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Netvasco - 10/04 - 03:53 - As razões para Felipão deixar Romário de fora

Maturada na cabeça de Luiz Felipe Scolari nos últimos sete meses, a decisão de não levar Romário à Copa do Mundo foi sacramentada quando o atacante do Vasco pôs em dúvida a honestidade do treinador da seleção.

Em outubro do ano passado, Romário era o destaque do Vasco e caminhava para ser o artilheiro do Campeonato Brasileiro, mas não era chamado para os jogos da seleção nas eliminatórias.

Irado, e sem o resguardo diplomático que depois veio a adotar, o atacante afrontou Scolari. Em uma entrevista à "IstoÉ", disse que empresários e padrinhos ditavam as convocações da seleção.

"O que me convoca é o que eu faço. Amanhã poderei falar para o Romarinho: teu pai foi para a seleção porque era f..., e não por causa de amizade. Porque tem um monte aí que tem amigos, padrinhos, empresários", afirmou.

Questionado se havia mesmo jogador apadrinhado na seleção, não vacilou: "Claro que sim. Eu conheço, e um monte. Que jogam e jogaram. Mas a ética me impede de dizer o nome".

Foi a gota d'água para o treinador, que já supunha ter motivos suficientes para colocar Romário na geladeira, riscá-lo de vez de seu caderninho da Copa-2002.

Mais tarde, alertado por amigos das consequências que a sua acusação poderia trazer, o atacante tentou consertá-la, após vitória de 3 a 2 do Vasco sobre o São Paulo em janeiro, acompanhada por Scolari no estádio do Morumbi.

"Eu disse que durante muito tempo as convocações aconteciam assim, por meio de padrinhos e empresários. E eu sei disso porque sempre pertenci à seleção. Agora, com o Felipão no comando, eu sei que isso não acontece mais", disse Romário, que marcara dois gols naquela tarde.

Mas já não havia o que fazer. Na cabeça de Scolari, o artilheiro vascaíno resolvera desafiá-lo meses antes porque apostava em sua queda. As sofríveis apresentações da seleção nos primeiros jogos da gestão do treinador gaúcho, aliadas à pressão popular por Romário, eram a base em que o jogador se sustentava para confiar que o técnico seria demitido rapidamente como seu antecessor, Leão.

Pelo menos era essa a certeza de Scolari. "Apostou no cavalo errado", pensou o técnico quando teve convicção de que o seu lugar na Copa estava garantido, após a vitória sobre a Venezuela. E repetia para si mesmo a frase, uma espécie de bordão seu, toda vez que o fantasma de Romário voltava a assombrar a seleção.

A declaração sobre os critérios de convocação no time brasileiro foi a pá de cal na pretensão de Romário em ir à Copa, mas sua situação começou a se complicar bem antes, num Boeing-737 da Varig, que conduziu a seleção a Montevidéu para jogo contra o Uruguai pelas eliminatórias.

Nas últimas fileiras da aeronave, fretada pela CBF, o centroavante conheceu a aeromoça. Conversaram sozinhos durante minutos e depois voltaram a se encontrar no barzinho do lobby do luxuoso hotel Sheraton, em Punta Carretas, área nobre de Montevidéu.

A seleção chegou num sábado, véspera do jogo, e o hotel era uma algazarra só, com empresários de futebol e convidados da AmBev misturados sem cerimônia a jogadores e jornalistas.

Scolari já não gostou da recusa de Romário em participar da entrevista concedida por todos os outros atletas num salão do hotel, mas engoliu sua desculpa, de que já havia falado bastante em Teresópolis durante a preparação.

Ressabiado, o técnico recomendou que os atletas evitassem ir ao lobby, principalmente à noite.

Pois foi à noite que Romário e a aeromoça bateram um longo papo às vistas de todos -mas cuidaram de falar bem baixinho. Ele, de shorts e camiseta. Ela, de jeans justíssimo e camiseta.

Ninguém mais viu Romário.

No dia da partida, antes da preleção de Scolari no hotel -que, como todas, dura 40 minutos e trata de tática e motivação-, Romário chamou o técnico, disse que não estava em boas condições físicas e pediu para ser poupado em pelo menos parte do jogo.

Scolari consultou preparador físico e médico da seleção, que disseram que o goleador treinara bem toda a semana e não tinha problemas. O pedido foi negado, e o saldo negativo do atacante, aumentado. Mais ainda porque Romário, só de pirraça mantido em campo nos 90 minutos na derrota por 1 a 0 para os uruguaios, teve atuação apagadíssima naquela tarde/noite no Centenário.

O buraco aumentou quando veio a Copa América, em julho. A guerra civil na Colômbia apavorou vários atletas. Coincidência ou não, Romário pediu a Scolari para não ir ao torneio, pois precisava fazer uma cirurgia nos olhos.

Não fez, e ainda foi com o Vasco para uma excursão no México no período da Copa América. Mas não deixou de provocar Scolari: "Se ele está irritado, certamente não é comigo. Não estou descumprindo nada. Falei para ele do meu problema no olho, mas não marquei a data da cirurgia".

O Brasil foi eliminado por Honduras da Copa América. Scolari se enfraquecia. Romário ficava cada vez mais forte. As vitórias sobre Paraguai, em Porto Alegre, e Chile, em Curitiba, nas eliminatórias, não bastaram para aliviar a pressão sobre o técnico, pois a elas se seguiram derrotas para Argentina e Bolívia, respectivamente.

Foi quando a comissão técnica entrou em cena. Numa conversa em Teresópolis antes do jogo contra a Venezuela, o administrador Mauro Félix e o coordenador Antônio Lopes sugeriram a Scolari a convocação de Romário. O treinador, para não entrar em atrito com profissionais impostos pela CBF, disse que estudaria, mas já resolvera não chamar o atacante.

Apesar da resistência de vários jogadores a Romário, principalmente Roberto Carlos e Emerson, não houve pacto entre o grupo e Scolari para excluí-lo do Mundial.

Numa fase crítica das eliminatórias, após a derrota por 3 a 0 para o Chile, quando o time era treinado por Luxemburgo, alguns atletas, encabeçados por Rivaldo, chegaram a pedir ao técnico a convocação de Romário -que foi chamado no jogo seguinte.

A sugestão de Félix pesou contra ele mesmo, que, por essa e outras razões, foi demitido em fevereiro -mês em que Ricardo Teixeira se reuniu com Romário e pediu a Scolari que chamasse o atleta. O técnico de novo ignorou.

A menos que haja uma intervenção da CBF na comissão técnica, o que parece a essa altura impossível, Romário não vai à Copa.

Nem as desculpas públicas da semana passada adiantaram. Na convocação de ontem, o treinador comentou o ato: "Ele mostrou mais uma vez a sua vontade de ir à Copa do Mundo. Mas a vontade não é única do Romário. É também de todos que estão fora. Quero dizer ao público que aqui tem um técnico, que tem uma linha de raciocínio e de trabalho e que vai fazer de acordo com o que ele achar melhor para o Brasil".

E Scolari acha melhor para o Brasil Romário fora do Mundial.

Fonte: Folha de São Paulo




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