Marcas dos pés de Barbosa, Ademir, Danilo Alvim, Ipojucan, Pinga e Bellini sumiram da Calçada da Fama do Maracanã
Sábado, 22/12/2018 - 18:35
Em 2000, quando o Maracanã fez 50 anos, foi inaugurada a calçada da fama. Em 2010, o acervo de pegadas de craques chegou a 100 peças, mais a da única mulher a colocar seus pés na calçada, Marta, em 2007 . Hoje parte dessa coleção de relíquias está exposta em um tour no estádio - 28 placas com pegadas. Mas dezenas de homenagens estão perdidas E algumas danificadas. A Secretaria de Estado de Esporte, Lazer e Juventude (SEELJE), antiga Suderj, não sabe dizer onde estão. Não há um inventário, somente um "levantamento preliminar". Uma situação que para o senador Romário, cuja placa está listada como danificada, "parece até piada".

Recentemente, Marta topou refazer suas pegadas, que estavam na relação dos itens desaparecidos. Outras pegadas, porém, não poderão ser recuperadas se de fato não forem encontradas, como as de Nilton Santos, Sócrates, e Bellini, alguns dos que já faleceram. A reportagem do GloboEsporte.com solicitou à SEELJE o envio da lista de inventário das peças que estavam sob seus cuidados. O mesmo foi feito em relação à concessionária que administra o Maracanã desde 2013, quando parte do acervo foi repassada.A Secretaria, chefiada atualmente por Rodrigo Vizeu, negou qualquer entrevista ou acesso ao local onde armazena o acervo.

Nilton Santos já não pode falar a respeito do sumiço das suas pegadas, mas tem um ex-companheiro para defendê-lo, Zagallo:

- Deu tanto trabalho pra pegar os pés de cada um... Vem uma obra e destroi tudo? Nao é por que a minha está lá... Mas a do Nilton Santos é um nome que tem que ser respeitado, e infelizmente não foi. É um absurdo - reclamou o Velho Lobo.

O primeiro contato com a SEELJE foi feito no dia 13 de dezembro. Explicada a situação, a reportagem solicitou uma lista com todos os itens que estão atualmente sob OS cuidados da Secretaria e outra com tudo o que foI entregue à concessionária desde 2013 até o presente momento. A Secretaria pediu prazo até segunda-feira, dia 17, para que fosse enviada a lista, alegando que estava sendo feita. No dia combinado, foi recebido um email com as duas listas, repletas de equívocos, como placas expostas no tour do Maracanã na relação dos itens sob cuidados da SEELJE, como as pegadas de Edmundo, por exemplo.

A nota enviada na segunda-feira foi apresentada como um "levantamento preliminar" que teria começado a ser feito em junho. Cinco meses para um levantamento preliminar de algumas dezenas de itens? E o texto avisava, em negrito: "a ausência de nomes ou objetos não significa que não constam no patrimônio". Constavam apenas 21 placas com pegadas sob cuidados da concessionária. A reportagem novamente entrou em contato por telefone com a secretaria através da assessoria, informou que havia erros, e questionou se aquela seria a posição do órgão. No dia seguinte, uma outra nota foi enviada. Sem o aviso e com as 28 placas que estão com a concessionária corretamente relacionadas, e outras 41 sob cuidado da SEELJE.

A Secretaria também sugeriu que fosse procurada a gestão da Suderj no período da transição para a administração da concessionária. André Lazaroni estava à frente do órgão na época, e também preferiu se pronunciar por nota. Devolveu o problema.

Diz o texto: "O deputado André Lazaroni afirma que a Suderj foi alijada do processo de transição do Maracanã, que, na época, ficou centralizado na Casa Civil, e que não se recorda de ter participado da entrega do acervo do estádio. Caso haja quaisquer documentos que digam respeito a esse processo no âmbito da Suderj, os mesmos devem ser solicitados à atual gestão da Superintendência".

Esses são os homenageados que não aparecem em nenhuma das listas: Ademir Menezes, Almir Pernambuquinho, Barbosa, Bellini, Castilho, Cláudio Adão, Coutinho, Danilo Alvin, Dequinha, Dirceu Lopes, Geovani, Ipojucan, Julinho, Leandro, Luisinho Lemos, Manga, Marta, Nilton Santos, Pampolini, Pepe, Pinga, Quarentinha, Roberto Miranda, Rubens, Samarone, Sócrates, Tostão, Waldo, Zinho, Zizinho e Zózimo. Não existe até o momento nenhuma explicação para o desaparecimento das placas desses 31 jogadores.

Entre as alegações de dificuldades por conta do período de transição, a nota oficial, encaminhada junto com as listas, foi esta: "O acervo do Maracanã é uma atribuição da Suderj. Durante as obras do estádio visando a Copa do Mundo de 2014, houve transferência desse material para o Maracanãzinho, onde ainda encontra-se acondicionado para ser catalogado. Por conta da crise econômica que atingiu os estados da federação, o levantamento preliminar começou a ser realizado em junho deste ano. Nesse levantamento preliminar, pode-se constar que até o momento o patrimônio é composto de 41 placas de pés de ex-jogadores. Além delas, estão cedidas à concessionária outras 28 placas, também com pés de ex-jogadores, e 47 outros itens, entre bustos, bolas e camisas".

Enquanto a Secretaria negou entrevistas e acesso para imagens ao local onde está o acervo, a empresa mostrou inventários feitos por pessoal especializado, além de uma relação carimbada de tudo o que foi recebido da Suderj.

Houve também outros pedidos posteriores. Um deles foi feito no dia 7 de agosto de 2017. A empresa solicitou que fosse agendada, para o dia 14, a retirada de 33 itens do acervo. As pegadas de Bellini, Belete, Dida, Didi, Jairzinho, Nilton Santos, Pepe, Renato Gaúcho, Romário, Telê Santana, Tostão, Zico, Zizinho, Dunga, Andrade, Edu Antunes, Jorginho, Leão, Félix, Raul, Ronaldo, Tito, Zinho, Kaká, Sócrates, Joel Santana, Marta, Petkovic, Ghiggia, Eusébio, Elias Figueroa, Romerito e Franz Beckenbauer. Somente 18 foram entregues.

Parte da lista não foi encontrada. Bellini, Nilton Santos, Zizinho e outros não têm suas pegadas expostas. E não se sabe onde estão guardadas, ou se estão de fato ainda guardadas. Outras da lista, como as placas de Kaká, Romário e Renato Gaúcho, também não foram entregues, por estarem danificadas. Zito também integra a lista dos que tiveram parte da placa quebrada na remoção.

As pegadas de Marta também não apareceram. E foi justamente o gesto do maior nome do futebol feminino em topar refazer as pegadas que chamaram atenção para o descaso com o acervo. Romário qualificou a situação como "deprimente":

- Olha, é uma situação triste e complicada e chega a ser até deprimente. A Marta pelo o que ela representa para o futebol mundial e especificamente para o futebol brasileiro, já ter feito suas pegadas e depois tornar a faze-las de novo é uma prova de que as pessoas que tem que ter responsabilidade com determinadas coisas infelizmente não tem. Isso é mais ou menos a prova do esporte, do futebol em si, que a gente vive nesse momento no país.

Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, o presidente da concessionária, Mauro Darzé, questionado sobre o acervo, mostrou catálogos carimbados pela Secretaria com tudo o que foi recebido. A empresa afirma que todo o material que está sob seus cuidados está exposto no tour.

- Todas as peças que efetivamente recebemos, disponibilizamos para o público. E ao longo desse tempo, fomos percebendo que algumas peças... Ninguém diz o que aconteceu com elas. A gente trabalha para não somente preservar as peças que formalmente recebemos, mas aumentar o aceRvo do museu.

A iniciativa de refazer as pegadas de Marta, segundo Darzé, é uma ação nesse sentido de aumentar o acervo:

- Essa é uma ação pró-ativa que o Maracanã pode e deve fazer. Todas as peças que recebemos fazemos ações técnicas para preservar, replicar peças como foi feito na do Pelé, por exemplo. E a ação com novos jogadores, novos atletas, o Júlio César recentemente, do Flamengo, a Marta, a gente não fica preso ao que não consegue.

E, como sugestão para o próximo governo do Estado que assume em janeiro, além de se procurar melhor as dezenas de pegadas desaparecidas, para enriquecer a experiência de quem visita o Maracanã, algumas providências não precisam de um trabalho muito árduo. Basta abrir a sala da Suderj no Maracanãzinho, retirar as 41 pegadas que estão na lista, e fazer o trajeto de poucas centenas de metros até o Maracanã. Tal providência mais do que dobraria o acervo da exposição hoje existente. É pedir muito?



Fonte: GloboEsporte.com