O Vasco coloca sua história em jogo hoje, às 17h, contra o Coritiba. O duelo no Couto Pereira não mexe apenas com os que terão a missão de tirar o time do abismo, como Madson, símbolo da entrega do time na reta final. Funcionários que se acostumaram com os tempos vitoriosos também se unem na corrente positiva por dias melhores.
Salmos inspiram o esperado milagre
Madson vive dias de angústia e muita expectativa na reta final do Brasileiro. O sorriso fácil deu lugar à preocupação. Ainda mais depois que sua mulher, Larissa, viajou para Volta Redonda, onde irá nascer o primeiro filho do casal. Solitário e com cara de sono, depois de ter passado a tarde dormindo, o jogador recebeu o JB em sua casa para falar sobre dias tão conflitantes. No melhor ano de sua carreira e prestes a se tornar papai, o baixinho corre o risco de manchar a sua grande temporada se o Vasco cair. Possibilidade que ele não imagina nem no seu pior pesadelo, apesar de o time não depender mais de si para se livrar.
A convicção de que nem tudo está perdido vem da sua fé inabalável em Deus. Evangélico, todos os dias antes de dormir, o jogador passa horas estudando a Bíblia. E nunca deixa de ler os salmos 23 e 121, que invocam proteção divina. Apesar da fé, admite que tem dias em que o baixo-astral toma conta.
– Às vezes acordo meio desanimado e vou treinar porque tenho que ir – ressalta com melancolia. – É triste saber que, se perdermos o jogo de hoje, já era, é segunda divisão.
O fantasma de jogar novamente a Segundona o atormenta. Em 2007, ele disputou a Série B do Carioca vestindo a camisa do Duque de Caxias. E o jogador só pôde comemorar o acesso no último jogo.
– Fiquei muito tenso com tudo que aconteceu. No jogo contra o Floresta choveu tanto que a partida foi adiada. Mas na partida seguinte goleamos e garantimos a vaga.
Apesar de evitar o assunto, outra coisa que deve estar o preocupando é a renovação do seu contrato, que termina no final de dezembro. O procurador do jogador, Léo Rabelo, já iniciou as negociações, mas uma fonte revela que o clube ofereceu muito pouco, o que o teria desagradado muito. Principalmente se for levado em conta que até há dois meses o jogador recebia apenas R$ 3 mil. Hoje ele ganha R$ 15 mil, ainda um salário bem baixo comparado com a média do clube.
Distração
Mais estressado do que o de costume, Madson procura o tempo todo ocupar a sua mente para tentar relaxar um pouco. Com a mulher mais longe, ele tenta se distrair ora conversando com o vizinho de prédio, Toninho, um vascaíno fanático. Ou navegando na internet e atualizando as informações do Orkut de Larissa.
Mas é nas palavras do salmo 121 que ele busca forças para vencer o Coritiba fora de casa: "Elevo os meus olhos para os montes; de onde me vem o o socorro? O meu socorro vem do Senhor", recita, esperançoso, o jogador, que hoje é um dos líderes do grupo de evangélicos do Vasco.
Meio século de folclore serve de esperança
Longe de São Januário, sua casa por mais de 50 anos, Pai Santana sofre com a situação desesperadora do Vasco. Afastado do clube depois de sofrer quatro isquemias, que comprometeram o seu sistema locomotor e a fala, hoje o massagista se comunica com ajuda da mulher, Carmem, com quem vive junto há quase 40 anos. Na casa simples, mas acolhedora, em Benfica, pertinho da Colina, o massagista se emocionou ao relembrar histórias antigas que fazem parte do folclore do futebol brasileiro. E revelou que o seu coração diz que o Vasco não será rebaixado para a Série B.
Se a fala está muito comprometida, a lucidez e a simpatia são as mesmas que encantaram várias gerações de vascaínos. A tristeza só bate forte quando ele pensa que o clube que aprendeu a amar em seus 74 de existência poderá visitar pela primeira vez a Segunda Divisão.
– Está faltando um protetor espiritual ao clube. Isso só está acontecendo porque estou longe de lá – disse, tropeçando na dicção das palavras, mas mostrando a lucidez de sempre.
Filho de Xangô, este mineiro de Andrelândia ficou famoso no Vasco por fazer, segundo alguns, trabalhos espirituais capazes de ajudar o clube a ganhar títulos. Um dos casos mais conhecidos foi o Carioca de 1970.
– Tinha 11 anos que o Vasco não era campeão e ele fez vários trabalhos poderosos – revela Carmem, que acompanhou o marido em muito deles. – O título foi às custas de muita macumba e cemitério à meia-noite.
Outra história que Pai Santana não esquece foi nas finais do Campeonato Brasileiro de 74, quando o Vasco conquistou o seu primeiro título nacional. A final foi em dois jogos contra o Cruzeiro e o Vasco, apesar de ter um time bem inferior, levou a melhor.
Ovos garantem título de 74
Pai Santana conta, com dificuldade, que esteve dias antes do primeiro jogo no Mineirão, onde conseguiu enterrar três ovos sem ninguém ver. Mas num deles, o feitiço se voltou contra o próprio feiticeiro: o atacante vascaíno Perez pisou no ovo benzido e se machucou. Mas o mesmo aconteceu com o artilheiro do Cruzeiro, que acabou deixando o jogo. No final, o empate foi um bom resultado. O segundo jogo, que iria ser no Mineirão, foi transferido para o Maracanã, porque a diretoria mineira tentou agredir o juiz. Com as as mandingas de Pai Santana e com um erro de Armando Marques, que invalidou um gol legítimo de Zé Carlos, o Vasco de Dinamite conquistou o título.
Apesar de sempre falar com carinho do atual presidente, que ele viu surgir na Colina, Pai Santana não esconde a mágoa de não ter sido lembrado por ele na festa de comemoração dos 10 anos da conquista da Libertadores.
– Eles esqueceram de mim.
Confiança segue o funcionário mais antigo
O roupeiro Severino Baptista de Melo, 82 anos, é uma lenda viva em São Januário. Ele é o funcionário mais antigo do clube, onde começou a trabalhar em 1954. Cuidando com esmero dos uniformes dos jogadores, viu craques de várias gerações desfilando o seu talento no gramado da Colina. O homem que viu de perto o Expresso da Vitória não joga a toalha, apesar dos pesares, e acredita que o Vasco não irá cair para a Série B do Brasileiro.
– Eu nunca pensei que um dia o nosso time fosse chegar ao ponto de ter que brigar para não cair para a Segunda Divisão – disse, abatido. – Mas ainda há tempo para a gente sair do vermelho. Tenho fé de que vamos escapar.
O tom de voz só muda quando relembra com orgulho do melhor time que viu jogar em todos os tempos. Uma realidade bem distante dos dias de hoje.
– O Expresso da Vitória era extraordinário. Se botassem os reservas para jogar, a gente continuava ganhando tudo. Era uma seleção – lembra com saudosismo.
Quando resolve enumerar os grandes craques que viu jogar, Severino perde a conta.
– Foram vários, entre eles Bellini, Orlando, Pinga, Sabará, Roberto Dinamite – revela o roupeiro, que não abre mão de Edmundo na lista de craques do futebol.
Com mesma disposição com que diz que o time de hoje é um dos mais fracos que já viu, Severino sai de Caxias, onde mora, todo dia para a Colina. Sua rotina no clube é variada. Chega bem cedo, cuida dos uniformes e depois, quando sobra um tempinho, entra no campo para acompanhar de perto os treinos de Renato Gaúcho.
Minha vida pelo Vasco
Na semana que antecedeu ao jogo de vida ou morte de hoje contra o Coritiba, a cabeça branca de Severino era vista de longe. Bem quietinho, quase sempre atrás de uma das placas de publicidade, ele via tudo sem esboçar maiores reações. Apesar de os treinos não terem sido muito animadores, Severino acredita que o Vasco vai surpreender no estádio Couto Pereira e calar a boca de muita gente.
– Nós vamos ganhar do Coritiba e depois do Vitória aqui, junto com a nossa torcida – disse, confiante, o amigo de Pai Santana, outro velho companheiro de trabalho que ele diz sentir saudade.
Outro de quem ele sente falta é o antigo gerente de futebol, Paulo Angione.
– Se ele estivesse aqui, isso não estava desse jeito não – critica o roupeiro.
Severino também não poupa o ex-presidente Eurico Miranda, que, segundo ele, não deixou um time à altura. O roupeiro diz que Dinamite não tem culpa do que está acontecendo. Pai de quatro filhos e com seis netos, um dos orgulhos do velho roupeiro é ter criado uma família de vascaínos, que aprendeu com ele a amar a camisa cruzmaltina.
– Eu amo São Januário. Eu dou a minha vida por isso aqui.
Sala de troféus vive dias de silêncio
Se tem lugar em São Januário que dá a noção exata da grandeza do Club de Regatas Vasco da Gama é a sua imensa sala de troféus. São 7.500 relíquias reluzentes, que enchem de orgulho os mais de 11 milhões de torcedores espalhados de Norte a Sul do Brasil. E cabe a Angelina de Oliveira, 65 anos, cuidar de cada uma delas, desde o dia 2 de janeiro de 1979, quando chegou à Colina. Além de limpar, polir e cuidar com carinho de todos os troféus, ela assistiu, nas cadeiras de São Januário, às principais conquistas do clube no final da década de 70. Mas, na última semana, o silêncio da sala de troféus chegou a incomodar. Quem apareceu para visitar se emocionou.
– Todo mundo que entra aqui fala que esta sala tem uma energia muito forte – acredita.– Esta semana um homem fortão esteve aqui e chorou como um menino. É difícil acreditar no que está acontecendo.
Perplexa com a situação do time na parte de baixo na tabela, ela evita pensar no pior que poderá acontecer com a equipe.
– Eu fico olhando os troféus e não consigo imaginar o Vasco na Segunda Divisão – relata a funcionária, que viu Roberto Dinamite despontado no futebol.
Angelina conta que ficava na sede muitas vezes depois do expediente só para ver seu ídolo treinar. Ídolo que desde a posse não teve tempo para fazer uma visita.
– Ele me prometeu que viria. Estou esperando.
Católica convicta, como boa parte dos funcionários do clube, Angelina tem pedido a interferência de Nossa Senhora das Vitórias, a padroeira do clube, e também de Nossa Senhora de Fátima.
– Além de amar este clube, este é o meu emprego. O Vasco não pode cair – diz, temerosa em relação a um futuro incerto na Segunda Divisão do Brasileiro.
Sobre o passado, Angelina conta com orgulho sobre o título que mais a emocionou.
– A conquista do Brasileiro de 2000 foi muito sofrida. Principalmente porque teve a queda do alambrado. Foi triste ver tanta gente machucada – lembra, sem saudade, a funcionária que neste dia chorou compulsivamente. – É como se tivesse acontecido na minha casa.
A voz de São Januário
Seu Murilo tem seguramente mais de 70 anos, sendo 50 deles só de Vasco. É um dos funcionários mais antigos e como a maioria é arredio a entrevistas. Mas mesmo sem dizer uma só palavra, a sua sala de trabalho é mais do que reveladora. Na entrada uma enorme estátua de Nossa Senhora da Vitória. E ao lado, as imagens de Nossa Senhora Aparecida, de Fátima e um cartão com o Anjo da Guarda. Todas mantidas por uma vela que nunca se apaga, assim como a esperança da torcida vascaína.
Fonte: Jornal do Brasil