Paralisação de jogo do Vasco por canto homofóbico levanta discussão sobre discriminação no esporte
Anderson Daronco alertou: com o grito de "time de v..." cantado pela torcida do Vasco, não continuaria a partida contra o São Paulo. Jogadores, Vanderlei Luxemburgo e o próprio clube pediram, e os torcedores cessaram com o canto homofóbico. O episódio em São Januário pode ser um ponto de virada nos recorrentes episódios de discriminação que insistem em acontecer nos estádios brasileiros.
A procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva está analisando a súmula da partida — o episódio foi relatado no documento pelo árbitro — e as imagens do jogo para verificar a possibilidade de fazer denúncia contra o clube. A análise da equipe da procuradoria do STJD leva em conta como o Vasco reagiu ao fato. O cruz-maltino foi intimado a se manifestar em até três dias. Ontem, em seu site oficial, o clube emitiu nota repudiando o fato e pedindo desculpas pelo ocorrido.
A iniciativa de Anderson Daronco em São Januário aconteceu em conformidade com as novas orientações da Fifa para casos de manifestações discriminatórias nos estádios. A CBF repassou a questão para os árbitros, e coube ao gaúcho ser o primeiro a interromper um jogo da Série A por causa do problema. A atitude lhe rendeu elogios.
— A orientação é essa mesmo: o árbitro parar o jogo, pedir para que a torcida seja orientada e, se a ocorrência persistir após o aviso, as consequências se tornam mais graves. Faz parte do código da Fifa, essa orientação vem lá de cima — explicou Leonardo Gaciba, presidente da Comissão de Arbitragem da CBF. — Acho que a ação do árbitro foi recebida muito bem. Também quero elogiar os profissionais envolvidos, do Vasco em especial, que prontamente atenderam ao árbitro e agiram perante a torcida, fazendo com que os gritos calassem.
Problema crescente
Em casos muito graves de discriminação, o árbitro está autorizado a decretar o fim da partida. Se a denúncia no STJD tomar forma, o Vasco será julgado com base no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Esse dispositivo já foi usado para os tirar pontos do Grêmio na Copa do Brasil de 2014, quando torcedores foram flagrados cometendo injúria racial contra o goleiro Aranha, da Ponte Preta.
Para o psicólogo esportivo Felipe Tavares Lopes, a punição não deve ser o único instrumento utilizado pelos dirigentes para combater o problema da discriminação no futebol. É preciso, segundo ele, educar as pessoas.
— Existe a via educativa. O ideal é que a punição seja individual, mas no caso de manifestação de massa fica mais difícil — admitiu.
Segundo o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, chega a 30 o número de casos de discriminação denunciados no futebol em 2019. Desde 2014, a iniciativa publica relatório que monitora e analisa ocorrências de preconceito no esporte brasileiro divulgadas pela imprensa.
No último ano, 44 incidentes foram registrados, sendo 29 em estádios, 12 na internet e três em outros espaços, como no pronunciamentos de dirigentes de clubes. Para Marcelo Carvalho, um dos organizadores do estudo, a repercussão do caso do Vasco já está servindo para sensibilizar as pessoas.
— O número de ocorrências relacionadas à xenofobia, sexismo, homofobia, machismo e racismo vem crescendo dentro e fora do Brasil. E o novo código de conduta da FIFA demonstra que as instituições estão atentas—analisa Carvalho, que reforça a necessidade de os clubes assumirem papel atuante no trabalho de conscientização dos torcedores. — Acreditamos que esses casos precisam ser punidos para que não continuem sendo reproduzidos. Colaboraram Igor Siqueira, Marcello Neves e Vitor Seta
Ações dos outros clubes
O Botafogo já realiza campanhas contra a homofobia , o racismo, o preconceito e a discriminação nas redes sociais. Segundo a assessoria de imprensa do clube, estas ações de conscientização devem ser vinculadas também no telão e pelos alto-falantes do Nilton Santos.
Procurado, o Flamengo não se manifestou oficialmente até o fechamento desta reportagem, mas fontes ligadas ao clube dizem que a posição defendida pelo rubro-negro é de sempre apoiar qualquer iniciativa para combater a homofobia. O clube acredita que, pela torcida não ter o costume de entoar cantos homofóbicos normalmente, não terá problemas com este assunto.
O Fluminense já se manifestou publicamente contra a homofobia com a campanha "#TimeDeTodos", lançada em fevereiro deste ano após o clássico contra o Vasco, no Campeonato Carioca. Na ocasião, o clube repudiou as declarações do volante cruz-maltino Felippe Bastos (que em um vídeo cantou "time de v..." para o tricolor) e defendeu a pluralidade de gêneros nas arquibancadas. A campanha se mantém e deve ganhar ainda mais força após a decisão da CBF.
Fonte: O Globo Online