Nos ombros que já conduziram sacos de batata, areia e cimento, Jairinho hoje carrega o desejo de amigos e familiares. E esse peso, o dos sonhos interrompidos, é muito maior. Ex-estoquista de supermercado e ex-auxiliar de pedreiro, o agora atacante do Vasco perdeu um tio e vários colegas de infância para a guerra do tráfico de drogas. Todos tentaram jogar bola, mas só Jairinho conseguiu driblar o destino.
Ele chegou ao Vasco há pouco mais de um mês e ainda mora na favela da Carobinha, em Campo Grande, onde foi criado. As histórias dariam um filme. "Eu tinha um amigo que foi expulso da favela e depois voltou para tentar tomar. Na invasão, acabou matando um outro amigos da gente. Eu perguntei: 'cara, você sabe o que você fez?'. Ele chorou na minha frente", relembra, com os olhos marejados, do amigo que também morreu meses depois.
Acostumado a driblar adversidades
Destaque do Estadual pelo Bangu, o jogador de 28 anos é uma revelação tardia. Em 2017, jogou a quarta divisão do Carioca pelo Campo Grande, e recebia uma ajuda de custo. Antes, nem isso. Sem condições para pagar a pensão da filha Jhully Vitória, seis anos, Jairinho fez bico de entregador de pizza e auxiliar de pedreiro na reforma de um bar no Esporte Clube Resende, em Campo Grande. Na busca por dinheiro, chegou a disputar peladas organizadas por traficantes de favelas do Rio.
"Eu faço questão de caminhar pela comunidade. Seja quem for que me dê carona" - Jairinho não dirige -, "eu peço para me deixarem na beira da Avenida Brasil e venho andando pela favela. Muitas vezes passa um filme na minha cabeça: 'pô, joguei bola nessa rua aqui'. Meu objetivo é colocar a Carobinha no mapa".
Atacante de lado, daqueles velozes e dribladores, jogou apenas quatro partidas pelo Vasco, e em todas entrou no segundo tempo. Diz ainda sofrer com a ansiedade de fazer um bom jogo - "preciso ser o cara que eu era no Bangu" - mas tenta melhorar com a experiência de Luxemburgo. "Às vezes a bronca nem é comigo, mas absorvo aquilo ali. Ele é muito inteligente". Apoio do elenco não falta. "Os caras das antigas, mais experientes do elenco, como Ramon, Castan e Breno, me abraçaram. Eles falam: 'Tu é a alegria do Vasco".
Vez ou outra, Jairinho publica letras de rap em suas redes sociais. A preferida é a 'Moleque de Vila', do cantor Projota. De olhos marejados, ele diz que agora, sim, a letra faz sentido para ele. "Olha lá o outdoor com o meu nome/Me emocionar não me faz ser menos homem/Se o diabo amassa o pão/Você morre ou você come?/Eu não morri nem comi/Eu fiz amizade com a fome".
Fonte: O Dia