'Barrados' e grupos políticos falam sobre a recusa da diretoria do Vasco em aceitar sócios
Falta mais de um ano para a eleição do Vasco, mas pode-se dizer que a "guerra" já começou. Mais uma vez. A polêmica que norteia o pleito de 2020 se dá em relação à tentativa de adesão à categoria que dá direito a voto (sócio-geral), onde centenas de pessoas já foram recusadas pelo presidente do clube, Alexandre Campello, e outros tantas estão com suas situações estagnadas, caso até mesmo do capitão do título da Libertadores de 98, Mauro Galvão.
O UOL Esporte ouviu todos os lados envolvidos no processo: os sócios barrados, os grupos políticos e o Vasco. Também levantou apurações que apontam algumas decisões tomadas tanto pela diretoria quanto pelos agentes políticos do clube.
De modo geral, sabe-se que a grande maioria dos vetados tiveram como proponentes integrantes de três grupos políticos: postulantes indicados pelo pré-candidato Leven Siano, outros do grupo "Sempre Vasco" (Julio Brant) e os ligados ao "Avante, Gigante" (Fred Lopes).
No comunicado emitido por e-mail pelo Vasco aos sócios recusados, o clube cita o artigo 14 do estatuto para dizer que "a diretoria não é obrigada a dar os motivos da recusa". Porém, a reportagem apurou que, entre os principais motivos do veto estão o grande número de pessoas que tiveram a assinatura do mesmo proponente e as suspeitas de possíveis pagamentos de terceiros nas joias e mensalidades dos postulantes ao título de associado.
O Vasco foi comunicado da reportagem, mas até o fechamento da mesma não nos enviou um posicionamento oficial sobre os questionamentos e segue com a mesma tese apresentada aos impedidos de se associar.
O que dizem os barrados
O UOL Esporte entrevistou três pessoas que foram barradas de se associar pelo presidente Alexandre Campello. Uma delas pediu para não ser identificada com "medo de ser barrada em São Januário". Porém, assim como ela, os outros dois ouvidos pela reportagem enviaram seus respectivos comprovantes de pagamentos, para que não gerassem dúvidas sobre a origem dos valores.
Nome: Ismael Júnior
Idade: 28 anos
Mensalidades pagas: 3
Proponente: Integrante do "Sempre Vasco"
O processo: "Umas duas semanas depois do valor da joia diminuir, eu e um amigo combinamos de ir à São Januário para poder se associar e nos aventuramos nessa aí. Fui lá, fiz todo o procedimento da forma legal, com meu cartão de credito, só que tinha que ter um proponente. Na hora, tinha um camarada lá e eu, na minha ingenuidade, pedi para ele assinar para mim. O cara assinou, eu consegui a adesão, paguei uns três meses, estava indo para o quarto, quando recebi o comunicado de que não tinha sido aceito".
Por qual motivo foi vetado?: "Na minha opinião, acho que meu proponente deve ter assinado para diversas outras pessoas. Se eu não me engano, o proponente era da Sempre Vasco, e aí o Campello, avaliando, vendo que o proponente era da Sempre Vasco e como há esse racha, vetou. Mas eu não conheço ninguém da política do Vasco. Só conheço torcedores comuns. Eu fui na maior expectativa de ajudar o Vasco, não só indo aos jogos, mas ajudando na mensalidade e aprendendo o que é Vasco. Era um sonho de muito tempo ser sócio-estatutário, mas caí nesse jogo político do Campello aí".
Vai acionar a Justiça?: "Teve uma pessoa que entrou em contato comigo e ele me disse que disponibilizaria um advogado para me orientar. Conversando com ele, perguntei se tinha outra forma para não entrar na Justiça. Vou falar com ele nos próximos dias e ver se não pode ter uma reconsideração, mas o Campello parece não estar para ouvidos".
Nome: T.D (não quis se identificar)
Idade: mais de 30 anos
Mensalidades pagas: 2
Comprovante: O UOL tem o comprovante, mas não o publicou em respeito ao pedido de não identificação
Proponente: Sempre Vasco
O processo: "Eu esperei que baixasse a joia e demoraram muitíssimo. Botaram no prazo limite quase. Acho que fui lá no dia 2 de agosto. Estava almoçando em São Januário e tinha um pessoal da Sempre Vasco, eles se propuseram a assinar como proponente. Eu fui lá, fiz todos os pré-requisitos, paguei com meu cartão e aí, depois, recebi o email de que tinha sido barrado".
Por qual motivo?: Não soube precisar o motivo específico que acredita ter sido barrado.
Vai acionar a Justiça?: "O caminho agora é a Justiça. Ver o que a Justiça vai falar. É um absurdo, tenho comprovante, tudo certinho. Morei em Portugal muitos anos, voltei tem dois anos. Um dos meus sonhos era ser sócio do Vasco e tentar ajudar o clube de alguma maneira".
Nome: Rafael Louzada
Idade: mais de 30 anos
Mensalidades pagas: 2
Proponente: Não lembra
O processo: "Dia que eu fui lá foi 6 de julho. Eu não sabia até pouco tempo que precisava de um proponente. Fui lá em São Januário com um amigo que já tinha que resolver um problema de associação dele. Chegamos lá, não conseguiram resolver o problema dele e eu fiquei sem ter um proponente. Aí tinha um cara ao lado da secretaria, expliquei para ele minha situação e ele se ofereceu para assinar. Como eu não sabia que ia ter essa burocracia toda, nem anotei o nome dele e nem sei quem é o cara. A partir daquele momento comecei a pagar as prestações da joia. A última que paguei foi em setembro, e aí agora chegou o email comunicando que eu não tinha sido aceito".
Por qual motivo?: "Eu cheguei a colocar na última eleição que estava apoiando o Julio Brant no Facebook, mas se eles estão neste nível de pesquisar as redes sociais, chega a ser bizarro".
Vai acionar a Justiça?: "Estou vendo como a torcida está se organizando para entrar na Justiça".
O que dizem os grupos políticos?
O UOL Esporte entrou em contato com os principais grupos políticos envolvidos (Avante Gigante, Casaca!, Leven Siano e Sempre Vasco) e fez as mesmas quatro perguntas a todos. O Avante foi representado pelo benemérito Fred Lopes; o Casaca! pelo grande benemérito Sérgio Frias; Leven Siano respondeu individualmente e o Sempre Vasco deu seu posicionamento coletivamente.
Avante, Gigante (por Fred Lopes)
UOL Esporte: Seu grupo disponibilizou pessoas como proponentes para quem queria se associar?
Fred Lopes: "Sim".
UOL Esporte: Algum integrante de seu grupo assinou mais de uma ficha de adesão?
Fred Lopes: "Ele usa o artigo 14 do estatuto para não dar justificativas para os vetos, mas gostaria de saber onde está escrito no estatuto que um sócio não pode ser proponente para vários sócios? Fui pra São Januário, tinham cinco pessoas na fila e assinei como proponente. Isso é prova de fraude? Se existe toda a documentação, a pessoa fez tudo certinho, qual o problema? Só quero que ele explique o motivo dos vetos. Foi falta de documento? Faltou proponente? Se tiver algum erro, tudo bem, mas ter um proponente assinando mais de uma ficha não é motivo para veto".
UOL Esporte: Algum integrante pagou alguma mensalidade do associado?
Fred Lopes: "A gente fez um trabalho que toda semana ia lá acompanhar. Algumas pessoas o limite do cartão não passou, e aí essas pessoas ficaram de me dar em dinheiro e eu passei meu cartão. Eu paguei para umas cinco ou seis pessoas. Conhecidos meus. É um negócio ridículo. Se fosse um pagamento em massa de 300, 500 pessoas, tudo bem, mas não é o caso".
UOL Esporte: O que o grupo achou da posição de Campello ao dizer que, baseado no estatuto, não era obrigado a justificar o motivo do veto ao associado?
Fred Lopes: "Acho um absurdo. É um ato de autoritarismo. Ato que vai na contramão da história do clube, daquilo que nós precisamos fazer para pacificar o Vasco. Abco eu. Queria entender qual o critério de aprovar um e não aprovar o outro. Não justifica qual foi o critério para essas cerca de 500 pessoas terem sido aprovadas. A impressão que me passa é que há um interesse eleitoral por trás. Dá a impressão de que o presidente faz de tudo para que a eleição mais uma vez seja judicializada. Não há transparência ao colégio eleitoral".
Casaca! (por Sérgio Frias)
UOL Esporte: Seu grupo disponibilizou pessoas como proponentes para quem queria se associar?
Sérgio Frias: "Sim, afinal eram tantas as exigências da direção, que estar presente para ajudar e não fazer o vascaíno desistir no meio do processo, como ocorreu com muitos, era o melhor caminho".
UOL Esporte: Algum integrante de seu grupo assinou mais de uma ficha de adesão?
Sérgio Frias: "Sim, vários. Só eu assinei mais de 100 propostas. O fato é que pessoas não coadunadas com a gestão assinaram cerca de 10, 15 propostas e também experimentaram seus propostos recusados. Caso ocorrido com o Grande Benemérito Luís Manoel Fernandes".
UOL Esporte: Algum integrante pagou alguma mensalidade do associado?
Sérgio Frias: "Não, com exceção de familiares diretos. O máximo que houve, em alguns casos, foi pagamento e reembolso por dificuldades de alguém em transitar no meio digital e por recusa do Vasco em receber mensalidades em dinheiro, que é uma ilegalidade consciente cometida pelo clube, alertada ao presidente do clube, que deu de ombros e mantém o procedimento, sabedor da ilegalidade que comete".
UOL Esporte: O que o grupo achou da posição de Campello ao dizer que, baseado no estatuto, não era obrigado a justificar o motivo do veto ao associado?
Sérgio Frias: "Uma vergonha institucional protagonizada pelo presidente do clube, sem precedentes na história do Vasco quanto ao tema. Digno de um rubro-negro. Não esteve, não está, nem pode estar, em questionamento o sócio proponente. A análise a se fazer é de quem entra no quadro social".
O proponente, quanto mais sócios proponha, mais traz verba para o clube, mais engrandece o Vasco, mais dissemina a torcedores a importância em se associar.
Sou sócio Remido do Vasco, sócio Geral, por sinal, desde 1992, sócio Benemérito do clube, meu pai faleceu há dois anos como Grande Benemérito do Vasco, meu tio avô foi conselheiro do Vasco e partícipe de campanhas de doação para o clube nos anos 40, como tantos vascaínos, que pensavam Vasco de uma forma diferente da que atualmente se pensa.
Prova disso os prêmios que eram dados a proponentes nos idos dos anos 60, quando estes propunham número considerável de associados (o valor dos prêmios era dado pela ordem crescente do número de sócios novos que o proponente indicava para o clube) e o Vasco abria a mão até mesmo da joia, em alguns casos, para isso. Com efeito, o Vasco possuía dezenas de milhares de sócios estatutários na época e buscava mais.
Diferentemente do que fala o presidente do Vasco, o cadastro atual do clube é um grande ponto de interrogação, conforme se vê em declarações do atual presidente da Assembleia Geral, critérios para pagamentos dos associados do clube inadimplentes variam pela cara de cada um, o clube descumpre o estatuto com suas teorias de desligamentos e cobranças, a campanha de anistia foi no mínimo obscura quanto a dados fornecidos, uma comissão a ser formada na época não se reuniu da maneira conforme fora previsto e o que se tem atualmente são manobras da situação para permanecer no poder, tão descaradas e evidentes, que já não causam vergonha pela atitude tomada na reunião do Conselho Deliberativo, quando perdendo de 150 a 20 mais ou menos viu seu desejo de impedir que novos sócios adentrassem no clube com a joia mais barata, pleiteando que tais só pudessem fazer parte do quadro social em 01/10/2019. O objetivo? A partir dessa data não teriam direito a voto.
Derrotada fragorosamente a proposta as medidas da direção do Vasco seguiram o rumo de dificultar associações, barrar associados, indeferi-los, a ponto de se justificar isso com o termo "higienização" do quadro social do clube, que é algo tão absurdo quanto ofensivo a todos os propostos que se dispuseram a entrar no quadro social vascaíno nesses últimos meses".
Leven Siano
UOL Esporte: Seu grupo disponibilizou pessoas como proponentes para quem queria se associar?
Leven Siano: "Claro".
UOL Esporte: Algum integrante de seu grupo assinou mais de uma ficha de adesão?
Leven Siano: "Sim".
UOL Esporte: Algum integrante pagou alguma mensalidade do associado?
Leven Siano: "Não".
UOL Esporte: O que o grupo achou da posição de Campello ao dizer que, baseado no estatuto, não era obrigado a justificar o motivo do veto ao associado?
Leven Siano: "A justificativa do veto é um princípio numa escala de princípios e valores. Quando o presidente apela para o estatuto para não justificar, ele deixa claro que a transparência e o respeito ao associado não são princípios nem valores que ele cultive. O estatuto quando não obriga, não proíbe, para deixar a critério de quem o utiliza, a prática de princípios e valores pessoais. E ninguém pode ser vetado sem o direito ao contraditório, ao agir assim a diretoria administrativa expõe o clube a sofrer centenas de ações judiciais por danos morais, tornando uma ação de levantamento de receitas em despesas".
Sempre Vasco
UOL Esporte: Seu grupo disponibilizou pessoas como proponentes para quem queria se associar?
"Fizemos o que era de responsabilidade do Vasco: ofereceremos ajuda com informações e tirando dúvidas para os vascaínos que desejavam se associar. Assinamos algumas fichas de sócios, principalmente, daqueles que estão fora do Rio de Janeiro".
UOL Esporte: Algum integrante de seu grupo assinou mais de uma ficha de adesão?
Sempre Vasco: "A dinâmica de associação de sócios do Vasco exige a assinatura do proponente. É de se esperar, em uma campanha de adesão e no esforço de mobilização que fizemos, que algum integrante assine mais de uma ficha".
UOL Esporte: Algum integrante pagou alguma mensalidade do associado?
Sempre Vasco: "Não. Inclusive, este é o principal ponto da questão da associação. Nossa grande bandeira e luta nas últimas duas eleições. A imoralidade do processo eleitoral passa por pessoas que insistem em pagar e financiar as mensalidades de um número grande de sócios. Temos que separar o sócio que paga as mensalidades de sua família, o que é razoável e saudável para o clube, do sócio ou grupo político que paga as mensalidades de dezenas ou centenas de "sócios" visando única exclusivamente as eleições do clube. Além de nociva para o exercício democrático, esta prática é a grande responsável pelo processo de sucateamento moral da Instituição Vasco".
UOL Esporte: O que o grupo achou da posição de Campello ao dizer que, baseado no estatuto, não era obrigado a justificar o motivo do veto ao associado?
Sempre Vasco: "Defendemos que o Vasco precisa mais de CT - competência e transparência. Ao não justificar os motivos do veto, o presidente se esconde atrás do estatuto, para não mostrar as suas verdadeiras intenções. Quem tem alguma vantagem, benefício ou lucro pessoal luta para que o processo eleitoral seja sempre o mais caótico e nebuloso possível".
Entenda o caso
Após o Conselho Deliberativo votar pela redução da taxa de adesão para a categoria que dá direito a voto (sócio-geral), cerca de mil vascaínos ingressaram com o pedido até o dia 15 de agosto, que foi o prazo máximo dado para quem quisesse participar da eleição de 2020.
O plano, porém, prevê que, para se associar, a pessoa precisa de um sócio proponente para assinar sua ficha de inscrição e também de uma aprovação pelo presidente do clube, Alexandre Campello.
Passados até três meses de mensalidades pagas, centenas de torcedores ainda não tiveram uma resposta sobre suas situações, o que têm gerado reclamações dos mesmos e críticas por parte da oposição, que acusa Campello de estar "peneirando" os novos associados.
O presidente vascaíno, então, foi cobrado pelo Conselho de Beneméritos e o respondeu em carta alegando que a demora se dá por supostas movimentações suspeitas na adesão dos postulantes à sócios-geral, detalhando alguns itens como: ônibus fretado para associação em massa; plantões de sócios no clube para assinarem como proponentes - com casos de até 130 propostas assinadas pelo mesmo proponente; e primeiras mensalidades pagas com cartões de crédito de terceiros (veja na carta em anexo).
Até o momento, pouco mais de 400 pessoas tiveram suas propostas aceitas e a tendência é a de que o número não se altere tanto, com centenas tendo seus ingressos na categoria de sócio-geral vetados por Campello.
Veja a íntegra do comunicado:
"Viemos através deste informá-lo que sua proposta de sócio-geral do Club de Regatas Vasco da Gama, infelizmente, foi indeferida. Referente à justificativa da recusa, segue trecho do artigo 14 do estatuto:
'As importâncias de que trata o presente artigo ficarão em depósito e serão devolvidas, desde que não seja aceita a proposta. A diretoria não é obrigada a dar os motivos da recusa'.
Em breve, entraremos em contato para mais informações quanto à devolução do valor despendido no ato da proposta".
Fonte: UOL