Donizete revela frustração por ter ficado fora da Copa do Mundo de 1998: 'Fui considerado o melhor jogador pela Libertadores'
Não há estatísticas nem pesquisas a esse respeito, mas basta uma breve observação para perceber: a maioria dos brasileiros do mundo do futebol mora na Barra. De jogadores a técnicos, esse cantinho da Zona Oeste se tornou o lar oficial de um timaço. A justificativa é simples: a região tem espaço de sobra, dentro e fora de casa, seja para se promover festas, seja para se passear com mais sossego. Aproveitando o clima de Copa do Mundo, O GLOBO-Barra foi à casa de três profissionais do esporte saber como eles estão se preparando para o Mundial e quais são suas expectativas para os jogos. Se Renato Abreu, que já vestiu a camisa número 8 da seleção brasileira, está animado e vai realizar os já tradicionais churrascos em sua varanda, Jayme de Almeida, ex-técnico do Flamengo, ainda não está tão empolgado assim, e nem camisa verde-amarela tem (deu a única que tinha para o neto). Já Donizete, o Pantera Negra, assistírá ao primeiro jogo aqui, passará cinco dias nos Estados Unidos e depois voltará para, se tudo der certo, comemorar o título em casa. E todos garantem: estão confiantes e vão torcer muito pelo hexacampeonato.
Na parede da sala de Renato Abreu está instalado um telão que a cobre praticamente por inteiro. Basta uma configuração no controle remoto e o som cinematográfico se expande, chegando também à varanda. De tão potente que o sistema é, quando Galvão Bueno gritar gol, vai dar a impressão de que ele está ali, do lado de Renato Abreu e de seus amigos, comendo picanha, tomando cerveja e narrando o jogo de dentro apartamento no Península. O ex-jogador do Flamengo e da seleção adora ter pessoas queridas ao seu redor. Se ele já gosta de convidar parentes e amigos para um crepe ou um fondue quando não tem jogo, imagina no próximo domingo, quando o Brasil enfrentar a Suíça na Rússia, às 15h? Vai ter festa, com carne boa e bebida gelada.
Morador da Barra há 13 anos, Abreu, casado e pai de três meninas, é caseiro e, exatamente por isso, sempre se esmerou em ser um bom anfitrião. Ele lembra que no dia do fatídico 7x1 seu apartamento estava cheio, e, a cada gol que a seleção tomava, seus convidados iam murchando, e o som, baixando. Era muito sofrimento. Agora, não. Ele está animado e é um defensor das escolhas de Tite. Acredita que o técnico montou o melhor time que poderia, bem compacto e coerente com o trabalho que vinha fazendo desde que assumiu a seleção.
— O time tem identidade e foi montado por um treinador que vem disputando entre os melhores do mundo. Hoje a seleção está muito mais fechada, entrosada, do que na época em que ele não era o técnico. Estou bem confiante — resume Abreu.
Ele não gosta de assistir aos jogos no estádio: "É muita bagunça". Quando a Copa foi no Brasil, até recebeu convites, mas recusou. Sente-se muito mal quando a plateia começa a xingar seus companheiros de trabalho em campo. Em casa, fica mais à vontade, e tem a companhia da mulher e também das três filhas, que se divertem com ele e disputam o seu colo. Nos dias em que as partidas forem à tarde, o churrasco está garantido. Já quando forem realizadas às 9h, a ideia é preparar um café da manhã apenas para os parentes. Dorminhoco, assim como as meninas, Abreu prevê:
— Só vou acordar na hora do jogo, e aí vai ser uma coisa mais íntima, para os mais próximos. Também é possível que eu vá a São Paulo (sua cidade natal) mais para frente, assistir a uma partida com a minha família.
Donizete, que também já defendeu a seleção, entre os anos de 1995 e 2000, embora não tenha sido convocado para o Mundial de 1998, tem ideias parecidas com as de Abreu. Quando as partidas forem na parte da manhã, vai fazer pipoca e assistir aos jogos em família: sua filha mais nova, Giully, adora futebol. Ele ainda não decidiu, entretanto, o que fará na estreia do Brasil. Recebeu um convite de um compadre, mas pensa seriamente em convocá-lo para sua grande área de lazer, em um condomínio na Avenida das Américas, que, claro, tem piscina e churrasqueira.
— Cheguei aqui na Barra em 1989, porque entrei no Botafogo e, naquela época, a equipe se concentrava num hotel na Abelardo Bueno. Depois me casei e comprei essa casa. Sou mineiro, acostumado com liberdade, e a Barra me dá isso. Gosto de respirar, de ter espaço, e na Zona Sul é tudo muito travado. Sempre gostei de fazer festa aqui, é a base dos encontros com parentes e amigos — conta ele.
O Pantera Negra nunca viu um jogo do Brasil no estádio: prefere a tranquilidade do lar. Mas relembra como era "formidável" entrar em campo com a camisa verde-amarela, a adrenalina a mil. Há alguns anos, sempre durante a Copa, ele é convidado para eventos beneficentes, nos quais, além de mostrar sua velocidade e seu bom futebol, faz palestras sobre a carreira e o esporte. É exatamente para isso que viajará, no dia 20, a Boston, retornando no dia 25.
O hiato em pleno campeonato não o incomoda: estará torcendo pelo escrete canarinho em qualquer lugar. Ficou satisfeito com o time montado por Tite e acredita que o ataque tem alguns dos melhores jogadores de mundo, mas frisa que seria importante convocar mais atletas que vêm fazendo história dentro do país. Exemplos: Ricardo Oliveira, centroavante do Atlético-MG, Lucas Paquetá, do Flamengo, que Donizete considera a grande revelação do Campeonato Brasileiro e um "jovem guerreiro muito interessante para a seleção"; e o craque do Grêmio, Luã.
ENTRE O PASSADO E O FUTURO
O papo sobre a convocação faz Donizete se lembrar que passou pela mesma situação em 1998, quando se apostava que ele seria convocado por Zagallo, que acabou preferindo Emerson. Ele conta que aquele foi um grande baque em sua carreira e contribuiu para a posterior queda do seu rendimento.
— Fiquei muito triste. O sonho de qualquer atleta é jogar pela seleção. Fui considerado o melhor jogador pela Libertadores, quando fui campeão pelo Vasco. Existe uma frustração. Depois, até eu reagir, custou muito. E isso, alguns anos depois, me levou a encerrar a carreira. Já tinha conquistado tudo o que podia e sabia que, pela minha idade (tinha 28 na época), não seria convocado para a Copa seguinte — recorda.
Jayme de Almeida, ex-técnico do Flamengo, acredita que o Brasil tem grandes chances de ser campeão este ano. Embora tenha gostado da escalação feita por Tite, ele também lamenta a falta de jogadores que atuam no país. Para Jayme, o fato de a maioria dos atletas convocados jogarem na Europa — o que já vem acontecendo há algumas Copas — criou um distanciamento dos torcedores. Isso, na opinião dele, faz com que os brasileiros não fiquem mais tão eufóricos com os jogos.
— O Tite montou uma boa equipe, que não teve contestação, com uma defesa firme e um ataque perigoso e criativo. Mas lamento que os melhores jogadores migrem para a Europa e a seleção vá se afastando do país. As pessoas não torcem por eles aqui, não veem os jogos deles. E o nosso futebol vai ficando mais pobre. O Pelé jogava muito no Maracanã, todo mundo via, era emocionante. Ao longo dos anos em que fiquei no Flamengo, eu me impressionava porque ouvia poucas conversas de jogadores falando sobre chegar à seleção. O sonho deles era ir para a Europa — observa.
Ele recorda, saudoso, como as ruas ficavam bonitas pintadas com as cores do Brasil e que costumava se programar com muita antecedência para assistir aos jogos. Este ano, assim como em 2014, vai decidir na hora o que fazer. Sua vontade é ficar em seu apartamento, na Barra, com a família ou ir para a casa de algum amigo da região. Também não pretende comprar bandeirinhas para enfeitar o ambiente, tampouco se vestir de verde e amarelo. A última camisa do Brasil que teve deu de presente para o neto, que, hoje, aos 16 anos, não tem memória do pentacampeonato — era um bebê em 2002. Reservado e tranquilo, Jayme quer estar perto de pouca gente no domingo, dia do primeiro jogo. Nada de festão. Mas um tira-gosto e uma cervejinha não podem faltar.
— Continuo torcendo, claro, mas antes eu tinha uma ligação com a seleção muito maior. A convocação era um momento que parava o país. Apesar disso, acho que Brasil tem grandes chances de ser campeão — prevê.
Será que o treinador está certo?
Fonte: O Globo Online