A convite do Carlos Cereto, participei do Acabou a Brincadeira na quarta-feira e defendi uma opinião impopular, a de que o futebol brasileiro não tem mais 13 grandes clubes. Enquanto argumentei que teremos no máximo cinco, o apresentador bancou que temos mais do que dez, mais do que vinte, até mais do que trinta!
Se você assistiu ao programa, sabe que esta é a pegada. Antagonismo, debate dinâmico, sem tempo demasiado para elaborar ideias, e interação constante com as redes sociais. Não era difícil prever que muitos se chateariam com a minha tese, fui consciente disso, e venho sendo xingado desde então. Está tudo bem. Não estou aqui para me retratar, nem para acirrar ânimos já exaltados. Só queria dizer, por escrito, por que precisamos falar sobre a grandeza do seu clube.
Meu critério para grandeza é competitividade. Na verdade o único. Grande é o clube que entra para ganhar as competições que disputa, embora passe por más fases de tempos em tempos e isso não acabe imediatamente com o status. Leva tempo. A competição é o objetivo primordial de qualquer associação esportiva, o começo e o fim. Na busca pela competitividade, existem meios. E no futebol profissional, da maneira como ele se organizou ao longo das décadas, esses meios passam por tamanho de torcida e dinheiro disponível para investimento.
Ídolos do passado, títulos históricos e camisas icônicas são importantíssimos para formar tradição, mas nem sempre tradição corresponde a grandeza. Este é o meu critério. Você pode ter outro.
No futebol como ele é atualmente, está em andamento um processo de concentração de riqueza nos clubes mais populares. Isso é razoavelmente recente no mundo inteiro, tendo acontecido dos anos 1990 para cá por causa de mudanças estruturais, como a entrada da televisão no negócio, a globalização do mercado, a chegada dos grandes patrocinadores. Hoje, quem tem mais torcida, tem melhores argumentos para negociar direitos de transmissão e patrocínios, e tem maior potencial de encher estádio e vender carnê de associação.
O efeito da concentração de riqueza é o engrandecimento de uns, o apequenamento de outros. O clube mais popular consegue mais dinheiro, usa essa grana para contratar melhores jogadores, esses atletas aumentam a chance de vitórias, e os títulos facilitam a formação de novos torcedores. Este é um ciclo virtuoso que gira muito rápido para alguns, mas não para todos. Muitos clubes não conseguiram se adaptar.
A desigualdade financeira, principal razão da mudança na ordem de grandeza do futebol, não tem ocorrido apenas no Brasil. Perceba no gráfico acima como a diferença nas arrecadações de Manchester United, Newcastle e Everton aumentou brutalmente com o futebol moderno. Esses clubes tinham desempenho esportivo considerável ainda nos anos 1980 e 1990, mas deixaram de disputar títulos na Inglaterra desde que foram deixados para trás por um adversário global, rico e popular.
Fica mais fácil quando falamos sobre futebol estrangeiro, uma vez que o fator emocional geralmente fica de fora. Quais são os grandes do futebol italiano? Juventus, Inter de Milão, Milan e Roma. A Torino foi soberana no campeonato nacional na década de 1940, tem enorme tradição, mas você provavelmente não lembrou dela. O Genoa está entre os maiores detentores de títulos nacionais até hoje, nove no total, embora tenha conquistado seu último Campeonato Italiano lá em 1924.
Pense em quantos europeus eram famosos nos anos 1990 e hoje ninguém dá bola. Na Espanha, temos exemplos de Valencia, Bétis e Deportivo La Coruña. Na Inglaterra, ainda temos casos de Aston Villa, West Ham e Blackburn. Todos eram grandes regionalmente e tinham dinheiro suficiente para competir em alto nível, na primeira divisão, enquanto a desigualdade financeira ainda não tinha disparado. Hoje a Europa discute se, em vez de campeonatos nacionais, não é melhor haver uma Liga dos Campeões apenas com os grandes de cada país.
Isso está acontecendo no futebol brasileiro. Na verdade, já aconteceu. A Portuguesa perdeu seu status de grande clube paulista, pois afundou-se em dívidas e não conseguiu mais se manter nem mesmo na disputa por títulos regionais. Bangu e América-RJ eram tidos grandes do futebol carioca nos anos 1950. O América-MG foi por muito tempo o primeiro adversário do Atlético-MG em Belo Horizonte, até que, nos anos 1960, a brilhante equipe encabeçada por Tostão e a inauguração do Mineirão mudaram a ordem de grandeza regional. Grandeza não é imutável.
O único motivo para a perseguição contra este jornalista que vos escreve, desde o Acabou a Brincadeira, foi que a barra subiu. Da mesma maneira que o futebol europeu entende que existem poucos grandes clubes continentais, há poucos grandes brasileiros nacionais. A origem desta interpretação está no tamanho das torcidas, seguido pela facilidade com que dirigentes têm convertido as massas em capital para investir em futebol, finalizado pela capacidade de competição em alto nível. Se até ontem imaginávamos que o Brasil tinha 12 ou 13 grandes clubes, essa ordenação está em constante estado de revisão.
Repare agora, no gráfico acima, como o mesmo fenômeno visto no futebol inglês tem se repetido no carioca. A diferença é que ele começou depois. Enquanto o Flamengo manteve pequena distância entre Botafogo, Fluminense e Vasco até 2012, a partir de 2013 o espaço entre as linhas foi ficando maior. Até chegar ao ponto em que a direção flamenguista projeta um orçamento de R$ 765 milhões em 2019, enquanto adversários têm um terço disso. A desigualdade só aumenta.
Todos nós sabemos muito bem o efeito desse fenômeno no futebol cotidiano. O Flamengo é o clube que, em todo início de temporada, faz investimentos para se reforçar com os melhores atletas disponíveis no mercado. Se eles correspondem à expectativa é outra história. Entra ano, sai ano, o único carioca que está no mercado se reforçando é o Flamengo. Botafogo, Fluminense e Vasco se valem de jogadores emprestados, ou com passe livre, ou retornados de aposentadoria. A repetição deste padrão pelos próximos dez anos é precisamente o que fará com que os três apequenem no futebol nacional, ainda que tenham Garrincha, Rivellino e Roberto Dinamite em suas histórias.
Por que digo que o futebol brasileiro terá apenas cinco grandes clubes? Flamengo, Corinthians, Palmeiras e São Paulo têm as condições mais vantajosas para seguir no topo. O carioca tem torcedores espalhados por todo o país e faz uso deles para arrecadar mais. Os paulistas estão sediados na capital mais rica e populosa do país, dona da segunda renda per capita, onde tudo se torna mais fácil. A captação de patrocínios, o incentivo para que o torcedor vá ao estádio, tudo o que faz com que torcida vire dinheiro, e dinheiro vire competição.
De tempos em tempos haverá algum grande regional, muito provavelmente de estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que fará frente aos nacionais no campo e na grana. Não há a menor dúvida de que hoje é o Grêmio. De que no começo desta década foram Cruzeiro e Atlético-MG. De que nos anos 2000 foi o Internacional. A dificuldade está nas circunstâncias sociodemográficas. Como têm menos torcedores e estão em mercados menores, esses clubes precisam ter gestões ainda mais eficazes do que às dos quatro para se manter no topo.
Não, eu não preciso pedir desculpas por dizer que a grandeza do seu clube está seriamente arriscada, isso se já não tiver sido desperdiçada. Em primeiro lugar, porque não há demérito em torcer para um clube de dimensões estaduais ou municipais. Nenhum desmerecimento. Em segundo, porque o movimento das placas tectônicas do futebol brasileiro não é causado por mim, um mero explicador do que ocorre.
O dirigente é responsável pelo presente do seu clube. É, também, a pessoa cujas ações e omissões definirá o tamanho dele no futuro. Sei que é desconfortável pensar na hipótese do apequenamento do seu time de futebol do coração. Sei também que há espaço para discordância em relação ao número de grandes. Talvez você acredite não em cinco, mas em sete, talvez nove. Discorde e critique à vontade. Se você terminar este texto com a impressão de que eu sou louco de comprar a briga, mas tenho alguma razão, e isso o fizer pensar sobre como a administração do seu clube o deixará em um futuro distante, fui bem sucedido no que me propus ao aceitar o convite do Cereto.
Fonte: Blog do Rodrigo Capelo - GloboEsporte.com