Depois de atuar no Futebol Feminino do Vasco, atleta se assume trans e hoje joga no 1º time para homens trans do RJ
Segunda-feira, 22/07/2019 - 10:12
Em uma tarde de sexta-feira qualquer, no Parque Madureira, na Zona Norte da cidade, um time de meninos se encontra para uma "pelada". Poderia ser só mais um time comum de futebol, se esse não fosse o único do Rio de Janeiro formado por um grupo de homens trans apaixonados pelo esporte.
Impedidos de jogar em times de homens e de mulheres, os 19 integrantes do BigTBoys se encontraram com a ajuda de Cristian Lins, militante pelos direitos dos homens transexuais (pessoas que foram designadas mulher ao nascer, mas que se identificam como homem).
Rodrigo Arcanjo, de 27 anos, é um deles. Gerente comercial, ele joga futebol desde os 9 e, na infância, era a única menina de um time do Espírito Santo, onde cresceu. Aos 18 anos participou de uma peneira e jogou algum tempo no time feminino do Vasco, mas, depois de se assumir como trans, ficou sem ter onde jogar. Como não o aceitavam no time feminino nem no masculino, não encontrou outra saída que não parar de praticar o esporte. Foi aí que, por meio de um anúncio na internet, encontrou o BigTBoys.
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— Antes de entrar no time, eu estava só. Vivia muito isolado e sem amigos. Mas aqui todos se respeitam porque passaram pelas mesmas coisas. Eu largo tudo para vir ao treino porque é o momento que estou com meus amigos — afirma ele.
Aceitação e identificação são palavras recorrentes em seus discursos. Por isso, Robert Abel, de 26 anos, também defende a existência de um time exclusivo para homens trans. Segundo ele, a iniciativa de Cristian foi essencial para que eles pudessem mostrar que podem, sim, jogar futebol.
— É muito bom poder ter um time só nosso, e estar entre iguais. Sabemos que aqui não vai ter um pensamento preconceituoso. Todo mundo tem problemas em casa, então, a gente tenta se unir para se afastar disso e se fortalecer — explica o auxiliar administrativo.
Primeiro amistoso
Cristian Lins fundou o BigTBoys há três meses, como parte de um movimento que busca dar espaço e visibilidade para pessoas que não são cisgênero (que se identificam com o sexo biológico). Segundo ele, que também se identifica como um homem trans, o preconceito vem de todos os lados:
— Hoje em dia eu percebo que até dentro da própria comunidade LGBTI tem discriminação. Sempre deixam a gente de lado. Então, fui procurar um espaço em que eu poderia encaixar os meninos. No futebol já havia times de mulheres, de homens e de gays, mas não havia um espaço só para os transexuais.
Apesar de recente, o BigTBoys já conseguiu fazer com que os jogadores desenvolvessem fortes laços de confiança. E, para Rodrigo Arcanjo, a relação que se estabeleceu vai muito além do esporte.
— A gente procura estar juntos todos os dias, marcamos de sair depois dos treinos, e nos falamos sempre — completa.
No fim do mês, o BigTBoys disputou o seu primeiro jogo oficial, contra os Meninos Bons de Bola, de São Paulo. Os organizadores afirmam que esta foi a primeira disputa de futebol entre homens trans no Brasil.
Na preparação para a partida, o técnico Marcelo Silva foi essencial. O ex-jogador, de 40 anos, trabalha como treinador de várzea há 25 anos. Ele é o único homem cisgênero que tem permissão de entrar em campo durante os treinos e afirma que aprendeu muito com a oportunidade de fazer parte de uma realidade tão diferente da sua.
— Eu não tinha ideia do que significava ser trans. Quando eu cheguei aqui tomei um susto porque o meu mundo sempre foi futebol masculino ou feminino. Eles foram me explicando como funciona — diz. — Quando eu erro alguma coisa, eles chamam a minha atenção, e aos poucos estou aprendendo como é o mundo deles.
Fonte: O Globo Online