Na última segunda-feira, Anderson Vital da Silva, o Dedé, chorou.
Mas chorou de alegria.
Afinal, depois de três anos lutando contra lesões e incertezas, o zagueiro do Cruzeiro ouviu da boca do técnico Tite que está na pré-lista de 35 convocáveis para a Copa do Mundo de 2018. Uma vitória enorme para um atleta que, entre 2014 e 2017, conseguiu estar em campo em apenas 13 oportunidades, devido a lesões, que por pouco não comprometeram sua carreira.
"Na lista dos 35 tem atletas que nunca foram convocados, mas que estamos acompanhando. E vou falar um que merece: Dedé, do Cruzeiro, merece. Tu mereces por todo o trabalho que realizou de superar, me identifico com ele. Todos os problemas que passou, de ficar fora, de encontrar clube, uma família e voltar em alto nível", elogiou Tite, em sua coletiva na CBF, na última segunda.
Depois, Dedé concedeu entrevista e foi às lágrimas ao comentar a confiança de Tite. Mas foi um choro de desabafo, de felicidade. As palavras do técnico da seleção são a prova de todo o seu esforço para vencer as contusões e voltar a atuar em alto nível.
Essa, aliás, foi mais uma grande vitória do defensor de 29 anos, que teve que superar uma série de obstáculos desde a infância antes de se tornar "Mito" no Vasco e um jogador de nível de seleção brasileira.
Em papo com a ESPN, o fluminense de Volta Redonda, que deve estar em campo nesta quarta-feira pela "Raposa", contra o Atlético-PR, pela Copa do Brasil, às 21h45 (de Brasília), lembrou passagens marcantes de sua vida.
APELIDO, TRABALHO COM PASTEL E INÍCIO NA BOLA
O apelido de Dedé vem da infância, do meu irmão. Ele não conseguia falar Anderson quando era pequeno e falava 'Dedé'. Uma vez eu até encontrei o Dedé Santana no Barra Shopping, no Rio de Janeiro, e tiramos uma foto juntos (risos). Ele estava com um pouco de pressa e todo mundo queria falar com ele, mas ele parou, deu uma atenção e foi bem bacana. Não sei se ele me reconheceu, mas nessa época eu estava muito bem no Vasco, em 2011.
Eu sempre estudei duro e minha vida sempre foi cheia de desafios. Minha mãe sempre fazia pastel e outras coisas para vender e eu a ajudava de vez em quando com que precisava, mas não cheguei a trabalhar firme nisso. Comecei no futebol aos 12 anos. Eu jogava no núcleo do Botafogo em Volta Redonda com o Prof. Jorge, que me ensinou tudo. Ele era disciplinador e não aceitava cosas erradas. Ele foi muito importante naquele momento e carrego os ensinamentos dele até hoje para mim.
Um dia, porém, uma empresa comprou o campo e a escolinha fechou. Aí fui para o núcleo do Fluminense. Nessa época, eu também gostava de agarrar no gol. Nunca passou pela minha cabeça ser goleiro profissional, mas eu agarrava bem, viu? (risos). Até uns 10 anos eu agarrava bem, mas não pensava em ser profissional. Depois, eu parei de jogar no gol.
Nisso, fui para Xerém. Só que sempre fui muito próximo da minha mãe e tinha receio de sair de perto dela.Voltei para casa e fui ao Volta Redonda. Não fiquei nem uma semana no Fluminense e já quis voltar para casa. Aí entrei na base no "Voltaço".
Daí fui bem no Volta Redonda e fui indicado ao Flu de novo, emprestado pelo Volta. Joguei por sete meses no sub-20, com o Rafael e Fábio, os irmãos gêmeos, além de Fernando Bob, Digão... Nosso time era muito bom!
Só que fui mandado embora do Fluminense por alguns vacilos. Acontece que eu ia na maioria dos finais de semana para Volta Redonda ver minha mãe e chegava atrasado na segunda-feira. Por isso, fui mandado embora. No fim das contas, voltei ao Volta Redonda e assinei com eles meu primeiro contrato como profissional.
No "Voltaço", joguei com o Túlio Maravilha. Ele me dava carona direto! Era uma figuraça, muito engraçado. Brigava direto por "bicho" para a gente! Nessa época, me deu muita moral. Depois, joguei com Sérgio Manoel também. Em 2008, eu joguei o segundo turno todo do Carioca e fui muito bem. Dizem que recebi várias propostas, mas não me passaram nada.
Nisso, eu fui fazer um teste na Udinese, da Itália, em 2008. Era pra ficar 60 dias. Cheguei lá como um "Zé Ninguém", nem viram se eu tinha potencial ou não, não deu tempo. Só testaram a parte física, mesmo. Fiquei só uma semana e me mandaram embora. Voltei ao Brasil e chegou o Júnior Baiano ao Volta Redonda. Isso deu maior visibilidade ao time, em 2009. Pelo fato de jogar com ele, das semelhanças, e isso foi bom pra caramba. O Júnior me deu muita moral e jogamos muito bem juntos.
CHEGADA AO VASCO E TRANSFORMAÇÃO EM "MITO"
Na terceira partida daquele Carioca, eu recebi uma proposta do Flamengo. Ficou aquela movimentação, e depois no fim do Estadual também chegou o Vasco. São dois grandes times, mas estava pensando em qual clube eu poderia ter mais oportunidades, aí fui para o Vasco.
Foi difícil, pois o time estava vindo da Série B. Não joguei em 2009, só fui jogar em 2010, mesmo. Mas no final deu tudo deu certo. Eu não desisto de nada e até hoje faço de tudo para estar bem em campo.
A torcida do Vasco me abraçou de uma forma incrível, recebo muito carinho até hoje. Eles viram meu esforço dentro de campo. Eu cheguei com desconfiança, as pessoas me julgavam e diziam que eu era ruim sem nem saber do meu futebol. Todo jogador merece uma chance de mostrar seu jogo. Se não dá certo a primeira, tem que ter uma segunda chance. Foi isso que aconteceu comigo.
Tive sorte de ter trabalhado com o Gaúcho. Quando eu não conseguia treinar, eu ia para os juniores treinar contra os reservas do Vasco. O treinador me escalava e eu treinava muito bem. Nisso, entrou o Gaúcho, veio a Copa do Brasil e veio uma chance como titular. Ele teve confiança e me colocou. Daí para frente, foram só bons jogos.
Eu via alguns vídeos meus no começo e a evolução de 2010 para 2011 foi grande. Eu era mais "zagueiro-zagueiro" e ganhei mais técnica trabalhando com Felipe e Diego Souza, caras de muita qualidade. O Felipe falava muito comigo para que eu aprendesse a ter uma saída melhor e armar contra-ataques. Ele dizia: "Você faz muitos desarmes e precisa já sair rápido". Aprendi muito com isso.
O apelido de "Mito" eu ouvi pela primeira vez em 2010. Foi justamente nesse primeiro jogo que tive chance na Copa do Brasil. Antes, estavam me criticando muito, dizendo que era maluquice me colocar em um jogo que precisava fazer três gols de diferença contra o Vitória.
Eu fiquei escutando isso e só esperando o jogo. Quando começou a partida, me entreguei muito e fiz meu melhor. Por pouco não classificamos. No final, a torcida me aplaudiu muito.
Nisso surgiu a brincadeira do "Mito". Não foi uma coisa tipo: "Ah, o cara está jogando muito". Foi mais uma brincadeira tirando um sarro e zoando do que colocando um apelido pelo potencial. Pelo menos foi que eu senti. Só que dessas "zoeiras" foi virando uma coisa mais séria, daí a galera foi pegando e nunca mais saiu (risos). Virei o "Mito" do Vascão.
O 63º MAIOR BRASILEIRO DE TODOS OS TEMPOS
Em 2012, o canal SBT criou o programa "O maior brasileiro de todos os tempos", apresentado por Sílvio Santos e inspirado no show "100 Greatest Britons", da emissora inglesa BBC. A atração elegeu os maiores brasileiros, da história, com o médium Chico Xavier terminando em 1º lugar. Em seguida, apareceram Santos Dumont, Princesa Isabel, Pelé, Oscar Niemeyer, Luiz Inácio Lula da Silva, Juscelino Kubitschek, Irmã Dulce, Getúlio Vargas e Fernando Henrique Cardoso completando o top 10.
O que na verdade surpreendeu o país, porém, foi que Dedé acabou eleito como o 63º maior brasileiro de todos os tempos, batendo famosos como Maria da Penha, Vital Brazil, Jorge Amado, Tom Jobim, Cazuza, Chico Buarque, Luís Carlos Prestes, Lampião, Marechal Cândido Rondon, Duque de Caxias e Ulysses Guimarães, só para citar alguns.
Entre boleiros, ficou à frente de nomes como Romário, Ronaldinho Gaúcho, Sócrates e Garrincha.
Uma prova de que sua fase no Vasco entre 2011 e 2012 foi realmente espetacular. No entanto, o zagueiro não entende até hoje como foi parar na 63ª posição daquela lista, virando um meme instantaneamente na internet.
Eu nem sabia (da eleição)! Quem me mandou a notícia foram meus amigos. Eles me avisaram pelo Facebook me marcando em um monte de postagens. Só aí que vi essa parada (risos).
É legal! Um reconhecimento bacana por tudo que a gente faz o melhor. Sou um cara muito de boa com isso. Quando fui reconhecido de forma natural, fiquei feliz demais. Tento fazer minha vida como uma pessoa normal, não como pessoa pública.
Mas, sinceramente, não sei de onde os caras viram isso (risos). Eu nem sabia disso na época. Eu era importante para o Vasco, mas não imaginava que no Brasil tinham tanto carinho por mim! Essa eleição no fim mostrou que não só o carinho dos vascaínos, mas de pessoas comuns por todo o país. Quando a gente faz as coisas certas e não passa a perna em ninguém, coisas boas acontecem sem você esperar.
Eu tento levar tudo na boa. Aqui em Belo Horizonte eu vou passear, vou aos shoppings como uma pessoa comum, normal. A galera me para e fala comigo. Alguns pedem ajuda e eu ajudo. Sempre falo: "Não sou mutante, não. Sou apenas um atleta de futebol profissional".
E o mais legal de tudo isso é que além do prêmio de 63º maior brasileiro eu ainda fui eleito o "Craque da Galera" do Brasileirão de 2011 pelo Vasco. Disputei com Ronaldinho Gaúcho e Neymar e ganhei dos dois (risos). Esse dia eu me emocionei e fiquei bobo. Foi o maior troféu que poderia receber da torcida. Posso colocar no meu currículo, né? (risos).
SELEÇÃO E IDA PARA O CRUZEIRO
A seleção brasileira surgiu para mim em 2011. Em 2010, os torcedores ficavam brincando e falando brincando que eu era jogador de seleção. No ano seguinte, o que ajudou muito foi que terminei bem em 2010 no Brasileiro. Daí fui observado e fizemos um bom Estadual e o torcedor do Vasco queria que eu fosse para seleção.
Aí o Mano Menezes disse que não aguentava mais andar no Rio porque o pessoal ficava pedindo o tal do Dedé (risos) na seleção. Acho que ele nem sabia quem era na época (risos). Foi ele que me levou foi contra a Alemanha que perdemos o amistoso por 3 a 2. Fiquei no banco e foi uma grande experiência. É legal porque os reencontramos aqui no Cruzeiro e sempre falou comigo, me deu moral. Sempre recebi bons conselhos do Mano.
Na época de Vasco, surgiu também interesse de vários clubes. A própria Udinese, o diretor de lá que tinha me mandado embora naquela época, veio falar com meus empresários sobre interesse em mim. Meu empresário falou: "Sabe esse zagueiro? Vocês mandaram ele embora em 2008 depois de uma semana!". Deu um "reboliço" danado lá pros caras (risos).
O Genoa veio em 2010 e uma equipe da Coreia do Sul também. Foi até uma dúvida para mim, foi bem difícil. Pensei muito, mas acabei ficando no Vasco porque achei que faria um bom campeonato em 2010, e no fim deu tudo certo.
Aí veio o Benfica bem forte atrás de mim em 2011, e fizeram muito esforço para eu ir. Mas o Vasco foi muito bem e cobriu a proposta deles, e os portugueses acabaram desistindo. Só que logo depois veio a proposta do Cruzeiro. O Vasco passava uma dificuldade grande e a necessidade de eu ir embora para ajudar as finanças do clube era muito grande.
Era necessário que eu viesse ao Cruzeiro e desse renda ao Vasco para quitar algumas dívidas. Foi bom para todos. Fiz a minha parte lá e achei que estava na hora. Fui muito bem recebido em Minas. Cheguei ao aeroporto e tinha umas 3,5 mil pessoas para me receber! Foi uma festa danada, muito legal. No dia seguinte, fui apresentado pela diretoria no supermercado. Foi bem diferente (risos).
TÍTULOS, LESÕES E RECOMEÇO
Cheguei ao Cruzeiro, logo depois do Mineiro de 2013, vi que o time era muito bom. O primeiro turno do Brasileirão nós terminamos muito bem, e vi que ia dar liga. Não éramos considerado favoritos, mas conseguimos vencer o campeonato com uma certa folga. Em 2014, foi um pouco mais difícil, porque o São Paulo teve um bom crescimento, mas mesmo assim não deixamos eles chegarem.
Em 2014, a gente poderia ter ganho a Tríplice Coroa, mas não conseguimos vencer a Copa do Brasil contra o Atlético-MG. A gente teve uma demanda muito alta de jogos por causa do Brasileiro. Quando chegou a final, nosso time estava cansado. Mas eles também tiveram mérito, é claro. Infelizmente não consegui jogar a final, porque me machuquei contra o Santos.
Aí começaram meus problemas com lesões. Eu tive que operar e fazer a recuperação em 2015. Nesse ano, não entrei em campo nem uma vez sequer. Em 2016, tive muita dor na patela, joguei só alguns jogos no Estadual. Até comecei muito bem, mas fraturei a patela do joelho. Aí começou a complicar... Tentava fazer exercício e sentia muita dor.
Agora estou bom. Tomara que não dê mais nada, foi um sufoco que aprendi muito. Tento levar tudo pelo lado positivo. Eu nunca fui de desistir de nada, sempre fui muito trabalhador e tive alto astral. Você não me vê pra baixo ou triste, estou sempre brincando, não resmungo, tento fazer as coisas com prazer e a ajudar a todos.
Eu vi com tudo isso que não sou o "Homem de Ferro". Também me machuco, mas também me recupero. Deus é muito importante na minha vida. Temos que tirar as coisas boas também dos momentos difíceis. Sou católico e vou muito à igreja em Belo Horizonte.
Minha esposa me deu a notícia que seria pai no mesmo dia que ia operar. Veio meu filho, que é uma benção. Chego em casa todo dia feliz porque recebo o sorriso dele e não tem preço. Fui muito abençoado. Mesmo passando por tudo isso, foi a melhor recuperação acompanhando meu filho. Hoje posso entrar em campo com ele, é uma realização de um sonho.
Só tenho que agradecer aos profissionais do Cruzeiro que me ajudaram demais. Estou muito bem e me sentindo forte. A gente trabalha para jogar e quer estar em campo de qualquer forma para poder ajudar.
Fonte: ESPN.com.br