O clube que todos cantam

Sérgio Cabral

Crônica publicada no Jornal dos Sports de 21 de agosto de 1983

Sendo o clube mais carioca, o Vasco é também o clube da música popular brasileira de um modo geral e do samba carioca em particular. (O número de sambistas importantes vascaínos é maior do que a soma de todos os outros que torcem por outros clubes).

Eis alguns vascaínos: Pixinguinha, Clementina de Jesus, Nélson Cavaquinho, Ismael Silva, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Edu Lobo, Francis Hime, Jamelão, Gutemberg Guarabira, Xangô da Mangueira, Zé Keti, Lúcio Alves, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Dóris Monteiro, Araci de Almeida, Luiz Gonzaga Junior, Rui e Magro (do MPB-4), quase todo o conjunto Nosso Samba, quase todo o conjunto Novos Baianos, Joel do Nascimento (bandolim) e seu irmão, o violonista Joir, Maestro Severino Filho, Carlos José, Roberto Nascimento, Jorge Goulart, Paulo Jobim e outros. (Na literatura, bastam dois nomes: Carlos Drummond de Andrade e José Rubem Fonseca).

Perguntado certa vez pelo clube a que torcia, Noel Rosa respondeu que gostava daquele onde jogava Fausto, também conhecido como "A Maravilha Negra". Fausto jogou muito tempo no Vasco, o único clube, aliás, citado duas vezes em músicas de Noel. Jacob do Bandolim, por sua vez, era do time onde jogava o Zizinho, mas batizou um dos seus belos choros de "Vascaíno".

O Vasco, o clube da preferência de três presidentes da República (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart), foi muitas vezes tema de nossa música popular, não só através de compositores consagrados como também pelo criador anônimo, já que a sua torcida, como tem demonstrado no Maracanã, é a mais criativa de todas.

O fascínio exercido pelo clube [é tal, que compositores que torcem por outros clubes] tiveram que se render à sua imensa popularidade e colocá-lo como tema de suas músicas. Ari Barroso, por exemplo, fez com Nássara a marchinha carnavalesca que abria com o nosso grito de guerra:

"Casá, casá
Casá, casá, casaca
A turma é boa
É mesmo da fuzarca!"

Outro rubro-negro, Wilson Batista, estourou no carnaval de 1946 com uma outra marcha interpretada por Linda Batista (em 1945 fomos campeões cariocas invictos):

"Vamos lá que hoje é de graça
No boteco do José
Entra homem, entra menino
Entra velho, entra mulher
E' só dizer que é vascaíno
E que é amigo do Lelé"

No fim do Campeonato de 1950, quando o Vasco voltou a ser campeão, a marchinha "Zum-Zum", de Paulinho Soledade e Fernando Lobo, ganhou uma paródia da torcida para saudar a vitória contra o América no jogo decisivo:

"Oi zum-zum-zum
Zum-zum-zum-zum
Vasco dois a um
Ademir pegou a bola
E desapareceu
Foi mais um campeonato
Que o Vasco venceu"

Anos mais tarde, surgiu um samba do jovem compositor Francisco Leonardo, que infelizmente não fez muito sucesso, mas que falava do operário que trabalhava muito, pegava o trem de marmita na mão e, aos domingos, incorporava-se à torcida chefiada por Dulce Rosalina. Gostava principalmente da letra desse samba porque abordava um aspecto que é pouco divulgado: o Vasco é o verdadeiro clube do povo. Segundo várias pesquisas, ele perde para o Flamengo, Fluminense e Botafogo na classe A, só é superado pelo Flamengo na classe B e ganha na classe C (existe um crioulo desdentado na torcida do Flamengo, mas só para ser filmado pelo rubro-negro Carlinhos Niemeyer para o Canal 100).

O campeonato de 70 rendeu as seguintes músicas para o carnaval de 1971: "Vascão 70" (Leonel da Cruz e Armando Soares Brandão) e "Vasco Campeão" (Nilo Azevedo e Hermínio Sinelli). Nessa altura, a torcida já havia criado muitas músicas, dentre as quais aquela que, de tão bonita, parece uma sinfonia de Beethoven:

"Vas-co ô ô ô
Vas-co ô ô ô".

(Zanata confessou certa vez que a partir do momento em que a torcida canta assim, os jogadores se sentem como dopados e partem para cima do adversário com um furor incrível. O Fluminense que o diga. Lembra-se da virada de dois a zero para três a dois?)