade da nossa amizade. O que ele fazia comigo no campo não era nada perto do que ele me ajudou fora dele", relembrou com saudade.

Coronel também defendeu a seleção brasileira e só não foi para a Copa do Mundo de 1958, na Suécia, por causa de uma lesão.

No Sul-americano de 1959, porém, ele não só fez parte do grupo como disputou a maioria dos jogos após a lesão do titular Nilton Santos. "O Nilton era brincadeira. Foi uma honra substituí-lo. E o bom é que nessas vezes eu tinha o Garrincha no meu time", afirmou Coronel às gargalhadas.

Entre os pontas que marcou, ele destacou outros atacantes acima da média que teve de enfrentar: Julinho Botelho, Joel, Telê e Dorval. "Nunca fui expulso de campo."

Dos anos 50 para o futebol atual, Coronel mostrou que estava atualizado com o que acontecia no mundo do futebol. Ele reclamou do Vasco, mas disse que a manutenção do técnico Vanderlei Luxemburgo seria o caminho para o time voltar a ser campeão.

"O Vasco está feio viu. E aquele clube é uma potência. Não pode ficar do jeito que está. O Luxemburgo é o nome para melhorar a situação lá."

Coronel falou também sobre a final da Libertadores e ficou feliz com o título conquistado pelo Flamengo. "E eu vou lá torcer para argentinos? O Flamengo foi merecedor, está jogando muito bem e representou o Brasil", completou o João mais famoso de Garrincha.



Fonte: Folha de S. Paulo