Em 1999, jogando pelo Bangu, Renato Gaúcho enfrentou o Vasco no fim de sua carreira de jogador
Segunda-feira, 21/01/2019 - 06:34
Dono de uma carreira vitoriosa, com passagens marcantes por Flamengo, Fluminense e Grêmio, onde conquistou títulos e ficou marcado como goleador, Renato Gaúcho estava parado havia mais de um ano, com uma lesão na panturrilha. O ano era 1999, quando o Bangu esperava cumprir aquela que considerava sua profecia: a conquista de Campeonato Estadual em anos múltiplos de 33. Foi assim em 1933, o do primeiro da era profissional, e do segundo, em 1966. Por isto, boa parte da torcida viu na chegada do astro um bom presságio.

Depois de mostrar sinais de que queria voltar aos gramados, Renato Gaúcho foi convidado pelo então diretor de futebol do Bangu, Bris Belga, com quem trabalhara anos antes no Fluminense. Na apresentação, atraiu quase cinco mil pessoas a Moça Bonita. Mas o sonho durou pouco. Renato jogou alguns amistosos de pré-temporada, no sul de Minas Gerais, e fez duas partidas pelo Campeonato Carioca. Em ambas, teve atuação discreta. Atuou apenas um tempo, contra Vasco e Flamengo.

Pesquisador do Bangu e ex-diretor de patrimônio do clube, o jornalista Carlos Molinari lembra a passagem do craque em fim de carreira pela equipe da Zona Oeste.

- Foi contratado por R$ 5 mil mensais, na época. O Loco Abreu, trazido em 2017, ganhava R$ 85 mil. Renato tinha problemas com o peso, estava fora de forma, porque vivia comendo na Porcão. Na pré-temporada, em Minas, chegava sempre de helicóptero aos jogos e virava assunto. A presença dele fez aumentar as quotas de amistosos do Bangu, que subiram de R$ 2 mil para R$ 8 mil. Aquele ano a camisa do Bangu foi um sucesso, tinha um desenho parecido com a do Ajax, da Holanda - afirma.

O investimento para uma boa campanha em 1999 era uma promessa que o então patrono do clube, o contraventor Castor de Andrade, morto dois anos antes, não sobreviveria para tentar realizá-la. O alvirrubro lançou a campanha "Em 1999, o Bangu vai entrar para ganhar". Bris Belga admite que, àquela altura, Renato não tinha mais condições de seguir a carreira de jogador de futebol.

- Ele insistiu, e eu o trouxe. Montamos um projeto para atrair visibilidade para o Bangu, foi um marketing muito bom, que custou pouco ao clube e deu muito retorno. Ele tem muito carisma, atraiu bem mais gente na apresentação do que o Loco Abreu. Eu ri muito quando vi o tamanho da festa para o Loco. A do Renato foi bem maior. Mas, fisicamente, não dava mais. Em 1996, no Fluminense, ele já sofria com dores na panturrilha. Além de desgastante, era muito doloroso para ele, e afetava a imagem de ídolo - explica Bris.

Molinari qualifica a contratação de Renato Gaúcho "propaganda enganosa". O jornalista lembra ainda que, dias antes, o novo contratado deu uma entrevista dizendo que chamaria seu amigo Maradona para a estreia, contra a seleção carioca, mas o ex-craque argentino não deu o ar da graça em Moça Bonita, na partida vencida pelos donos da casa por 2 a 1.

- Ele anunciou isto, mas nunca aconteceu e ele jamais foi cobrado - lembra.

PRIVILÉGIOS INCOMODAVAM TREINADOR

As dores na panturrilha, os 37 anos de idade e o esquema montado para sua contratação deram a Renato Gaúcho um tratamento especial em Moça Bonita. Na edição de 29 de janeiro de 1999, O GLOBO trazia a matéria "Moça Bonita se enfeita por Renato Gaúcho", com o subtítulo "Craque pretende chegar de helicóptero a Moça Bonita". O texto dizia ainda que o jogador treinaria por conta própria, em uma academia na Barra da Tijuca, e só se juntava ao grupo nas vésperas dos jogos, para os coletivos. Esse tratamento gerou desgaste entre o treinador Alfredo Sampaio e o supervisor de futebol, Bris Belga. Sampaio nega ter sido contrário à contratação.

- Nunca fui contra. No ano anterior, 1998, fizemos uma excelente campanha, vencemos os grandes três vezes, com um ataque formado por André Biquinho, Edílson e João Rodrigo. O trio foi mantido e, com a chegada de um jogador do porte do Renato, acreditava que poderíamos fazer uma campanha ainda melhor. A contratação dele foi importante para o clube e deu muito retorno de mídia. Eu queria contar com ele, o que me incomodava eram os privilégios dados pelo Bris Belga, que o tratava como amigo - afirma Sampaio.

Na edição do dia 14 de fevereiro, O GLOBO registrava a apresentação do jogador, com o título "Renato Gaúcho e o ano místico, as armas do Bangu contra a realidade", e a chamada "Depois de 33 anos, clube tenta repetir a façanha de ser campeão, mas é difícil".

Bris admite que os acordos com Renato Gaúcho eram diferentes, e que, algumas vezes, considerou a contratação uma batalha perdida ainda na pré-temporada.

- Na véspera de um amistoso, combinei que ele chegaria para almoçar com o elenco, e depois todos iríamos para o jogo. Ele não foi para o almoço e, quando faltavam 10 minutos para a partida, eu disse para o árbitro que poderia começar. Aí começamos a ouvir aquele barulho de helicóptero. Era ele, que desceu no campo e eu já mandei um roupeiro ir correndo levar o uniforme para ele - diverte-se.

O SALÁRIO ESQUECIDO

O supervisor lembra outra história divertida do irreverente atacante. No dia do pagamento, recebeu o dinheiro dentro de um envelope pardo e o guardou no carro. Duas semanas depois, Bris pegou uma carona com o astro da equipe e se surpreendeu ao ver o envelope no mesmo lugar.

- Falei para ele: olha o seu envelope com o salário aqui! E ele respondeu: 'Ih, é mesmo. Esqueci de tirar daqui'. Era tão pouco para ele que esqueceu - conclui.

Renato Gaúcho jogou na derrota por 4 a 0 para o Vasco, na rodada de abertura, em São Januário, e na segunda, um 2 a 0 para o Flamengo. As duas atuações foram avaliadas de maneira semelhante pelas reportagens das partidas. Na primeira: "Fora de forma, Renato Gaúcho lutou, mas não incomodou e perdeu um gol. Todo o time é esforçado e limitado". Contra o cruzmaltino: "Os destaques da partida foram o goleiro Alex e o apoiador Marcão. Renato só jogou um tempo e, visivelmente fora de forma, não foi bem. No mais, a equipe mostrou só espírito de luta".

Com três vitórias, oito empates e sete derrotas, o Bangu se despediu cedo do sonho do terceiro título estadual, amargando um modesto oitavo lugar, entre 10 equipes.



Fonte: Blog Deu Zebra - O Globo Online