Campello teme que lei do clube-empresa vire 'Frankenstein'
Quinta-feira, 10/10/2019 - 01:33
A Comissão de Esportes da Câmara dos Deputados realizará nesta quarta-feira, às 14h30, em Brasília, um debate sobre clube-empresa, com a participação de clubes, da CBF e de especialistas. A ideia é ouvir as ideias dos atores diretamente afetados. O texto é visto pelos dirigentes como controverso.
Os presidentes de Flamengo e Vasco , Rodolfo Landim e Alexandre Campello, são esperados na audiência. Eles levarão uma visão compartilhada por outros clubes: o mercado do futebol deve se autorregular e a intervenção política não é vista com bons olhos.
Se não for atingido pelas novidades impostas pelo texto, o Flamengo não se opõe ao projeto para incentivar o clube-empresa. Mas a diretoria informou ao relator do projeto, o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que se inspira no formato associativo do Real Madrid. Os merengues são, ao lado do rival Barcelona, os principais expoentes financeiros de uma liga que se abriu para o formato de clube-empresa — em contraste com o Atlético de Madrid.
O rubro-negro carioca, porém, pretende crescer como clube social. "Fazemos isso há 100 anos e não queremos mudar", diz um dos dirigentes.
O Flamengo e outros clubes se viram em risco quando ouviram a proposta de equiparação tributária. Esse modelo faria o rubro-negro pagar o dobro de imposto. O clube estima que seriam pagos até R$ 80 milhões a mais em tributos por ano. Como associação sem fins lucrativos, o clube não paga impostos sobre seus ganhos, já que tem função social e recebe isenção fiscal.
O clube-empresa foi debatido em reunião do Conselho Diretor do Flamengo na última segunda-feira, em preparação para o encontro em Brasília. Landim lidera a discussão política ao lado de Luiz Eduardo Baptista, o Bap, e tem auxílio do CEO, Reinaldo Belotti.
A diretoria rubro-negra tem informações de que o desejo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é encaminhar o projeto sem os itens que prejudicam os clubes com situação financeira mais confortável e que não querem se tornar empresas. Mesmo assim, os clubes seguem em alerta.
O desejo de Maia e Pedro Paulo é que o projeto seja votado ainda neste mês.
— Não vamos fazer projeto para cartola. É para a modernização do futebol brasileiro — afirmou Pedro Paulo.
Segundo o parlamentar, há atores no futebol que não estão interessados porque não querem ser fiscalizados.
Vasco: 'De repente, sai um Frankenstein'
A comissão de clubes da CBF deixou explícita na semana passada a contrariedade ao avanço do projeto da maneira que está. Na visão dos dirigentes, a falta de uma versão pública atualizada, inclusive, dificulta a compreensão sobre os pontos inseridos na proposta.
O presidente do Vasco, Alexandre Campello, conversou com Pedro Paulo após o encontro de quinta-feira e ouviu do deputado mais alegações sobre a necessidade de se criar ambiente favorável para investimentos.
— Há um receio. Na Câmara, você sabe como entra o projeto, mas não sabe como sai. Um vem e faz um reparo. De repente, sai um Frankenstein — disse Campello, ressaltando a defesa dos clubes por um debate amplo.
Mas um argumento recorrente dos clubes é que a previsão de mudança de natureza jurídica já existe na legislação. E nem por isso o modelo associativo é deixado para trás. No Rio, o Botafogo é quem mais se aproxima da criação de uma empresa para gerir o futebol. Mas, assim como o Fluminense, está unido aos outros clubes nas ressalvas ao texto.
Especificamente sobre o projeto, há discordância, por exemplo, na ideia de tirar direitos trabalhistas de jogadores com salários acima de R$ 11,6 mil e um olhar desconfiado sobre os efeitos de eventual mudança nas regras de tributação.
— Criar mais impostos tira a competitividade dos clubes. Pode ser uma cortina de fumaça, uma armadilha. No fundo, querem taxar os clubes — alertou Campello, lembrando iniciativa recente da Receita Federal de notificar clubes como Palmeiras e São Paulo para cobrar deles impostos aplicados às empresas.
Principais itens em discussão
Refinanciamento das dívidas - O projeto sugere um novo refinanciamento da dívida dos clubes. Os dirigentes são contra por entenderem que há um risco à imagem do futebol perante o mercado, ainda mais por já existir o Profut, que possibilita o parcelamento de dívidas por 20 anos.
Herança do passivo - O texto, por ora, prevê que caso haja a separação entre empresa/futebol e clube social, os novos investidores assumam as dívidas do período associativo. Com o novo modelo jurídico, seria conduzido o processo de renegociação do passivo.
Direitos trabalhistas - O texto propõe que os jogadores que ganham duas vezes acima do teto da Previdência (R$ 11,6 mil) percam direitos trabalhistas. É o conceito de hipersuficiência. Eles ficariam ligados aos clubes por meio de contratos cíveis de prestação de serviços. Os clubes são contrários por verem risco de uma bolha de ações trabalhistas. Chegou-se a cogitar o aumento do teto para R$ 45 mil, mas não há consenso.
Controle acionário - Ao se tornarem empresas, os clubes cedem os direitos da gestão do futebol a um investidor. O controle acionário e, por consequência, as decisões administrativas, saem das mãos dos presidentes atuais. Isso esvaziaria o poder político dos dirigentes estatutários.
Isenção tributária condicionada - O deputado Pedro Paulo sugeriu a criação do modelo de isenção fiscal condicionada. Ou seja, os clubes associativos continuariam sem pagar os tributos de empresa, desde que cumprissem requisitos de governança e compliance. Há dirigentes contrários por entenderem que haveria uma transformação compulsória em empresa por parte dos clubes que não tiverem condições de se organizar nesse sentido.
Celeridade para votação - Os dirigentes já deixaram claro que não têm pressa para votar o texto. A defesa é por um debate mais extenso sobre os itens em pauta.
Fonte: O Globo Online