Ex-Real Madrid e técnico do Irã na Copa 2018, português Carlos Queiroz lembra quase acerto com o Vasco em 2011
Domingo, 20/05/2018 - 23:28
Experiência é algo que não falta para Carlos Manuel Brito Leal Queiroz, 65 anos. O treinador da seleção do Irã na Copa do Mundo da Rússia tem em seu currículo experiências das mais diversas: desde treinar nomes renomados como Cristiano Ronaldo, Wayne Rooney, Ronaldo Fenômeno e Zidane, até comandar e conseguir êxitos com seleções mais modestas, como a sua atual e a África do Sul.

Queiroz é o único técnico do mundo a classificar diferentes seleções para quatro Mundiais: já são duas com a seleção iraniana (também levou o time à Copa-2014), uma com a portuguesa (2010) e outra com a sul-africana em 2002. Agora, no entanto, o desafio é muito grande: tentar classificar sua seleção para a segunda fase, em um grupo que tem as favoritas Espanha e Portugal, além da seleção de Marrocos.

O bom currículo de feitos difíceis no passado pode até servir de motivação para algo mais, mas jamais como realização plena. "É para mim motivo de orgulho e satisfação enormes, mas não um motivo de saciedade, não me sinto saciado com o fato de ter atingido essa marca (4 Copas por seleções diferentes). Pelo contrário, é algo que me dá ainda mais responsabilidade e vontade maior de fazer mais e melhor. Há pessoas que quando conseguem uma qualificação ou duas podem ter um instinto de saciedade pleno, comigo é o contrário, é quase um vazio no sentido em que tudo se torna mais desafiante, para fazer mais e melhor, à altura desses resultados", falou ao FOXSports.com.br.

Em entrevista exclusiva, Queiroz também lembrou que por pouco não foi técnico do Vasco. Em 2011, chegou a ser procurado pelo Cruz-maltino, entretanto, uma decisão extra-campo o impediu de acertar com o clube carioca, apesar do interesse. O treinador ainda não descartou, um dia, trabalhar efetivamente no país.

FOX Sports.com.br: Já vi você dizer que aceitar ser técnico do Irã, como desafio profissional, era oportunidade de deixar um legado. Que legado você acha que deixará tanto esportivamente como em relação a conduta, aprendizado e intercâmbio cultural?

Carlos Queiroz: O legado que deixo para trás não será apenas no plano técnico, mas também metodológico e estrutural, com alteração radical das formas e métodos de abordagem à seleção de jogadores e preparação da equipe nacional. Creio que haverá um antes e um depois e todos aqueles que virão a seguir poderão começar num ponto mais sólido, mais à frente, com uma equipe estruturada, com presente e futuro, com soluções testadas e trabalhadas para todas as posições. O legado pode traduzir-se que nos próximos 6 a 8 anos e a equipe está praticamente formada. Para mim a experiência no Irã foi de um enorme enriquecimento pessoal, feito todos os dias nas dificuldades acrescidas, nos desafios para encontrar novas abordagens e soluções, reinventando um caminho para fazer a seleção e os jogadores progredirem e serem melhores, que é afinal a nossa responsabilidade enquanto treinadores: fazê-los melhores.

Acha que o futebol (e você como participante) ajudaram a mostrar para o mundo uma imagem mais verdadeira, real e humana do Irã? O nome do país é sempre dito pelas questões diplomáticas...

A imagem do futebol da seleção do Irã ajuda a mostrar uma imagem real e próxima daquilo que é verdadeiramente o povo do Irã, as suas pessoas, a sua forma de estar e a sua forma de se relacionar com o mundo, que não é muito diferente de outros. As questões políticas são profundas e complexas, mas nem por isso representativas daquilo que o futebol e outras atividades mostram. O futebol, sendo o jogo do povo, e sendo uma atividade em que os jogadores jogam para o povo e pelo povo, é também ele a imagem desse povo e dessa sociedade.

Qual é sua relação com o Tite e o Corinthians? Houve já uma conexão de trabalho em 2014 (o Irã ficou nas instalações do Corinthians na Copa). Como foi esse período e é a ligação até hoje?

A relação nasceu a partir de amigos e profissionais comuns que trabalharam no Corinthians e trabalharam comigo. A minha relação não é muito próxima, mas é uma relação de conhecimento e de acompanhamento do seu trabalho, do que são as suas equipes, sabendo ler nessas equipes e no seu futebol o homem que está por trás desse trabalho. Quando Tite chegou à Seleção Brasileira de imediato, criou impacto enorme e isso não me surpreendeu porque é o timbre do seu trabalho rigoroso, e de qualidade, que sempre apresentou nos clubes em que esteve no Brasil.

A estrutura que você viu no Corinthians é comparável à de grandes times da Europa?

Sim, absolutamente. No que me foi possível vivenciar, é um clube com uma tradição enorme e que faz dessa tradição a raiz fundamental da sua postura de sucesso. É um clube que pela massa de torcedores, tradição e valor, tem no DNA a garantia de futuro, de perpetuar no futebol brasileiro uma grandeza alicerçada na sua história e no seu passado.

Se pudesse escolher um só: ficaria com Messi ou Cristiano?

Os clubes que hoje podem contratar jogadores com o nível deles têm tanta capacidade financeira, que não forçariam um treinador a escolher entre um ou outro. Essa questão não se colocaria. Embora, devo dizer, sinta que não é muito saudável para a competição centrar os melhores gênios do futebol numa só equipe. Não é bom para o espetáculo.

Em sua passagem pelo Real Madrid, trabalhou com Ronaldo, o brasileiro. Durante toda a passagem dele pelo time espanhol, foi muito criticado pelo peso excessivo e pouco comprometimento. Me recordo que você chegou a defendê-lo dessas críticas. Acha que Ronaldo poderia se esforçar mais ou a cobrança era exagerada?

Antes de eu ter oportunidade de trabalhar diretamente com o Ronaldo, era por todos conhecido que seu apelido era Fenômeno. Depois de trabalhar com ele, descobri o porquê desse título. Realmente não há uma palavra tão simples e clara para o definir. Como sabe, trabalhei com ele numa fase mais no final de sua carreira, depois de infelizmente ter tido as lesões conhecidas. O Ronaldo requeria uma abordagem muito particular e cuidadosa, tendo atenção às condições e consequências dessas lesões. Nunca tive razões de caráter pessoal com ele, pelo contrário, todo o nosso relacionamento em Madri foi bom. Lembro que dominamos praticamente a temporada esportiva na Espanha, e se houve um momento negativo marcante da minha passagem pelo Real, esse momento é precisamente a lesão do Ronaldo, que o impediu de jogar algumas semanas. Foi nesse período que sentimos imensas dificuldades, a sua ausência limitou o nosso sucesso na Liga.

Como foi sua relação com Ronaldo e Roberto Carlos? Se diz que no período do Real Madrid eles exageravam na noite...

Tenho uma memória bem positiva e bem grata da contribuição e entrega do Ronaldo e do Roberto (Carlos) durante minha permanência no Real. O profissionalismo, espontaneidade, alegria, confiança e entrega foram sempre exemplares. Foram dois jogadores decisivos no seu contributo para um futebol de ataque, de entretenimento e fantástico, do agrado da esmagadora maioria dos adeptos. Quando iniciei a temporada e o Real sofreu uma debandada de jogadores fundamentais, como Makélélé, McManaman e Hierro, todos os meus colegas me diziam não ser possível fazer uma equipe só com Figo, Zidane, Beckham, Raúl, Ronaldo e Guti, mas julgo que mostramos que era possível montar uma estrutura capaz, competente e agressiva, quando todos dentro do campo sabem as suas funções e assumem as suas responsabilidades.

Você recebeu mesmo uma proposta do Vasco, em 2011, do então presidente Roberto Dinamite, para trabalhar no Brasil? Como foi isso?

Foi um convite que eu estava com muita vontade de aceitar, correspondia a um anseio e um sonho que sempre tive, de um dia treinar um clube no futebol brasileiro. Era um sonho da minha juventude de treinador, via chegar brasileiros ao futebol em Portugal e só conhecia a história de um português que tinha jogado no Brasil, o Fernando Peres. Portanto, pensava nessa possibilidade, e no que seria aplicar as minhas ideias de treino em jogadores que, durante uma partida, têm um índice técnico extraordinário. Naquele momento pensei ser a oportunidade, mas infelizmente razões extra-futebol não permitiram concretizar essa negociação, porque estava naquele momento envolvido num processo aguardando uma decisão do TAS – Tribunal Arbitral do Esporte. A decisão não tinha saído e não foi possível avançar e concretizar esse acordo.

Aceitaria uma oferta para trabalhar no Brasil um dia? Ou a impaciência dos clubes e rotatividade dos técnicos atrapalharia...

Esse é sempre um fator, é um risco, mas é também um desafio. Dependeria do projeto e das condições. É evidente que todos sabem que ser treinador no Brasil tem nuances específicas, mas a chave de um treinador é sempre a adaptação e estar à frente dos acontecimentos e das opções que há que tomar. Sim, porque não?

Que equipe brasileira mais te marcou e que se lembra de ter visto jogar?

A equipe da minha infância que mais me marcou foi a seleção do Brasil do Mundial de 70, essa equipe teve um grande impacto na minha vida e até na minha carreira esportiva. Alguns anos mais tarde tive a oportunidade de estar próximo da seleção do Brasil de 82, que treinou em Portugal, e a sorte de poder conhecer e me relacionar com os grandes ícones do futebol brasileiro que integravam essa equipe. Foi fascinante, foi um sonho, algo que me marcou muito também. Tive ainda o privilégio de conhecer Carlos Alberto Parreira durante a sua passagem pela Arábia Saudita e países árabes. Depois acompanhei em Los Gatos, de perto, a preparação de Parreira para o Mundial de 1994 - aprendi muito com esse grande senhor do futebol brasileiro.

Quais foram os 5 melhores brasileiros que viu jogar?

A história do futebol do Brasil é muito rica, tem muitas histórias. As minhas histórias são marcadas por Pelé e Ronaldo. Depois Rivaldo, Zico, Sócrates, Tostão, Jairzinho, Rivelino, o meu amigo Carlos Aberto... O futebol brasileiro tem mesmo muitas histórias. Falo ainda de um caso particular que destacarei sempre pela sua qualidade e profissionalismo, também ele brilhante, que tive o privilégio de treinar: Valdo.

Consegue montar um time de 1 a 11 com os que mais gostou de ver por posição?

Difícil... Então vamos lá. Na defesa o Carlos Alberto, Mozer e Ricardo Gomes, e o Roberto Carlos. Depois o Zico, Sócrates, Rivelino e Rivaldo. E o Pelé e o Ronaldo na frente. Falta o goleiro, certo? Essa equipe não precisa de goleiros, entra o meu amigo Aldair como líbero Ele toma conta disso lá atrás.



Fonte: Fox Sports