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NETVASCO - 28/08/2003 - 05:59 - RAMALHO VISITA O VASCO APÓS 20 ANOS

Fazia 20 anos que ele não voltava a São Januário, palco inicial de uma vida sonhada e inteiramente dedicada a torcer pelo Vasco:

Domingos do Espírito Santo Ramalho, o homem que extraía toques de clarim de um talo de mamona para comandar, durante quase 40 anos, a torcida do Vasco não cabia em si de contentamento e emoção ao ver como está o clube de seu coração, ocupando até mesmo o espaço da casa em que morou durante anos, naquele quarteirão que foi incorporado ao patrimônio pela administração Calçada-Amadeu-Eurico Miranda.

Quem viveu quatro décadas de glórias e sofrimentos do Vasco nas décadas de 40, 50, 60 e 70, muito mais glórias do que sofrimentos, sabe muito bem a importância do Ramalho para embalar o time. Sua chegada a São Januário e ao Maracanã, com o clarim que puxava o Casaca!, era o início daquilo que os locutores de rádio de então, menos tendenciosos (talvez) do que os de hoje, gritavam a plenos pulmões: “estão desfraldados do lado direito do Maracanã as bandeiras da Cruz de Malta! O Ramalho chegou!”.

Gritos, é verdade, insuficientes para superar os clarins do Ramalho e seu talo de mamona, acompanhando o Casaca!, a despertar mais alto o espírito da vascainidade, a correr lágrimas furtivas dos olhos dos mais emotivos, a despertar os corações infantis, tornando o Vasco imortal.

Permitam-me escrever na primeira pessoa. Encontrei o Ramalho no bar de São Januário, ele e o neto, vascaíno também e que, acompanhado do tio, sempre está por lá, jogando tênis numa das duas quadras para sócios do Gigante da Colina Histórica. Os cabelos do Ramalho estão branquinhos, mas o rosto tem poucas rugas para um homem de 72 anos e que ganhou a vida como estivador. As pernas continuam arqueadas, lembrando as do seu compadre Pinga, artilheiro maior do Vasco nos anos 50.

E também continua acesa a chama do torcedor do Vasco, aquela mesma acesa nos anos 40, ainda em Ilhéus, quando recebeu de presente a camisa do clube que um foguista de um navio do Lloyd levou do Rio, como encomenda. Estranha ironia: em sua cidade, Ramalho torcida pelo Flamengo local, que nada tinha a ver com o rival, nem mesmo nas cores, pois era amarelo e preto (ou amarelo e azul, nem ele se lembra).

Vindo para o Rio, Ramalho passou a tocar o talo de mamona em São Januário até que, num jogo Vasco x Botafogo, em 1947, vencido pelo Vasco por 2 a zero, Cyro Aranha o convidou para a Tribuna de Honra. Estava oficializado o clarim de mamona, que iria comandar a torcida por muitos e muitos anos. Era mais um exemplo da democracia vascaína, ao serem estabelecidos e estreitados os laços entre a diretoria, através de um dos maiores presidentes do clube, e o torcedor de arquibancada, representado pelo Ramalho.

Um torcedor tão apaixonado que sua segunda filha, por nascer no mesmo dia de uma das maiores conquistas internacionais do Vasco, recebeu o nome da taça: Thereza Herrera. O padrinho só podia ser José Lazaro Robles, nome de cartório do artilheiro Pinga, o herói da conquista. Um herói recordado com saudades pelos vascaínos que o viram jogar e sentiram quando ele morreu em São Paulo, na mesma semana de outro ídolo, Ademir Marques de Menezes, o Queixada.

Pinga formara a ala esquerda da Portuguesa de Desportos com Sabará. No Vasco, Sabará, o Onofre de Souza, também falecido, fez sucesso na ponta direita, e Pinga, com a chegada de Martim Francisco, deixou a meia e foi ser o camisa 11.Pinga só não realizou um sonho: ver o filho Ziza, também ponta esquerda, jogar no Vasco: no Rio, Ziza foi ponta esquerda do Botafogo.

Voltemos ao Ramalho: ele teve seis filhos, três homens e três mulheres, todos vascaínos, é claro. Na visita a São Januário, Ramalho foi recepcionado pelo presidente Eurico Miranda (que se declarou seu admirador), visitou a sala de troféus, conversou com muitos vascaínos. E tentou esconder as lágrimas ao constatar a evolução do patrimônio do clube: percorreu, apoiado na bengala e no neto, os novos espaços conquistados, inclusive o que abrigava a casa onde morou boa parte da vida e onde lhe nasceram os filhos.

-“Nunca pensei que nosso Vasco pudesse crescer tanto. Não tenho saudades da casa, tenho orgulho de aquele espaço que me serviu de abrigo durante muito tempo ser ocupado hoje pelo clube que sempre foi a extensão da minha casa e ajuda a formar atletas para o meu Vasco. Pena que a saúde já não me deixe acompanhar o time, como antigamente, mas tenho certeza de que os corações vascaínos se multiplicarão cada vez mais, com a conquista das muitas glórias que caracterizam o nosso Vasco”.

Vascaínos, o Ramalho chorou de emoção, vibrou com o novo Vasco, que nada mais é do que a tradição que se moderniza, que lança a oportunidade de o torcedor se transformar em sócio proprietário, com uma mensalidade módica que lhe voltará em descontos na afinidade dos cartões do soumaisvascão em vários estabelecimentos comerciais e que lhe dará direito também a uma camisa oficial e à inscrição do nome na Calçada da Fama de São Januário.

São facilidades que ainda não existiam à época em que, democraticamente, Ramalho deixou a arquibancada e tocou pela primeira (e talvez única) vez da Tribuna de São Januário: naquele tempo, mesmo como chefe da Torcida Organizada do Vasco, ele comprava ingresso em todos os jogos e os títulos de sócio proprietário eram pagos à vista. Os tempos mudaram, mas o Vasco continua em evolução: o grande Cyro Aranha chamou o primeiro torcedor de arquibancada para a Tribuna de Honra; hoje, a diretoria conclama os torcedores vascaínos de todo o Brasil a se transformarem em sócios proprietários.

Esta é a democracia que os outros não conseguem entender. E não entendem porque não são vascaínos. Como o Ramalho, o iluminado até no nome: tem Espírito Santo e tem Domingos, que em inglês (Sundays) significam dias de sol.

Volte sempre, clarim Ramalho. São Januário é a sua casa. Como é a casa de todos os vascaínos!


Ramalho e seu neto, com Eurico ao centro


Fonte: Site Oficial do Vasco (texto: Ubiratan Solino)



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